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amazônia parque nacional de anavilhanas
2008-02-26
Nota do editor (O Eco): O documentário “Return to the Amazon”, de Jean Michel Costeau, filmado durante os dois últimos anos, refaz os caminhos do oceanógrafo Jacques Costeau pela Amazônia, quando filmou “A journey of a thousand rivers, em 1983 e 1983. Seu filho, Jean Michel é o diretor do novo filme, que tem estréia marcada na primeira semana de abril na PBS (Public Broadcast System), uma TV pública norte-americana.

Plínio Ribeiro, que está completando um mestrado em Administração Pública e Ciências Ambientais na Universidade de Columbia, foi um dos produtores do filme. Durante a filmagem do documentário "Return to the Amazon". ele foi coordenador das atividades no Brasil principalmente no planejamento e logística das expedições. Durante este período, escreveu um diário sobre suas impressões e aventuras em diversos e magníficos locais da floresta. O diário será publicado semanalmente e terá cinco partes.

Alguns especialistas acreditam que possa haver o dobro de espécies de peixes na bacia Amazônica do que em todo o Oceano Atlântico. No entanto, mesmo com tamanha abundância de vida em baixo d’água é muito complicado encontrar um bom lugar na Amazônia para mergulhar. Como a maioria dos rios tem águas muito turvas, visibilidade decente é um desafio.

Quando uma colega de Manaus e eu iniciamos as pesquisas que dariam origem ao roteiro do documentário “Return to the Amazon” de Jean Michel Cousteau, ficou evidente que encontrar águas transparentes seria uma missão no mínimo complicada. Conversamos com vários pesquisadores que trabalham com peixes e mamíferos aquáticos, consultamos a literatura e mesmo assim esse lugar parecia não existir. Uma das esperanças eram os afluentes do rio Tapajós, no Pará, onde até encontramos visibilidade, mas pouquíssima vida animal. Outra tentativa foi no rio Javari, Amazonas fronteira com o Peru, onde nos deparamos com alguma vida, mas pouca visibilidade.

A primeira vez que ouvi falar das transparentes águas do rio Xixuaú foi numa conversa com Vera da Silva, uma das mais importantes pesquisadoras de mamíferos aquáticos da Amazônia. Com seu jeito calmo e quase transcendental, ela nos disse que o rio Xixuaú era um afluente do rio Jauaperi, que por sua vez é afluente do rio Negro. O melhor lugar para mergulhar se encontra ao sul do estado de Roraima.

Já durante as filmagens, havíamos dividido a equipe para que pudéssemos cobrir uma área maior antes do início da estação das chuvas. A maior parte da nossa equipe havia partido de Manaus havia duas semanas. O plano era encontrá-los na foz do rio Jauaperi, onde ele se encontra com o rio Negro. Éramos quatro, além de Raimundo, o piloteiro, e seu ajudante.

Encontrei Raimundo no porto de Manaus na tarde anterior à nossa viagem. Ele tinha uma voadeira grande, que permitia levar todos nossos equipamentos. Com um motor de 85hp fiquei confiante que faríamos o percurso Manaus-Moura (vila próxima à foz do rio Jauaperi no rio Negro) em mais ou menos 13 horas.

Partimos cedo. Subindo o rio Negro, a partir de Manaus, à direita vê-se uma mata alta e aos seus pés areias brancas. À esquerda a floresta é mais baixa e no lugar da areia havia uma grama verde de nova que só aparece nos tempos da seca.

A floresta da esquerda é mais baixa, pois ela está sobre ilhas, que formam o arquipélago de Anavilhanas. A maior parte do arquipélago constitui a Estação Ecológica de Anavilhanas, que foi criada em 1981 para proteger e preservar as mais de 400 ilhas do arquipélago, sua biodiversidade e beleza cênica. O Rio Negro é o principal curso fluvial que se ramifica em centenas de igarapés, paranás, canais e alguns enormes lagos que se formam entre as ilhas. Diferente da maioria das Unidades de Conservação (áreas naturais protegidas) brasileiras, a estação tem sua situação fundiária totalmente regularizada, ocupando uma área de aproximadamente 350 mil hectares entre as ilhas e um pedaço de terra firme.

