Para autor de livros sobre o aquecimento global, a preocupação do público leigo com o clima atingiu um ponto sem voltaO escritor Mark Lynas, natural de Fiji e formado na Grã-Bretanha, investiu seus últimos anos em alertar o público leigo sobre os impactos - e especialmente os perigos - do aquecimento global. A preocupação do público, diz ele, cresceu "mais rápido do que o desenvolvimento de tecnologias limpas". Lynas é autor de três livros sobre o gênero (nenhum traduzido para o português). O último, Six Degrees: Our Future on a Hotter Planet ("Seis graus: nosso futuro em um planeta mais quente", em inglês), lançado no ano passado, segue igual linha, assim como a série SOS Aquecimento Global, inspirada nele, que o canal pago Nat Geo estréia hoje: o que pode acontecer com a Terra à medida que a temperatura suba gradualmente devido ao efeito estufa exacerbado.
Na série, incertezas científicas sobre o impacto do aquecimento global são deixadas de lado. Por quê?
Há incertezas e nuances científicas ligadas a todas as projeções, assim como detalhamentos sobre cada ponto citado na série, e claramente não é possível colocar tudo. É o caso de quando sentiremos 1°C ou 6°C a mais, se será no fim do século ou antes ou nunca, porque isso depende das decisões políticas que tomamos sobre quanto combustível fóssil vamos queimar. Essa é a maior incerteza de todas. O melhor a fazer é analisar as probabilidades: há 20% de chance de essa ou aquela temperatura ser alcançada. Assim as pessoas podem tomar uma decisão sobre qual cenário preferem enfrentar.
Qual é seu desejo com os livros e, agora, com a série?
Minha intenção é simplesmente popularizar a melhor ciência disponível, que normalmente está restrita aos acadêmicos e a bibliotecas. Conversei durante muito tempo com diversos especialistas para reunir essas projeções e transmiti-las para as pessoas que não possuem treinamento científico. E isso significa também tentar individualizar os impactos das mudanças do clima.
A preocupação do público cresceu nos últimos anos?
Sim, cresceu exponencialmente, provavelmente mais rápido do que o desenvolvimento de tecnologias limpas. Certamente um marco desse movimento é o filme do (ex-vice-presidente americano) Al Gore, Uma Verdade Inconveniente, que já tem três anos. Esse, na verdade, é o "tipping point" (o ponto sem volta) do crescimento do interesse do público sobre o assunto, com impacto global. Além disso, a população vê e sente as alterações no ambiente. Com a união dos dois fatores, é possível observar um incremento da preocupação.
Certas alterações ambientais são provocadas por pessoas simples, que desejam apenas garantir o sustento e que não conhecem outra forma de vida. Como falar com essas pessoas?
É certo que muito do desmatamento, por exemplo, que acontece na Amazônia e na Indonésia é feito por pessoas que buscam a subsistência. Porém, numa proporção muito provavelmente maior, a derrubada e a queimada são conduzidas por produtores de biocombustíveis, no caso da Indonésia, ou madeireiros e pecuaristas, no caso do Brasil, que têm acesso à informação. Certamente precisamos desenvolver estratégias para combater a pobreza, como maneira de reduzir a pressão sobre a floresta, mas também precisamos manter a floresta em pé com, talvez, a inclusão de florestas no mercado de carbono.
(Por Cristina Amorim,
Estado de São Paulo, 24/02/2008)