Organizações não-governamentais da “Campanha por um Brasil livre de Transgênicos” protestaram contra o que qualificam de “a pior tragédia” do governo de Luis Inácio Lula da Silva: o cultivo e a comercialização de duas variedades de milho geneticamente modificadas. A decisão de autorizar as variedades Liberty, da empresa alemã Bayer, e MON810, da norte-americana Monsanto, foi tomada na semana passada por sete votos contra quatro no Conselho Nacional de Biosegurança, integrado por 11 ministérios, confirmando, por sua vez, uma decisão de janeiro da Comissão Técnica Nacional de Biosegurança (CTNBIO).
Trata-se da primeira autorização no País para cultivo e comercialização de milho transgênico. O antecedente foi a autorização para a soja e o algodão. A assessoria de imprensa do Ministério da Ciência e Tecnologia, que se converteu de fato em porta-voz da CTNBIO, disse que não estavam em condições de dar declarações a respeito. Limitou-se a lembrar uma entrevista coletiva do ministro na semana que passou. O ministro da Ciência e Tecnologia, Sérgio Rezende, que aprovou a decisão, argumentou no site dessa pasta que os dois tipos de milho autorizados são resistentes a herbicidas e insetos e que são de 30% a 40% mais produtivos.
“É uma nova etapa cumprida no avanço da ciência”, comemorou o ministro ao ressaltar que o fator que determinou a liberação do cultivo de milho transgênico foi a segurança dada pelos estudos enviados à CTNBIO, assegurando que este não é prejudicial ao meio ambiente nem para a saúde humana e animal. Mas, não foi o mesmo dito nos bastidores por outros ministros que integraram o conselho. Embora o voto tenha sido secreto, ficou conhecida a posição de alguns ministros que se manifestaram contra a decisão, revelando uma divisão no governo Lula sobre o assunto.
Os votos favoráveis foram dos ministros da Ciência e Tecnologia, da Agricultura, das Relações Exteriores, do Desenvolvimento, da Defesa, da Justiça e do Gabinete Civil da Presidência. Os ministérios que votaram contra foram os da Saúde, do Meio Ambiente, do Desenvolvimento Agrário e de Agricultura e Pesca. Um comunicado à imprensa divulgado pelo site oficial da CTNBIO confirmou as versões da imprensa, segundo as quais o ministro da Saúde, José Gomes Temporão, pediu mais estudos sobre a possibilidade de as variantes de milho autorizadas serem tóxicas ou causar alergias. Os outros três ministérios que votaram contra o fizeram apenas por razões de ordem jurídica.
Na votação fora analisado os recursos apresentados, respectivamente, pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e pelo Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama), que questionaram a competência legal da CTNBIO para decidir sobre assuntos de segurança de espécies geneticamente modificadas. A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, contrária aos transgênicos, optou por nem mesmo participar da reunião do conselho. “Perdemos outras batalhas com o governo”, disse a ativista Maria José da Costa, do Movimento de Pequenos Agricultores.
"Mas pra nós esta é a maior tragédia do governo Lula”, afirmou. O movimento integra junto a outras organizações, como a Via Campesina, a Campanha por um Brasil Livre de Transgênicos. Esta coalizão enviou uma carta ao ministro da Justiça, Tarso Genro, para se manifestar contra a decisão da comissão, apesar dos recursos apresentados pela Anvisa e pelo Ibama. As duas instituições pediam o cancelamento da autorização dada em janeiro por considerarem, por exemplo, que os dados apresentados não permitiam concluir sobre a segurança para o consumo humano do milho MON810.
O recurso do Ibama, particularmente, afirmava que a decisão deveria ser anulada pelos “numerosos vícios que padece o processo”, entre outros a inexistência de estudos ambientais. Do mesmo modo que a soja transgênica Ropundup Ready, este milho também é resistente a um herbicida e da mesma fora pode criar problemas ambientais e agronômicos, alertou o Ibama. Essa instituição, segundo lembra o comunicado da Campanha, também argumentou que com a liberação do milho transgênico será inevitável a contaminação das variedades crioulas, orgânicas e ecológicas.
A medida representa uma “flagrante e inconstitucional anteposição dos interesses econômicos das empresas sobre a saúde da população, a necessidade de proteção do meio ambiente e dos interesses dos agricultores e consumidores que não querem plantar ou consumir alimentos transgênicos”, disseram os ativistas. Segundo Maria José, considerando os “prejuizos que tiveram os povos” com a soja e outros cultivos transgênicos no Brasil, “os desastres que causará a autorização do milho serão de proporções muito maiores”. Esse produto em particular é parte de uma cultura milenar dos povos latino-americanos e, “nesse sentido, haverá perda de biodiversidade, degeneração e erosão genética muito grande”, alertou.
Maria José acrescentou que as sementes crioulas cultivadas na região por pequenos camponeses e indígenas “correrão o risco de desaparecerem pela contaminação”. Ao contrário da soja, que tem uma “polinização fechada’, o milho se caracteriza por “uma polinização aberta ou cruzada”, isto é, os pequenos grãos “´podem viajar vários quilômetros e contaminar outros tipos de milho a distâncias enormes, levados pelo vento e pelos insetos”, explicou. Além disso, “a soberania alimentar das comunidades camponesas será afetada”, disse a ativista, porque terão de comprar sementes fora da comunidade (eles guardam sementes todos os anos) e pagando direitos às empresas.
A porta-voz camponesa também chamou a atenção para os estudos técnicos apresentados pelo Ministério da Ciência e Tecnologia para autorizar a liberação do milho transgênico. A maioria foi realizada fora do Brasil e sem considerar as particularidades dos diversos ecossistemas deste País, explicou.
(Por Fabiana Frayssinet, IPS, Envolverde, 18/02/2008)