Terrenos baldios, borracharias e casas noturnas que hoje tomam conta de parte da orla de Salvador poderão ser substituídos por prédios residenciais, flats e hotéis. O prefeito da cidade, João Henrique Carneiro, sancionou ontem pela manhã o novo Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano (PDDU) da cidade.
O projeto abre espaço para novos negócios no ramo imobiliário, pois amplia as áreas de verticalização da capital, permitindo que mais locais comportem obras de maior porte, além de eliminar zonas exclusivamente residenciais e torná-las "predominantemente residenciais."
Houve quem comemorasse as novas normas para a ocupação de Salvador antes mesmo da aprovação final, que levou mais de um ano, uma vez que as discussões sobre o tema foram bastante acaloradas e começaram em meados de 2005.
Ivan Leão, proprietário da Leão Engenharia, é um dos empresários que já se beneficiaram da nova lei. Em fevereiro de 2006 ele deu início à construção de um apart hotel próximo à orla. Na época, pagou cerca de R$ 500 pelo metro quadrado do local. "Hoje já se está vendendo o metro quadrado a R$ 1 mil", conta o empresário.
Quando comprou o terreno onde, em agosto, ficará pronto o Bahia Suites, tratava-se de "um criadouro de mosquitos, ratos e cobras. Tudo abandonado", diz.
Leão tem mais um terreno na praia do Jardim de Alah, comprado há dois anos. Segundo ele, a possibilidade de um novo plano diretor da cidade não foi crucial para a compra, mas, hoje, admite que o negócio acabou sendo melhor do que o esperado, pois os terrenos estão se valorizando de forma significativa nessa área, região leste da capital baiana. "A idéia é construir outro apart hotel", diz.
Augusto Amoedo, presidente da Associação de Dirigentes de Empresas do Mercado Imobiliário da Bahia (Ademi-BA), diz que o plano era essencial para o bom planejamento da cidade. "A cada dez anos, Salvador ganha 500 mil novos habitantes. Para comportar todo esse pessoal é preciso ter uma diretriz, um projeto de ocupação da cidade", avalia.
Para ele, a mudança na orla é importante, pois abre chance para uma revitalização da área, que está degradada. Amoedo, ressalta, porém, que a grande modificação e oportunidade de negócios está na possibilidade de novas construções na área da avenida Paralela, uma via expressa localizada em uma área da cidade que começou a se expandir há poucos anos e que serve como acesso a cidades do entorno de Salvador.
Amoedo está interessado também em uma outra avenida nas proximidades do aeroporto onde, acredita, poderiam ser feitos empreendimentos residências para baixa renda. Antes, a verticalização era proibida nessa avenida. Agora, poderão se construídos prédios de cerca de 15 andares. "Não pode ser tão alto porque por ali passam aviões", explica.
A avaliação de Djean Cruz, diretor de incorporação da Odebrecht Empreendimentos Imobiliários na Bahia, sobre o foco dos novos investimentos é a mesma de Amoedo. "O maior potencial para o setor imobiliário está na classe mais baixa. Salvador ainda é uma cidade pobre, com muitos pobres e é preciso fazer um ambiente agradável para essas pessoas", diz.
Além disso, Cruz diz que o maior interesse da Odebrecht é pelas áreas um pouco mais afastadas da praia, nas quais, segundo o plano diretor, é possível fazer prédios mais altos. De acordo com o diretor, como na orla os preços dos terrenos estão altos, "é preciso ter um projeto muito bom, que traga rentabilidade e compense esse custo".
Para se ter uma idéia, na praia de Patamares, também localizada na área mais abandonada da orla, no lado leste da cidade (que fica distante de praias como Barra e Ondina, circuito onde passa o carnaval), o metro quadrado de um terreno custava, há cerca de dois anos, R$ 150. Hoje ele já vale R$ 600, um aumento de 300%.
"Desde que o PDDU passou a ser discutido o preço começou a subir e agora chegou a esse patamar", explica Amoedo. Ainda é um valor bem menor do que em bairros mais nobres da cidade, como Barra e Itaigara, onde o metro quadrado está na faixa dos R$ 1 mil, mas os números mostram que a região está em franca valorização.
O temor, porém, é que se de um lado a orla pode ficar mais bonita e agradável, o centro da capital baiana poderá ser descaracterizado. No centro antigo, chamado de Comércio, que fica aos pés do Elevador Lacerda e abriga o Mercado Modelo, os prédios poderão ter até 51 metros de altura (13 andares), seis metros acima do permitido hoje. Com isso, a divisão entre a cidade baixa e a cidade alta, tão característica de Salvador, poderá ser menos evidente.
Quem estiver na entrada do Elevador Lacerda, que está a 64 metros de altura, terá uma visão comprometida da Baía de Todos os Santos. E quem chega pelo mar verá menos da cidade alta, onde está o Pelourinho.
Plano gera polêmica na capital baianaO entusiasmo com a possibilidade de mudanças na paisagem de Salvador, contudo, não é unânime entre os soteropolitanos. O Plano Diretor De Desenvolvimento Urbano (PDDU) gerou polêmica ao longo dos dois anos e meio que foi debatido e continua sendo duramente criticado por arquitetos, vereadores da oposição e até pelo Conselho Estadual de Cultura da Bahia.
A vereadora Olívia Santana, do PcdoB, argumenta que o novo plano descaracterizará a cidade e que ele foi concebido para atender ao interesse das grandes empresas de construção. "Salvador é uma das poucas cidades que ainda tem sua orla horizontalizada. Isso não é um malefício, é uma virtude".
O problema, na avaliação da arquiteta Ana Fernandes, é que o plano que foi redigido ao longo do ano passado não pensa na cidade a médio e longo prazo, pois o que prevalece nesse projeto são os interesses privados e não os públicos. Segundo Ana, que é professora da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e membro do Conselho Nacional de Cidades, as mudanças adensarão o tráfego de veículos em áreas já estranguladas, além de poderem provocar problemas de drenagem do solo e alterações nas condições climáticas da capital baiana ao longo dos anos.
Hoje, por exemplo, se uma construtora ergue um prédio na orla em uma fachada de 50 metros, é preciso que haja um recuo lateral total de 25 metros. O novo plano diretor sancionado agora pelo prefeito reduz essa exigência para apenas 7,56 metros. "É como se o poder público tivesse desistido de seu papel e deixasse tudo do jeito que os empresários querem", diz Ana.
O PDDU que foi sancionado pelo prefeito João Henrique Carneiro é uma revisão e ampliação do que havia sido feito em 2004. Antes disso, a última mudança nas regras de ocupação de Salvador foi feita em 1983. "Com a explosão do crédito imobiliário nos últimos anos, a prefeitura julgou serem necessárias modificações no plano diretor", explica Ana. Para ela, porém, não teria sido complicado realizar um projeto que contemplasse os interesses públicos sem atrapalhar os dos empresários.
(Por Raquel Salgado,
Valor Online, 21/02/2008)