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direitos indígenas conflito fundiário
2008-02-20
Miranda e Antonio João (MS) – Milhares de indígenas no centro-oeste do Mato Grosso do Sul vivem em acampamentos precários, onde impera a desnutrição, enquanto seus líderes são assassinados. É uma chaga reconhecida por todos, mas cuja solução provoca conflitos aparentemente insuperáveis. “Não estamos contra os indígenas”, mas não se pode ampliar suas terras ”violando o direito de propriedade dos demais”, disse Dácio Queiroz, secretário da Federação da Agricultura, que representa os fazendeiros do Estado, e coordenador da Comissão de Assuntos Agrários.

Os latifundiários, que temem perder seu patrimônio com a demarcação de novas reservas indígenas, “têm títulos de propriedade corretos" que não podem ser anulados diante da “suposta" presença indígena anterior, acrescentou Queiroz, herdeiro de terras adquiridas em 1948 e reclamadas por guaranis em Antonio João, município sul-matogrossense. Para os indígenas, entretanto, a única alternativa de sobrevivência é recobrar suas terras tradicionais, baseados em direitos garantidos pela Constituição de 1988.

A explosão demográfica das ultimas décadas os empurrou para a chamada “retomada”, a ocupação de territórios onde viveram seus antepassados recentes, buscando dessa forma acelerar sua demarcação por parte do governo. As zonas onde foram confinados há décadas ficaram pequenas diante do crescimento das comunidades. Por Zacarias Rodrigues, de 50 anos, quatro filhos e dois netos, decidiu liderar a recuperação da zona histórica de seu povo terena, depois que o mais novo de seus 12 irmãos “ficou sem terra” para plantar, antecipando o destino das novas gerações.

Foram três anos de preparação, de campanha por adesões, até que na madrugada de 28 de novembro de 2005 um grupo de 21 famílias ocupou uma fazenda e instalaram o acampamento ao qual deram o nome de Mãe Terra. “Foi difícil convencer as pessoas em reuniões, seminários, falando de casa em casa”, lembrou Maria Belizário, de 43 anos, três filhos e três netos, outra líder do movimento e que propôs o nome do acampamento. “A terra é mãe, é tudo para nós, e na aldeia onde vivíamos já não havia lugar para nossos filhos”, disse. Seu grupo rompeu a tradição diplomática dos terenas, conhecidos pelo diálogo e adaptação ao cerco da sociedade não-indígena.

Esta comunidade étnica se dividiu diante da ação unilateral da retomada, que é praticada há décadas pelos guaranis, mais numerosos e oprimidos na parte sul do Estado. Foram registrados momentos de tensão. Na segunda noite, disparos feitos por empregados da fazenda aterrorizaram as mulheres que faziam a guarda enquanto seus maridos descansavam do esforço de construir as cabanas, disse Darci Santos, de 43 anos, cinco filhos e dois netos, sendo corroborado por Albertina Fonseca, da mesma idade mas com 11 filhos e oito netos.

O acampamento chegou a ter 120 familias, mas agora restam 68. Muitos desistiram diante da “falta de luz, água e escola”, lamentou Rodrigues. Os que ficaram dependem da água levada por um caminhão-tanque e de alimentos distribuídos pelo governo, para complementar suas plantações limitadas porque a terra continua em litígio. A iniciativa ampliou em 1.297 hectares a área de 2.660 hectares em que vivem seis mil terenas no município de Miranda, no oeste do Mato Grosso do Sul. Mas eles querem mais e reclamam toda a área de Cachoeirinha, identificada por antropólogos como tradicionalmente indígena e que mede 36.288 hectares. Alguns grandes proprietários desistiram de questionar judicialmente a ocupação indígena, embora exijam indenizações por parte do Estado.

Insistência guarani
Os guaranis de Antonio João, na fronteira com o Paraguai, recordam experiências mais duras ainda. Entre seus mártires estão Dorvalino Rocha, morto a tiros em 2005, e Marçal de Souza, assassinado em 1983, depois de ficar conhecido como líder indígena e especialmente pelo forte discurso que fez diante do papa João Paulo II em visita ao Brasil em 1980.

Confiados em 11 hectares cedidos pela prefeitura ou em acampamentos ao longo de estradas, os guaranis do grupo kaiowá protagonizaram quatro retomadas a partir de 1998 para pressionar o governo a reconhecer suas terras ancestrais, mas se retiraram diante de ordens judiciais de reintegração de posse em favor dos fazendeiros. A partir de 1999, após conseguirem acordos com os latifundiários, puderam assentar-se em 26 hectares e em 2006 acampar em outra área de 101 hectares. Mas como tudo é provisório, continuam em cabanas, de madeira e sapé, e sem plantar como desejariam, dependendo do alimento doado pelo governo.

