Como único brasileiro convidado a participar de recente seminário internacional realizado na Índia sobre a importância das florestas plantadas na mitigação das mudanças climáticas naquele país, julguei oportuno dividir um pouco do que lá ouvi e algumas de minhas convicções sobre o assunto.
Como já é bem sabido, o dióxido de carbono CO2 é o maior contribuinte (50%) na emissão dos gases causadores do “efeito estufa”, que podem gerar mudanças climáticas como o aumento da temperatura, variação no ciclo de chuvas, encurtamento das estações do ano, redução no fluxo dos rios, aumento no nível do mar, secas mais intensas, ondas de calor e incêndios florestais, aumento dos tornados e furacões. Tudo isso com reflexos sobre a vida e a saúde das pessoas, as economias, a produção agrícola, os retornos sobre investimentos e os gastos sociais. Portanto é uma questão do interesse comum.
A Índia está fortemente inclinada a fomentar o plantio de plantas que tenham a possibilidade de produzir biocombustível e florestas produtivas que possam absorver CO2, resolvendo diversos problemas no país, como o suprimento de madeira sólida, carvão, celulose e papel, e a geração de emprego e industrialização. A ONU, pela convenção do clima, reconheceu o florestamento e o reflorestamento como meios de baixo custo para combater as mudanças climáticas e, por isso, reconheceu as florestas plantadas como um dos mecanismos de desenvolvimento limpo (CDM) no Acordo de Marrakesh.
Presente na reunião, o ministro do Meio Ambiente da Índia, Namo Narayan Meena, indicou que seu presidente aprovou o início do plantio de pinhão-manso em áreas de 500 mil hectares de terras do governo para, em seguida, implantar cerca de 12 milhões de hectares, procurando atrair empresas privadas para esta segunda fase. É importante lembrar que a Índia, com 1 bilhão de habitantes, tem de ter cuidado redobrado com sua produção de alimentos. O Ministério do Desenvolvimento Rural tem sob sua responsabilidade 306 milhões de hectares, dos quais 173 milhões estão cultivados e o restante é considerado terras erosivas ou não aráveis, portanto, aptas à produção de biocombustível e de florestas plantadas. O governo indiano já distribuiu 380 milhões de mudas de pinhão-manso aos fazendeiros, sem custo, e 80 prensas para a produção do óleo, com garantia de compra do produto. Os resultados deixam a desejar, mas é um primeiro passo.
Todo esse esforço vem em razão de a Índia crescer 9% ao ano e já ser hoje o 5º maior consumidor de energia do mundo. Grande parte dessa energia vem da biomassa do setor rural, implicando desmatamento. Como se sabe, o desmatamento é responsável por 25% a 30% da emissão de gases de efeito estufa e, infelizmente, o Brasil foi citado em todas as palestras como o principal responsável. Minha veemente defesa, explicando que havíamos conseguido reduzir em quase 60% o ritmo do desmatamento, me deixa constrangido após a divulgação dos últimos - e agora controversos - dados nas manchetes dos jornais.
O segundo plano da Índia no combate ao aquecimento global é a implantação de florestas de rápido crescimento. Elas têm um tremendo potencial por seqüestrar carbono a baixo custo, gerando diversos produtos, empregos e reduzindo o desmatamento. Dispõem de 64 milhões de hectares de terras degradadas e de 50 milhões de hectares de terras costeiras ou inclinadas. Pensam em cobrir essas áreas com árvores, privatizando essas terras e desenvolvendo tecnologias. Suas primeiras florestas de eucalipto, plantadas pelo governo com pouca tecnologia e assistência técnica, têm produtividade de não mais de 5 m³/ha/ano, enquanto no Brasil já se chega a 10 vezes esse valor. Com tecnologia, é possível que possam alcançar uma produtividade entre 12 e 15 m³/ha/ano.
Saí da conferência com a sensação de que o Brasil tem tudo para usar esse caminho no combate ao desmatamento, gerando mais biomassa, mais energia, mais produtos de madeira, maior uso das terras degradadas, mais negócios; enfim, resolver diversos problemas com uma única solução. Temos 200 milhões de hectares de pastagens e somente 5,5 milhões de florestas plantadas, que geram riqueza de quase 4% do PIB. Imaginem o que significam 20 ou 30 milhões de hectares de florestas plantadas em absorção de CO2 e possibilidade de redução do desmatamento! A biomassa gerada é renovável, diferentemente do petróleo, do gás e mesmo da energia hidráulica, que será dependente da chuva cada vez menos intensa.
A segurança de energia e água é extremamente estratégica para o futuro de qualquer nação e o Brasil, com o clima e a tecnologia que possui, não pode desperdiçar essa oportunidade de aumentar suas florestas plantadas em áreas degradadas, feita de forma tal que não compita com os alimentos e não promova desmatamento. Temos um manejo florestal moderno, em que para cada 2 hectares de floresta plantada é preservado 1 hectare de mata nativa; podemos combater as doenças e pragas, temos processos de plantio que incluem pequenos fazendeiros e temos mercado para diversos produtos como carvão vegetal, tábuas, placas, aglomerados, móveis, pisos, MDF, gaseificação, celulose e papel.
No Brasil também podemos incrementar a agrossivilcultura com ganhos de sinergias, pois a floresta baixa a temperatura dos plantios, melhorando a perda de água por evaporação, e reduz a erosão do solo, renovando o ciclo de nutrientes. E diminui a pressão sobre as matas nativas para a secagem de grãos e o uso doméstico, trazendo ainda um ganho econômico aos proprietários rurais.
O Brasil poderia seguir o exemplo da Índia com imensas vantagens de clima, solo, tecnologia e tempo. É preciso qualificar e aprofundar o debate dessa alternativa estratégica. O futuro do planeta e da humanidade depende, em boa medida, do futuro das florestas, nativas e plantadas.
(Por Carlos Aguiar,
O Estado de SP, 25/02/2008)
Carlos Aguiar é diretor-presidente da Aracruz Celulose