O Brasil possui hoje 26 Regiões Metropolitanas institucionalizadas, somando 390 municípios, o que representa 7% das cidades brasileiras e onde se concentram 39% da população. A impressão, no entanto, é de que a maioria dessas gestões não engrena, sendo que outra parte nem sai do papel, em que pese o incremento de pesquisas analisando o tema e mapeando as carências em muitas dessas regiões.
Tese de doutorado de Maria Abadia da Silva Alves, apresentada no Instituto de Economia da Unicamp, sob orientação do professor Carlos Antônio Brandão, procura avançar nesta discussão, levantando os principais desafios e conflitos na gestão das metrópoles, sejam eles de ordem política, econômica ou institucional. “Eu trato das Regiões Metropolitanas em geral e, em particular, do caso de Campinas”, diz a autora.
O estudo, que começa por aprofundar o conceito de “problemas metropolitanos”, sugere outros arranjos institucionais para combatê-los, sem que precisem ser tratados, obrigatoriamente, no âmbito dos conselhos das redes metropolitanas formais. Seriam arranjos como os comitês de bacias, os pactos territoriais, os consórcios municipais e a contratualização de projetos. O relato de experiências na América do Norte e na Europa serve como parâmetro.
“O senso comum é capaz de identificar prontamente problemas que ultrapassam os limites geográficos dos municípios e que deveriam ser tratados numa escala supramunicipal, como o abastecimento de água, o tratamento de esgoto, o transporte ou a segurança pública. No entanto, há problemas que atingem apenas certas cidades da região, assim como outros que podem extrapolar para as esferas estadual e federal”, observa Maria Abadia Alves.
A economista oferece um exemplo na Região Metropolitana de Campinas (RMC), onde as cidades que registram os índices mais elevados de criminalidade são Campinas, Sumaré e Hortolândia. “A câmara temática de segurança pública está propondo a uniformização não apenas das ações de policiamento, como também das insígnias e das viaturas, além da ampliação da monitoração por câmeras de vídeo para toda a região”, informa Maria Abadia.
A ressalva da professora é de que o problema da insegurança, além de extrapolar a região, deve ser pensado também em termos macroeconômicos, pois envolve aspectos como desigualdade social, emprego, educação e infra-estrutura urbana. “A criminalidade pode estar territorializada – concentrada em certas cidades – mas exige mais do que o aparato metropolitano”.
Ela reconhece que o arranjo formal metropolitano pode implicar maior visibilidade política da região frente às outras escalas de poder, facilitando a captação de recursos federais e estaduais para grandes projetos como de habitação e de obras viárias.
Consórcios
Por outro lado, vários consórcios municipais – que não são necessariamente atrelados às Regiões Metropolitanas – vêm oferecendo bons resultados num âmbito mais restrito. “Morei até o mês passado em Holambra, onde um consórcio com municípios vizinhos como Artur Nogueira, Pedreira e Mogi Mirim melhorou bastante o atendimento à saúde da micro-região”, atesta a autora.
O mundo todo possui experiências de consorciamento de variados tipos, enquanto a lei brasileira regulamentando os consórcios municipais – que prevê a participação da iniciativa privada – foi publicada apenas em 2005. Contudo, o consórcio do ABC, atuando há muitos anos em diversas frentes, já se tornou exemplar e seus gestores são constantemente convidados para conferências pelo país.
“Na Região Metropolitana de Campinas, o problema da água e do tratamento de esgoto é um dos mais importantes, mas os projetos viabilizados nesta área ambiental são na maioria com recursos do Consórcio da Bacia dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí (TCJ). Outro consórcio, este envolvendo a maioria das cidades, deve cuidar do problema do lixo – que se arrasta desde a constituição da RMC – com a construção de uma usina comum”, acrescenta a economista.
Questão de poder
Um dos capítulos da tese de Maria Abadia Alves trata da complexidade da gestão metropolitana, devido principalmente às nuances de um municipalismo exacerbado que sempre predominou no Brasil. “Desde o Império, os municípios detêm um poder muito grande, sendo que na Constituição de 88 eles foram elevados à categoria de entes federativos, tais como os estados da União”, explica.
