Visita de deputados, que tinha o objetivo de identificar os prós e contras da exploração mineral em terras indígenas, acabou se transformando em evento de promoção da atividade. Indígenas reclamam de não terem sido avisados com antecedência da visita e manifestam repúdio ao garimpo e à mineração em suas terras.
Uma comitiva formada pelo presidente, o relator e alguns integrantes da Comissão Especial de Mineração em Terra Indígena da Câmara dos Deputados visitou, no último dia 14, a Terra Indígena Yanomami, em Roraima.
A proposta era avaliar quais os possíveis impactos que, se autorizada, a atividade minerária poderia trazer para as populações indígenas locais. Porém, apesar do objetivo manifesto de “apreender in loco as consequências da exploração de recursos minerais na referida reserva”, a comitiva, guiada pelo Exército, realizou uma visita de poucas horas na terra indígena – que tem 9.664.980 hectares, o dobro do tamanho do Estado do Rio de Janeiro – a duas aldeias próximas às bases do Exército.
Marcada pela falta de comunicação entre os deputados e os indígenas, que ficaram sabendo na véspera que uma comitiva se dirigia à região, a visita enfrentou contratempos. Em Xirimihwiki, na região de Surucucus, onde vivem mais de 2.000 indígenas, a comitiva foi recebida pelo tuxaua e por alguns jovens, pois a maior parte da comunidade havia saído para pescar e caçar.
Segundo Relatório da Hutukara Associação Yanomami (HAY), após a abertura feita pelo General Eliezer Monteiro Filho, comandante da 1ª Brigada de Infantaria da Selva no Estado, o presidente da Comissão Especial, Deputado Édio Lopes (PMDB/RR) explicou que a mineração em terras indígenas era permitida pela Constituição Federal e traria benefícios aos índios, como ajuda em educação e saúde. O tuxaua Paraná, líder da maloca Xirimihwiki, respondeu com a lembrança da morte de muitos Yanomami quando sua terra foi invadida por garimpeiros: “Os Yanomami não querem a mineração porque sabem que ela vai destruir a floresta e os rios”. Diante da posição contrária, o tuxaua teria sido convidado a visitar outros países, como o Canadá, para conhecer como a mineração havia melhorado a vida de outros índios, o que foi rejeitado.
Em outra reunião, a Comitiva foi recebida por aproximadamente 200 Sanuma e Ye'kuana, em Auaris, região habitada por cerca de 2.100 indígenas. A conversa começou com a ponderação do General Monteiro Filho sobre a importância do assunto para os índios. Em seguida, o líder Ye`kuana Marco Antônio declarou que “mineração não é bom porque vai mexer na terra, subsolo para tirar ouro, diamante, cassiterita, ferro, colocar para muito longe os animais, prejudicar os rios e as águas de beber e tomar banho, trazer muitas doenças, mudar o jeito de os índios viverem na floresta. Isto não é bom para nós. O que precisamos é melhorar saúde, educação”.
A viagem inesperada e a falta de organização para discutir um tema de forte impacto sobre a vida das comunidades indígenas contrariou algumas lideranças indígenas. O líder e professor Rezende Sanuma afirma que “a comunidade não sabia, não havia sido consultada se queria receber as autoridades e se queria discutir sobre mineração”. Para ele, a comitiva “estava chegando sem convite da comunidade” e mesmo o Exército não poderia trazer ninguém para conversar com eles sem consultar os indígenas, “pois isso é um desrespeito aos índios”. A HAY, no relatório, menciona também a ausência da Funai e do Ministério Público Federal para acompanhar o debate.
Minério e morteO forte sentimento dos Yanomami contra a exploração mineral é resultado da maciça invasão garimpeira, intensificada no período em que o autor do Projeto de Lei de Mineração, Romero Jucá, foi presidente da Funai, entre maio de 1986 a setembro de 1988. O garimpo levou de 30 a 40 mil garimpeiros a terra indígena e, com a chegada de doenças e a introdução de armas de fogo, causou a morte de centenas de Yanomami.
Em 1993, houve o massacre de Haximu, em que garimpeiros dizimaram 16 Yanomami entre adultos e crianças. Apesar de, atualmente, a terra indígena yanomami estar invadida por cerca de 1.000 garimpeiros, a comitiva não sobrevôou os locais devastados pela ação garimpeira ilegal.
Visita aos Waimiri-AtroariA realização da festa cultural Maryba pelos Waimiri-Atroari frustou a programação da comitiva de visitar a terra indígena para conhecer as conseqüências da exploração mineral e os programas de controle dos impactos ambientais desenvolvidos na região. A visita que não ocorreu estava prevista para o dia 15 de fevereiro, mas não tinha o consentimento dos indígenas. Em nota assinada por quatro membros da comunidade que não participaram do ritual, a comunidade Waimiri-Atroari expressou o seu descontentamento com o imprevisto e o pouco tempo destinado à visita. O texto (veja abaixo) também manifestou o interesse em discutir o assunto de forma adequada.
Os Waimiri Atroari, através de suas lideranças, se manisfetaram sobre a notícia da visita de uma comissão de Deputados Federais a Terra Indígena Waimiri Atroari, para discutirem a possibilidade de mineração em Terras Indígenas. Lamentaram que não houve nenhuma consulta, nem mesmo aviso aos Waimiri Atroari sobre a viagem e sobre os objetivos a serem atingidos.
Os Waimiri Atroari estão em plena atividade cultural – Maryba – onde todos participam e que tem restrições cerimoniais quanto a paralisação dos rituais e afastamento de qualquer membro da comunidade para tratar de assuntos diferentes. Por isto, ao saberem da “visita” dos deputados nesta hora que não poderão participar das discussões, informam que só quatro líderes, que não estão participando dos rituais se disponibilizaram a receber a comissão, na sede do NAWA.
Quanto à discussão de mineração em terras indígenas, assunto de vital importância para todos os índios, demonstraram total insatisfação pela forma encaminhada pela Comissão de Deputados, que pretendem em poucas horas, conhecerem os índios, discutirem as formas de como poderá ocorrer mineração em Terras Indígenas, assunto que exige muito conhecimento e reflexão para quem poderá encaminhar ao legislativo a regulamentação de exploração mineral nas terras indígenas.
Mesmo assim demonstraram estarem prontos para discutirem o assunto, contanto que seja com tempo adequado e com um agendamento que não prejudique suas atividades culturais. Além do que consideram um total desrespeito a eles, um grupo de pessoas, mesmo Deputados Federais, chegar sem aviso em suas terras.
Pela comunidade indígena Waimiri Atroari
MARIO PARWE ATROARI
WAME ATROARI
WARAKASHI ATROARI
SAUÁ ATROARI
Consulta PréviaA Convenção 169 da OIT, que entrou em vigor em 2003, estabelece que os povos indígenas devem ser consultados – mediante procedimentos apropriados e, particularmente, através de suas instituições representativas – cada vez que sejam previstas medidas legislativas ou administrativas que possam afetá-los diretamente.
É esperado, então, que a Comissão Especial organize a consulta prévia sobre o projeto de lei em análise, de forma a atender o disposto na Convenção. Os povos indígenas, por intermédio de suas instituições, devem ser previamente informados sobre o conteúdo da medida legislativa, com ter tempo necessário para avaliá-lo e expressar a sua opinião, que deverá ser considerada.
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ISA, 18/02/2008)