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2008-02-19
Depois de passar mais de 15 anos estudando o comportamento de animais em busca das raízes da cognição humana, o psicólogo Marc Hauser, da Universidade Harvard (EUA), chegou a uma conclusão frustrante: nós somos muito mais inteligentes do que eles.

Parece óbvio, certo? Mas nem tanto. Até agora, a aposta dos cientistas era que as semelhanças evolutivas entre humanos e outras espécies, em especial os chimpanzés, eram tamanhas que traços como a habilidade para linguagem e matemática também estivessem presentes nos animais, e que tudo o que nos separava deles era uma questão de gradação.

Para entender isso, cientistas gastaram anos de trabalho e carreiras inteiras treinando animais como o papagaio Alex (morto em 2007), e o macaco bonobo Kanzi a aprender linguagem humana. Foi uma frustração: o limite de inteligência dos bichos parecia muito baixo.

Hauser diz que esse tipo de pesquisa está mesmo condenado a não dar certo, porque, em apenas 6 milhões de anos de evolução (o tempo em que a linhagem humana tem estado separada da dos chimpanzés), os humanos desenvolveram características únicas e sem paralelo evolutivo. Não adianta procurar por elas em fósseis ou em outros animais. De fato, talvez seja impossível determinar totalmente sua origem. "O buraco entre os humanos e outras espécies ditas "inteligentes", como chimpanzés, golfinhos e elefantes, é muito maior que o que há entre essas espécies e as minhocas", diz o cientista.

Singularidade
Anteontem, durante a Reunião Anual da AAAS (Associação Americana para o Avanço da Ciência), em Boston, Hauser apresentou o que ele chamou de "hipótese da singularidade humana" ("humaniqueness", em inglês). Segundo o cientista, quatro inovações mentais explicam por que humanos fabricam computadores e chimpanzés não -embora ambas as espécies usem ferramentas.

A primeira é que os sistemas de conhecimento humano são integrados e os dos animais não. Os humanos também são únicos em possuir recursividade, a habilidade de encaixar idéias umas nas outras e formar frases infinitas ("João amava Maria, que amava Joaquim" e assim por diante), em converter representações mentais analógicas em símbolos digitais e em separar o pensamento de impulsos sensoriais primários.

"Uma maneira de pensar sobre isso é que todas as espécies possuem uma inteligência de raio laser, dedicada a resolver problemas ecológicos específicos [num laser a luz é altamente concentrada e se propaga em apenas uma direção]. Mas apenas nós desenvolvemos uma inteligência de lâmpada, na qual a capacidade de resolver um problema é usada para lidar com vários outros.

Hauser ilustra a diferença com um exemplo apropriado pelos defensores da inteligência animal: a dança das abelhas, descoberta no meio do século passado pelo austríaco Karl Von Frisch e considerada uma forma de linguagem. "Ela tem propriedades específicas da linguagem: a abelha busca comida, volta e informa à colméia onde está e a que distância está a comida. É uma linguagem simbólica e separada da ação no tempo e no espaço", diz. "O problema é que as abelhas só conversam sobre comida."

Micos dissonantes
Outro exemplo de limitação cognitiva foi dado pelo próprio Hauser e por seus alunos em um estudo com sagüis. Os animais eram colocados em uma gaiola isolada com dois ambientes. Em um deles, uma melodia agradável era tocada; no outro, um som dissonante. Os micos não exibiram preferência especial por nenhum dos dois ambientes -enquanto em humanos a preferência por música consonante é universal.

"Animais têm a capacidade de reagir emocionalmente e têm discriminação de percepção, mas essas habilidades não interagem no cérebro como na cognição humana."

O mesmo raciocínio, diz, vale para o uso de ferramentas. Essa habilidade era considerada um traço distintivo da espécie humana até os anos 1960, quando a primatóloga britânica Jane Goodall viu chimpanzés usando ferramentas na natureza.

De novo, segundo Hauser, diferenças fundamentais existem: ferramentas de bicho são feitas de um só material (dada a incapacidade combinatória deles), servem a um único propósito e são jogadas fora após o uso. "Então, aqui, embora você tenha o que parecem ser tijolos básicos evolutivos do uso de ferramentas em animais, algo se transformou no curso da evolução humana."

(Por Claudio Angelo, Folha de São Paulo, 19/02/2008)




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