Os biocombustíveis andam um tanto mal falados por aí. Nos últimos meses não foram poucos os estudos que contestaram a viabilidade ambiental do etanol e o biodiesel. Apenas para citar o mais recente, paper de David Tilman, ecologista da Universidade de Minnesota, publicado na revista Science, chegou a afirmar que o uso dos carburantes verdes ajudam a aumentar as emissões de gases estufa e não diminuí-las. Isso porque a competição por terras agrícolas entre combustíveis e alimentos elevaria o desmatamento nos países em desenvolvimento.
Contudo, o fórum de parlamentares entre os países do G8 (os sete mais ricos e Rússia) e as cinco maiores economias emergentes (entre elas Brasil e China) terminado nesta quinta em Brasília serviu como um verdadeiro ato de desagravo aos biocombustíveis. O encontro, marcado para elaborar um documento com propostas contra a mudança climática que será entregue aos governantes do G8 em julho no Japão, acabou dominado por debates sobre a importância do etanol no combate ao aquecimento.
Após muita especulação sobre sua participação no evento, o presidente Lula surgiu poucas horas antes do fim para, na parte improvisada de seu discurso, fazer (mais uma vez) uma defesa ardorosa dos carburantes brasileiros. “Estou convencido de que os biocombustíveis devem estar no centro de um estratégia global de proteção ao meio ambiente”, disse. Rebateu as acusações de que a cana-de-açúcar vai contribuir para o desmatamento da Amazônia e citou números do IBGE para argumentar de que a expansão da produção de combustíveis ocorrerá sobre pastagens degradadas.
O papel de garoto-propaganda da energia verde desempenhado por Lula parece ter surdido efeito nos parlamentares estrangeiros, que aprovaram por consenso uma declaração em que exortam seus governos a defenderem o uso de biocombustíveis em um futuro acordo de redução de gases estufa, previsto para entrar em vigor após o término do Protocolo de Quioto, em 2012. O texto final do encontro do Fórum G8 + 5 chega até mesmo a defender que as tarifas de importação de biocombustíveis na Europa e Estados Unidos sejam revisadas. O documento foi aprovado inclusive pelos parlamentares americanos, tradicionalmente defensores do etanol de milho.
Brasil é líder
Segundo o secretário-executivo do Organização de Parlamentares por um Meio Ambiente Equilibrado (Globe International), Adam Mathews, a aprovação de uma declaração sobre biocombustíveis no Fórum do G8+5 foi um reconhecimento à capacidade do Brasil em produzir os carburantes de forma sustentável. “O Brasil demonstrou porquê é líder neste setor”, disse.
O trabalho de convencimento aos estrangeiros de que o País pode produzir etanol sem prejudicar o meio ambiente foi reforçado por uma concorrida palestra do presidente da União da Indústria Canavieira (ÚNICA), Marcos Jank. Segundo ele, as usinas brasileiras de álcool podem assumir o compromisso de que não vão afetar “biomas sensíveis”, no caso a Amazônia e o Pantanal. O empresário garantiu que toda a expansão da cana-de-açúcar ocorrerá em 50 a 70 milhões de hectares de pastagens degradadas. Isso seria possível com o aumento da média de cabeças de gado por hectare no País de 1/ha para 1,4/ha. “Basicamente o que existe hoje é uma monocultura de pastagens no Brasil”, argumentou.
Algumas delegações, notadamente a da Alemanha, que chegaram à Brasília com bastante receio do looby pró-biocombustíveis, saíram do Fórum com uma visão positiva sobre a experiência brasileira. Isso porque em comparação com o etanol de milho americano, o álcool brasileiro de cana de açúcar é muito mais eficiente. Enquanto o combustível daqui pode contribuir com uma redução de 80% a 90% de gases estufa em comparação com um barril de petróleo, o etanol dos EUA consegue no máximo abater 30% das emissões.
O deputado alemão Michael Kauch, porta-voz em Política Ambiental do Partido Democrata-Livre disse a O Eco que o Brasil de fato está conseguindo comprovar que sua produção de biocombustíveis é a mais eficiente do planeta. O problema, no entanto, em aprovar uma declaração que eleve o status dos carburantes verdes a salvadores da mudança climática, é a situação em outros países, principalmente a Indonésia, hoje campeã em desmatamento para o plantio e produção de palma de dendê.
Certificação
O coordenador do setor de Desenvolvimento Sustentável do Banco Mundial. Mark Lundell, tem se dedicado ao estudo dos biocombustíveis e acredita que um sistema internacional de certificação seria capaz de evitar que casos de degradação como o da Indonésia sejam replicados. “Não acho que seria o caso de interromper a produção de biocombustíveis, a certificação vai dar conta de resolver estes problemas”, analisa.
Marcos Jank, da UNICA, também aposta na certificação, crê que ela será o melhor meio de criar um mercado internacional de biocombustíveis. No entanto, ele critica artigos científicos e propostas que apenas estão olhando a cadeia de produção e os impactos indiretos dos biocombustíveis. Ou seja, acha que os estudos estão muito focados em questões de desmatamento e não levam em conta o potencial da matéria prima em reduzir as emissões. “Aceitamos discutir a certificação contanto que ela não dê tanto peso às questões de uso da terra e sim à contribuição do combustível às mudanças do clima”, afirmou Jank
Em seu discurso, Lula afirmou que os biocombustíveis podem ser o “pilar da salvação” dos países em desenvolvimento que dependem da importação de petróleo. Conseguiu angariar opiniões favoráveis. Apenas se espera que tamanho entusiasmo não esconda as contradições da energia verde.
(Gustavo Faleiros,
O Eco, 21/02/2008)