Os Guarani do litoral brasileiro serão hoje os primos pobres dos Guarani de muitos séculos atrás? Donos de imensos territórios, abundância de alimentos e liberdade garantida para migrarem pelo território brasileiro. Atualmente, encontramos em diferentes localidades do sul e sudeste brasileiro grupos Guarani no centro urbano que saem de suas pequenas aldeias, precárias do ponto de vista social em que o artesanato, pouco valorizado pela sociedade não-índia e a roça numa extensão restrita, acabam direcionando-os para o centro da cidade em busca de alimento.
Na verdade, trata-se da luta pela sobrevivência desses indígenas que embora mantendo na memória sua cultura, aceitam serem ignorados quanto a sua dignidade e, sobretudo, sua importância étnica. A sociedade envolvente, embora manifeste muitas vezes sentimento de piedade pouco participa da trajetória complicada que vivem muitos grupos Guarani. A discussão política sobre eles quase sempre termina na idéia equivocada de que há muita terra para poucos índios ou ainda que esses grupos deveriam imitar os brancos na construção capitalista de suas vidas.
Os poucos modelos de aldeia Guarani mostram ao contrário, o valor da religiosidade do grupo com a presença ativa do xamã ou rezador, e priorizam as regras internas onde os laços sociais garantem a saúde de toda aldeia. Portanto, o comportamento urbano, a mendicância, em nada abalam a consciência histórica cultural de que são índios Guarani. É improvável que recorreriam às calçadas dos grandes centros se houvesse abundância de terra fértil em suas aldeias.
O que significa afinal mulheres e crianças Guarani saírem de suas aldeias, retiradas do meio urbano, para oferecerem artesanatos em troca de algumas moedas na confusão da cidade? As moedas que ganham compram alguns lanches para passarem o dia. Mal alimentados retornam ao grupo sem grandes perspectivas econômicas. O convívio com a sociedade envolvente, sem dúvida, é uma estratégia política dos Guarani, no entanto, infelizmente, encontra pouco eco no que diz respeito a projetos que os assegurem em sua vida social.
No Brasil, os programas políticos pouco visualizam as comunidades indígenas, principalmente as aldeadas em pequenos grupos, próximas à sociedade envolvente, como é o caso dos Guarani. Aliás, o governo atual é o que menos demarcou áreas indígenas e concretizou ações aos índios brasileiros. A mendicância é o extremo da pobreza e assistir essa situação em relação aos indígenas parece mais estarrecedor.
Meliá, Bartolomeu (1989) em uma de suas inspirações ao relatar sobre os Guarani escreveu que todo Guarani é um xamã, um profeta e um poeta. Estou certa de que ele jamais aceitaria descrevê-los como mendigos. Em hipótese alguma, em qualquer tempo, qualquer estudioso Guarani os descreveria de tal forma. No entanto, hoje, dependemos de projetos políticos e de um compromisso maior do que os discursos para não vê-los numa realidade miserável.
Quem sabe, um dia, possamos descobrir juntos a terra sem males (Clastres, Helène,1978 ) tão curiosamente buscada por esses grupos Guarani.
(Por Maria Rosa de Miranda Coutinho *,
Adital, 20/02/2008)
* Professora universitária de Sociologia