Os efeitos à saúde humana da exposição a campos eletromagnéticos de linhas de transmissão de energia elétrica ainda não são totalmente conhecidos, uma vez que os resultados de estudos científicos sobre o assunto são conflitantes.
Algumas pesquisas apontam que tal exposição poderia causar doenças como distúrbios neurodegenerativos, problemas cardíacos e câncer. A leucemia em crianças é uma das fontes de preocupação, devido ao número de evidências que atribuem, como uma de suas causas, a proximidade das residências de pacientes com as linhas de transmissão.
A polêmica questão foi discutida por especialistas na quinta-feira (14/2) em São Paulo, durante o Workshop Avaliação de Riscos da Exposição a Campos Magnéticos 60 Hz, promovido pelo Projeto EMF-SP (Electromagnetic Fields, na sigla em inglês), desenvolvido pela Associação Brasileira de Compatibilidade Eletromagnética (Abricem) em conjunto com instituições acadêmicas de São Paulo. O evento ocorreu na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP).
“A exposição eletromagnética a 60 Hz, que é o espectro de freqüência utilizado para a transmissão de energia elétrica, gera campos que criam cargas elétricas na superfície do corpo humano, enquanto, ao mesmo tempo, os campos magnéticos penetram e criam correntes internas dentro do organismo”, disse Flavio Barbieri, coordenador do Projeto EMF-SP.
Segundo ele, o sistema elétrico do Estado de São Paulo atende aos limites de radiação eletromagnética adotados pela Comissão Internacional para a Proteção contra Radiação Não-Ionizante (ICNIRP) e recomendados pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Mas estudos conduzidos por pesquisadores vinculados ao Projeto EMF-SP, que é apoiado pelos ministérios da Saúde e de Minas e Energia, poderão subsidiar políticas públicas para a adoção de limites mais restritivos.
“O nosso maior desafio é estudar os tipos de efeitos que esses campos geram dentro do organismo humano, uma vez que seus mecanismos de ação ainda não são bem conhecidos”, afirmou Barbieri.
O problema é potencializado em grandes centros urbanos como São Paulo, que conta com cerca de 900 quilômetros de linhas de transmissão de alta voltagem, sendo que muitas passam a poucos metros das residências, sobretudo em habitações irregulares na periferia.
O professor titular do Departamento de Epidemiologia da Faculdade de Saúde Pública da USP Victor Wünsch Filho apresentou durante o encontro um estudo epidemiológico que está avaliando a associação entre a exposição a campos magnéticos de 60 Hz, considerados de baixa freqüência, e a incidência de leucemia linfocítica aguda (LLA) em crianças.
“Cerca de 20 trabalhos dessa natureza foram realizados em outros países nos últimos 25 anos. O nosso é o primeiro na América do Sul. Precisamos elaborar nossas próprias referências e produzir dados científicos originais devido às particularidades do nosso país”, explicou.
Questionário e medições locais O estudo feito na Faculdade de Saúde Pública, que começou em fevereiro de 2006 e tem conclusão prevista para dezembro deste ano, analisa indivíduos, de até 9 anos de idade, atendidos em oito hospitais de quatro cidades paulistas: São Paulo, Ribeirão Preto, Barretos e Jaú, que, segundo Wünsch, reúnem cerca de 50% dos casos de LLA incidentes no Estado de São Paulo.
O trabalho envolve 200 crianças com a doença, comparadas com cerca de 800 crianças do grupo controle, sem a LLA. Os participantes do estudo respondem a um questionário eletrônico que coleta informações como história migratória da família, características socioeconômicas da criança, histórico de câncer na família e exposição a raio X ou radioterapia da mãe durante a gravidez.
As informações são cruzadas com dados sobre campos magnéticos, após os pesquisadores visitarem as casas dos pacientes para fazer a medição local por meio de dosímetros. As medições são feitas tanto na parte externa como na interna das casas, na qual o dosímetro é colocado debaixo da cama da criança com a doença e lá permanece por 24 horas.
“Quanto maior a exposição das crianças a campos elétricos e magnéticos iguais ou maiores a 0,3 microtesla, maior é a associação com a ocorrência de leucemia linfocítica aguda. Essa associação não é verificada em níveis mais baixos que 0,3 microtesla. Por isso esse é o nível de exposição que nos interessa avaliar no que se refere à prevalência de LLA em crianças”, explicou Wünsch.
“Após medições de três minutos, realizadas na parte externa das residências, dados preliminares indicam que cerca de 15% da amostra de indivíduos controles, até agora analisada, está exposta a campos magnéticos em níveis iguais ou maiores a 0,3 microtesla, nível assinalado como de risco. Mas, como o trabalho ainda está em andamento, essa porcentagem ainda está com seu rigor científico comprometido”, disse Wünsch à Agência FAPESP.
(Por Thiago Romero,
Agência Fapesp, 19/02/2008)