Foi justamente dentro do arquipélago, no canal principal e não muito longe de Novo Airão, que nosso motor deu a primeira engasgada. Raimundo se espantou. Parecia até que era a primeira vez que via seu querido 85hp engasgar. Quando paramos para “olhar” o problema, percebi que Carlos, o ajudante de Raimundo, tinha só os dois dentes da frente e pés que pareciam de uma tartaruga. Foi o pretexto para que ele começasse a falar. Coisa que não parou de fazer por horas e horas. Até com dois americanos da equipe ele conversou, apesar de não falar uma palavra sequer em inglês.

Foram quase três horas de teorias sobre as causas do problema no motor e tentativas frustradas de consertá-lo.

“Ao menos quando voltar para Manaus serei um mecânico melhor”, disse Carlos sem perceber o tamanho da encrenca em que nos metíamos.

Entre remadas, trancos, engasgos e alguns breves momentos de alguma potência, conseguimos chegar a Novo Airão, cidade localizada à margem direita do rio Negro e bem em frente do arquipélago. Lá encontramos um mecânico mal humorado que fez pouco caso do nosso problema. Enquanto Raimundo trabalhava na máquina, fui procurar algum outro motor que serviria de estepe caso os problemas continuassem. Depois de rodar a cidade toda de moto-taxi, encontrei um Yamaha de 40hp que seu dono só concordou em alugar caso viesse junto a bordo. Sem opção ganhamos peso extra e mais uma barriga para alimentar.

A parada em Novo Airão nos deu a breve esperança que nosso 85hp funcionaria redondo e que a partir dali e que em mais seis horas estaríamos no Jauaperi. Doce engano, o motor engasgou de novo tão logo partimos da pequena cidade. Finalmente convenci Raimundo e Carlos a trocarem o motor problemático pelo recém adquirido estepe. Esses motores de popa, principalmente o de 85hp, pesam muito e trocá-los com água acima dos joelhos, próximos a uma praia e escurecendo, foi uma tarefa que nos consumiu quase uma hora.

A voadeira era larga e o motor curto para ela. Assim ele não ficava por inteiro dentro d’água. Além disso, formava um vácuo embaixo do casco faltando água suficiente para tracionar a hélice do motor. O resultado é que começamos a viajar numa velocidade inferior à das tradicionais “rabetinhas” que usam motor de apenas 5hp.

Todos perceberam que naquela velocidade lavaríamos a noite toda e um bom pedaço do dia seguinte para chegar ao nosso destino. No entanto, o clima já estava tão pesado que ninguém abriu a boca.

Já era por volta das dez da noite quando o motor parou. A ausência do barulho e de movimento fez com que todos acordassem. Raimundo começou a falar e repetir que naquela velocidade não dava para continuar. Ele dominava o dono do motor com sua fala acelerada. Tive um momento de absoluta inspiração e objetividade e pedi para que deixasse o rapaz falar. Um pouco nervoso, ele falou que já havia feito esse percurso de rabetinha inúmeras vezes e que gastaríamos outras 15 horas a partir de onde estávamos. Apesar de um olhar quase ameaçador de Raimundo, decidi que continuaríamos viagem. A outra opção era voltar a Novo Airão onde dificilmente conseguiríamos uma outra voadeira e perderíamos pelo menos dois dias.

Tive uma gostosa sensação de liderança, de contornar um momento difícil e seguir rumo a um objetivo. Durou pouco, quando na manhã seguinte, já sem comida alguma no barco, tivemos que nos contentar com uma saudável mistura de rum com cerveja de café da manhã. Quando finalmente encontramos o Ariaú-Açu, nosso barco e casa durante as expedições, já se passava das três da tarde. Ao todo foram 34 horas de viagem.

Nas águas de Xixuaú

A base para nossas operações de mergulho na Amazônia foi a Reserva de Xixuaú, que pertence a uma associação de comunitários, entre eles um escocês chamado por lá de Cris. Ele coordena as atividades ligadas a turismo na reserva, que é muito procurada para a gravação de documentários por causa das águas transparentes e da abundante biodiversidade. Eles estão envolvidos na criação da futura Reserva Extrativista do baixo rio Branco que incluiria essa e outras áreas ao redor.