Entretanto, a pressão deu resultado. A Fundação Nacional do Índio (Funai) promoveu dois estudos antropológicos que identificaram uma área de 9.317 hectares, declarada terra guarani pelo Ministério da Justiça e homologada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 23 de março de 2005. Assim foi concluída a formalização administrativa da terra indígena Ñaderu Marangatú (Deus, o grande pai sagrado, em guarani), mas não a batalha judicial. Quatro meses depois o então presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Nelson Jobim, anulou preliminarmente o decreto presidencial, atendendo pedidos dos fazendeiros.

Até agora, dois anos e meio depois, os indígenas esperam uma sentença definitiva do STJ. Mas “é certo que 90% do tribunal reconhecerão nosso direito”, disse, otimista, Hamilton Lopes, um veterano professor, especialista em leis e trâmites das questões indígenas, com experiência em retomadas de outras aldeias guaranis e participação em fóruns internacionais.

Por sua vez, Loretito Vilhalva, “capitão” (administrador) da aldeia, acredita nas provas antropológicas e na credibilidade perdida pelos fazendeiros, com os quais foram apreendidas armas que mantinham ilegalmente em suas propriedades. A ação das autoridades contra os proprietários aconteceu depois de serem denunciados devido à violência praticada por seus empregados, que “dispararam muitas vezes contra o acampamento indígena”, afirmou.

Entretanto, o conflito se prolongará. Embora a disputa judicial seja dirimida, como ocorreu em outras áreas do pais, isso não garantirá a retirada dos latifundiários nem a conformidade dos indígenas. A demarcação de terras indígenas não avança porque obedece a um “processo inconstitucional”, conduzido pela Funai que “incita as invasões de fazendas’, segundo Leôncio Brito, presidente da Comissão de Assuntos Agrários da Confederação Brasileira de Agricultura e Pecuária (CNA). Na opinião deste empresário agropecuário, o governo esquerdista de Lula, que em seu entendimento estimula a natalidade ao oferecer cestas básicas de alimentos, deveria comprar outras terras mais amplas para “acomodar os indígenas”.

Terra sagrada
Mas aqui não se trata de entregar parcelas a camponeses sem terra, em áreas adquiridas ou expropriadas pelo Estado. Os indígenas querem, e a Constituição lhes garante, a posse de “terras tradicionalmente ocupadas” pelos fazendeiros, necessárias para sua “reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições”. São terras sagradas para os indígenas e, em geral, localizadas nos arredores das aldeias onde vivem atualmente.

Nessas áreas, identificadas por antropólogos, perde validade a propriedade particular, ficando vedada a possibilidade de expropriação com indenização, porque já pertencem ao Estado. Apenas se pode indenizar as melhorias e benfeitorias agregadas, explica Rogério Batalha, advogado do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), organização vinculada à Igreja Católica. No Mato Grosso do Sul, por outro lado, essas terras são geralmente propriedades legalmente constituídas, inclusive por estímulo e atos das autoridades em seu momento, com títulos juridicamente sem possibilidade de discussão, também protegidos por direitos constitucionais, aos quais não renunciam os fazendeiros instalados em lugares indicados como indígenas.

Os proprietários estão dispostos de maneira consensual a aceitar mediante uma indenização total, inclusive por terras que não cultivaram, “um acordo para evitar conflitos” e pôr fim à permanente tensão, disse o empresário Queiroz. Os países ricos e suas organizações que dizem apoiar os indígenas “poderiam muito bem enviar os recursos para comprar essas fazendas”, desafiou.

Há três alternativas para superar o beco sem saída jurídico, segundo Batalha. A primeira é uma emenda constitucional permitindo a indenização pelas terras, mas isso é quase impossível de ser aprovado no Congresso porque exige maioria mínima de 60% e um trâmite prévio completo. Além de polêmica, seria muito perigoso aplicar a emenda a realidades distintas, como a Amazônia, onde existem muitos latifúndios ilegais.

Outra maneira é requerer indenizações através do direito civil, responsabilizando o governo pelos erros em promover e aceitar a ocupação de áreas indígenas por fazendeiros e assim legalizar as propriedades. “É um caminho que ninguém quer, pois pode demorar mais de um século”, admitiu o advogado. Por isso, a “única alternativa juridicamente viável” é uma reforma da Constituição do Estado do Mato Grosso do Sul, afirmou. O governo estadual rejeita, naturalmente, assumir o pagamento das indenizações, mas poderia receber recursos nacionais para isso, sem violar a lei fundamental do Brasil, acrescentou.

Tatiana Ujacow, advogada que apóia organizações indígenas e autora do livro intitulado “Direito ao pão novo”, sobre dignidade humana e guaranis, acredita que só a emenda à Constituição nacional assegura uma solução definitiva, porque outras medidas podem ser questionadas, precisamente, por inconstitucionalidade. Por sua vez, a Funai tenta cumprir sua função, embora tardiamente, de demarcar novas terras indígenas em Mato Grosso do Sul.

O plano prevê, neste e no próximo ano, estudos antropológicos nas cinco bacias hidrográficas em que há evidências de mais de 30 áreas tradicionais dos guaranis, segundo Rubem Almeida, um dos seis antropólogos envolvidos no projeto.

(Por Mario Osava, IPS / Envolverde, 20/02/2008)

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