Enquanto a corrida presidencial ganha força nos Estados Unidos, um esforço de última hora acontece para promover o controvertido acordo nuclear com a Índia. O impulso foi dado na reunião do último dia 20 entre três senadores liderados pelo presidente do Comitê de Relações Exteriores do Senado, Joseph Biden, com o primeiro-ministroindiano, Manmohan Singh. A delegação norte-americana alertou que estava se esgotando o tempo para as autoridades de Nova Délhi completarem os passos necessários para que o acordo possa ser ratificado pelo Congresso dos Estados Unidos, Biden disse a Singh que era essencial que a Índia o fizesse avançar “em questão de semanas”.
Os senadores disseram que, a menos que a Índia retorne o documento a Washington de preferência no inicio de maio ou junho, será praticamente impossível o Congresso ratificá-lo. “Se não for ratificado até o final de julho (quando o Senado entra em recesso) não haverá perspectivas” de consegui-lo durante o governo de George W. Bush, que terminará em janeiro próximo, disse Biden. O senador esteve acompanhado de seus pares John Kerry, candidato presidencial pelo Partido Republicano em 2004, e Chuck Hagel, importante figura desse partido. “Se não conseguirmos o acordo agora, é improvável que o próximo presidente insista nele”, alertou Biden. Em sua opinião, Singh se mostrou “otimista”.
Os funcionários indianos começaram a discutir maneiras de acelerar o processo. Seus cálculos se regem pela idéia de que se um democrata vencer as eleições presidenciais de novembro o governo dará um segundo – e crítico – olhar ao acordo. Tradicionalmente, os democratas dão uma prioridade maior que os republicanos a assuntos como desarmamento nuclear e controle de armas em geral. Mas aos dirigentes indianos preocupa que uma excessiva pressão de Washington provoque uma forte reação interna. O Partido do Congresso, que lidera a governante coalizão da Alianaç Progressista Unida (UPA), rejeita qualquer ultimato. O acordo será nos termos da Índia, afirmou.
“Muitos políticos indianos têm medo de que Barack Obama ganhe a indicação democrata e as eleições”, disse M. V. Ramana, analista de assuntos nucleares do Centro para os Estudos Interdisciplinares sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, em Bangalores. “Temem muito que Obama seja hostil ao acordo e introduza todo tipo de condições para sua ratificação, o que efetivamente mataria” o documento, acrescentou. O tratado já enfrenta uma dura oposição interna. Tanto a esquerda quanto a direita alertaram o governo para não seguir adiante.
No plano externo, a Índia tem de vencer dois obstáculos: deve concluir um acordo de inspeções especiais relativo ao seu programa nuclear civil com a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) e deve garantir que seu futuro comércio nuclear fique totalmente isento do controle do Grupo de Fornecedores Nucleares. O Grupo é uma associação voluntária de 45 paises que estabelece rígidas condições para o comércio nuclear para que o material de programas civis não seja desviado para usos militares.
A Índia começou suas conversas com a AIEA em novembro, mas quatro rodadas de negociações não apresentaram nenhum acordo. Os funcionários da Comissão Indiana de Energia Atômica, reunidos em Nova Délhi no começo deste mês, acreditam que o acordo poderia consumir mais duas ou três rodadas. As conversações entraram em duas áreas problemáticas: a insistência da Índia sobre as garantias de um fornecimento ininterrupto de combustível e equipamento nuclear, e a exigência desse país pelo direito de adotar “medidas corretivas” no caso de o abastecimento externo ser interrompido.
“A primeira dificuldade é genérica. Isso porque a AIEA não é fornecedora de combustível ou de outros materiais nucleares. A segunda criará um precedente especial para a Índia, que poderia ser usado por outros Estados, especialmente os que gostariam de desenvolver clandestinamente suas armas nucleares’, disse Ramana. Nas últimas semanas, os Estados Unidos intensificaram a pressão a favor do acordo. No começo deste mês seu embaixador na Índia, David Mulfor, alertou que o tempo era essencial e disse que era “o passaporte (da Índia) para o mundo”. Se o acordo “não for processado na atual legislatura, é improvável que seja oferecido novamente a ainda por outro governo, democrata ou republicano, antes de 2010”, acrescentou.
Há cerca de 110 dias, o subsecretário de Estado para Assuntos Políticos, Nicholas Burns, também alertou em Londres que o acordo nuclear deve ficar pronto rapidamente. Mas o presidente da Comissão Indiana de Energia Atômica, Anil Kakodkar, disse que os esforços continuará independentemente da mudança de regime nos Estados Unidos. “continuaremos conversando com Washington”, disse.mas na Índia todos sabem que sem um impulso de Bush não se conseguirá a ratificação do acordo, enquanto a própria sobrevivência do governo da UPA pode se ver ameaçada se forçar a aprovação, apesar da oposição dos partidos de esquerda.
O governo aceitou colocar qualquer com a AIEA sob controle de um comitê conjunto da UPA e a esquerda. Os lideres da esquerda rejeitam “qualquer prazo imposto pelos Estados Unidos” e advertem que anunciarão a morte formal do acordo no final de marcou o começo de abril, quando os dois principais partidos comunistas da Índia realizarem seus congressos. “A UPA está confusa. Brinca-se de negociar um acordo que pode entregá-la aos seus oponentes e aliados. É um jogo perigoso. Talvez, o melhor seja preparar o terreno para futuras negociações completando um acordo especifico de salvaguardas com a AIEA. Mas como as coisas estão, são muito escassas as possibilidades de o pacto obter aceitação interna”, disse Ramana.
(Por Praful Bidwai, IPS,
Envolverde, 25/02/2008)