Na opinião da autora, esse status atribuído aos municípios é uma anomalia, pois em sistemas federativos do mundo inteiro, em geral, existem apenas o governo central e os estados ou províncias. “Quando vários municípios se juntam numa região metropolitana, cada qual procura manter sua parcela de poder, em nome dessa autoridade. Isso é um entrave para a gestão de problemas comuns”.
Sem fundos
Igualmente complexa é a questão do financiamento dos projetos, haja vista que a maioria das instituições metropolitanas adota um fundo composto por recursos orçamentários, em tempos de crise fiscal generalizada. “Como as cidades não têm muito a dar, o fundo é extremamente limitado e tudo que se vá fazer na região depende de outras fontes de recursos, sobretudo do governo estadual, que entra com a metade”.
Maria Abadia lembra que a RMC demorou muito para chegar a uma forma de rateio entre as prefeituras, chegando-se a uma fórmula que relaciona o ICMS arrecadado com o número de habitantes. “Os grandes municípios têm dificuldade em contribuir com uma parcela maior para o fundo, alegando que, então, melhor seria se cada um cuidasse de seus problemas”.
Legitimação
A legitimação do poder metropolitano também se torna difícil, visto que as prioridades e as decisões são definidas de forma indireta. A população tem pouca participação no conselho metropolitano composto pelos prefeitos, quando em outros países as autoridades são eleitas inclusive pelo voto direto. “Na RMC, há um conselho consultivo da sociedade civil, mas as entidades demoraram meses para se cadastrar.
Maria Abadia Alves afirma que o ciclo político contribui para diminuir a legitimidade do poder metropolitano. “Mesmo quando uma gestão começar a engrenar, vêm as eleições municipais, mudam os prefeitos e tudo recomeça. Por vezes, temos o esvaziamento do conselho já na campanha eleitoral”.
Experiências no Primeiro Mundo
A tese de doutorado de Maria Abadia da Silva Alves traz um capítulo inteiro sobre experiências de gestão metropolitana realizadas em países da América do Norte e da Europa, ajudando a enriquecer uma literatura ainda escassa no Brasil. “São exemplos mostrando que os problemas metropolitanos podem ser tratados também por meio de arranjos informais”.
A autora informa que na Grande Madri, por exemplo, não existe mais um governo metropolitano stricto sensu, vigorando agora dois níveis de governo, o regional e o local (dos municípios). Esta simplificação institucional teria levado à agilização das decisões e à implementação destas num ambiente de maior convergência política e ideológica entre os diferentes níveis de governo.
Da França, Maria Abadia destaca a contratualização como um modelo bem-sucedido, que está viabilizando arranjos estáveis e eficientes entre o Estado e as demais esferas administrativas (região, departamento ou comuna). Os contratos estabelecem regras claras – metas, recursos, prazos e atribuições de cada parte – para o desenvolvimento de programas estratégicos para corrigir as desigualdades de condição de vida dos cidadãos.
Londres motivou a criação da primeira instituição metropolitana do mundo (1888), responsável por várias funções do governo da capital inglesa até a década de 1960. Em 1963 foi instituído o Greater London Council (GLC), cobrindo 32 municípios, com conselho eleito pela população. O GLC desempenha funções metropolitanas e define estratégias em habitação, planejamento urbano, trânsito e transportes.
A Região Metropolitana de Stuttgart (RMS) foi institucionalizada no início da década de 90 e representa 179 municípios, com 2,6 milhões de habitantes numa área de 3.600 km2. A criação da RMS teve como principal motivação a transformação da região em um centro catalisador de investimentos tanto dentro da Alemanha como dentro da União Européia.
Ainda no âmbito da Comunidade Européia, a autora menciona na tese os pactos territoriais (PTr), voltados principalmente para a área do emprego. Neste modelo, largamente difundido a partir de 1995, os parceiros sociais definem um conjunto de objetivos na área e seleciona projetos. A Itália, mais que endossar a idéia, criou legislação para garantir os recursos financeiros.
Maria Abadia Alves também oferece detalhes da América do Norte, onde o termo “gestão metropolitana” tem outro caráter, mais técnico e acadêmico do que institucional. Ela fala da fragmentação das instituições locais nos Estados Unidos e, no caso do Canadá, das condições que permitem soluções radicais como a anexação forçada de cidades a metrópoles como Montreal.
(Por Luiz Sugimoto, Jornal da Unicamp, 18/02/2008)