Numa grande maloca está a maioria dos quartos e também uma grande cozinha e “sala-de-estar” que dispõe de uma boa biblioteca de férias com vários volumes sobre a Amazônia. A maioria dos livros, no entanto, é em inglês, alemão e italiano. Principais nacionalidades dos que se “aventuram” por ali.

Ver finalmente todo o nosso material de mergulho e operações aquáticas em uso era bastante motivador. Fiz vários mergulhos de máscara, pé-de-pato e snorkel. Uma roupa de borracha somente para ficar mais tempo em baixo dágua.

A variedade de peixes e bichos é realmente incrível: tucunarés, pintados, piranhas, peixes de rabo vermelho, arraias, tartarugas. Era possível avistar tudo isso sem grandes esforços. Claro que quanto mais tempo na água maior a recompensa.

A água é bem transparente. Mergulhar em uma floresta inundada é uma experiência quase mística. As formas, os ângulos, as sombras e os contrastes formam visuais difíceis de descrever.

Bem diferentes do mar é verdade.

Fomos avisados que a seis horas de voadeira da nossa base existiam cinco grandes lagos e que a possibilidade de avistar peixes-boi, ou manatis, era grande. Rapidamente montamos uma equipe formada por nosso câmera, uma fotógrafa, uma mergulhadora, quatro guias, uma cozinheira e eu. Partimos no dia seguinte cedo em dois botes de borracha com motor de 30hp, uma rabetinha e três canoas de madeira.

Entre os guias, o mais velho e experiente era o “seu Carlito”, profundo conhecedor dessa região. Era assustador seu poder de percepção e sensibilidade em relação aos fenômenos naturais. Mais de uma vez ouvi dizerem que ele tem uma metade bicho.

Até onde montamos nosso acampamento, a poucos minutos de um dos lagos, foram seis horas de viagem. Parte delas subindo novamente o Jauaperi e a outra subindo um afluente chamado Xiparina. O acampamento ficou confortável, duas barracas, uma grande lona que cobria os alimentos e o fogão. A comida sempre a mesma: arroz, feijão, farinha e peixe-frito. Muito bom por sinal.

Durante cinco dias a mesma “rotina”: mergulhar e pescar para comer. A abundância de peixes era tão grande que bastava alguns arremessos com linhada e isca artificial para garantir a próxima refeição. Quem gosta de pescar sabe a emoção de fisgar um belo tucunaré.

O dono do lago

Durante um de nossos mergulhos resolvi explorar o lado oposto do lago onde a equipe realizava as filmagens. Quando investigava dois troncos de árvore submersos, notei que ao lado havia uma forma que em nada parecia uma planta. Era muito grosso no meio e ia se afunilando na direção do barranco. Tomei fôlego e desci uns dois metros. Qual não foi meu espanto quando quase trombei num jacaré-açu de uns 6 metros de comprimento.

Como se fosse o dono do lago, o bicho estava lá no fundo, quieto, como se nem notasse minha presença. Meu coração disparou, uma mistura de medo e adrenalina tomaram conta do meu corpo e por alguns instantes paralisei. Pensei em nadar para longe, mas tive medo de que ele me perseguisse. Me senti como uma presa. Aos poucos fui batendo a perna e saindo de onde estava. Quando me senti seguro comecei a gritar, a berrar.

Matt, o cameraman, se esquentava no sol da manhã depois de horas de mergulhos ininterruptos. Foi difícil convence-lo a voltar para a água, mas um bicho daquele tamanho sem dúvida valeria a pena. Identifiquei o local do jacaré por uma árvore no barranco próximo. Ele que já mergulhou com tubarões branco e há anos mergulha mundo à fora com os Cousteaus quase não acreditou no que viu. Ficou tão chocado que na primeira tentativa sequer conseguiu apontar a câmera. Voltou para a superfície e com os olhos arregalados soltou um genuíno “Oh my God!”. Na segunda vez captou algumas imagens, mas que por falta de escala não dão conta do tamanho daquele réptil. Para mim foi uma experiência traumatizante e naquele dia não consegui voltar pra debaixo dágua.

(Por Plínio Ribeiro, O Eco, 25.02.2008)

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