O ministro Patrus Ananias, em entrevista ao Jornal O TEMPO, em 11/02/2008, p. A5, voltou a reafirmar opinião equivocada sobre a Transposição do rio São Francisco. Patrus disse que "defende o projeto de transposição do rio São Francisco com a revitalização cada vez mais vigorosa do rio e de todos seus afluentes." E acrescenta: "Nós temos de levar água para as pessoas que não têm água. O semi-árido do Brasil não tem água e é fundamental levar água para lá para ter agricultura, para o desenvolvimento e para que as pessoas possam viver com dignidade... Acho que a discussão sobre a transposição hoje não tem mais nenhum sentido."
Ouvir isso de um ministro de Estado... Trata-se de opinião oficialesca sem fundamento técnico. Só ilude quem está desinformado ou de mãos amarradas no poder. Não está sendo feita "uma revitalização cada vez mais vigorosa do rio e de todos seus afluentes". As causas que degradam a vida do Velho Chico estão intocadas. Por exemplo, a monocultura do eucalipto continua campeando em Minas Gerais. Já são 5 milhões de hectares de monocultura de eucalipto no Brasil, 52,6% em Minas Gerais (cf. INDI 2003). Só existe cerca de 5% do cerrado natural. O eucalipto, originário da Austrália, é um vampiro das águas. Tem raiz vertical do tamanho da árvore. Chupa as águas superficiais e as mais profundas. Com tronco reto, cascas e folhas finas, suga a água com facilidade e não a retém. O "deserto verde" da monocultura do eucalipto tem causado um êxodo rural violento, a expulsão familiar do campo, além de incontáveis impactos ambientais: a biodiversidade destruída, os solos empobrecidos, rios secos, sem contar a enorme poluição gerada pelas fábricas de celulose que contaminam o ar, as águas e ameaçam a saúde humana. Só do município de Arinos/MG sai, todos os dias, 12 caminhões de carvão; 84 por semana. O BNDS tem 12,5 das ações da Aracruz Celulose e, ao lado de outros bancos "públicos" patrocinam a ampliação da monocultura do eucalipto.
A mineração em Minas Gerais cresceu mais de 400% nos últimos anos. Os licenciamentos ambientais são arranjos de legalidade. O produto que Minas mais exporta é minério que dá uma única safra e com isso está em curso a maior devastação ambiental da história do país. Cadê investimentos pesados em saneamento básico nas 504 cidades da bacia sanfranciscana. O Velho Chico está recebendo, anualmente, 18 milhões de toneladas de areia e terra, o que o deixa cada vez mais assoreado.
Patrus disse: "O semi-árido do Brasil não tem água. nós temos de levar água para as pessoas que não tem água." Eis um grande equívoco. Revela ignorância sobre a realidade do semi-árido. Pior, em nome dos pobres do nordeste, querem levar água para as grandes empresas. Hidrólogos, geólogos e doutores em recursos hídricos informam, com dados sérios, que nos últimos cem anos aconteceu no Nordeste o maior projeto de açudagem do mundo. Há 70 mil açudes no Nordeste, 400 grandes. O semi-árido brasileiro é o mais chuvoso do mundo, cerca de 750 milímetros/ano.
A transposição não é solução para o problema da seca, é a sofisticação da indústria da seca. Tanto que os canais do eixo norte, por onde correrão 71% dos volumes transpostos, passarão longe de alguns sertões menos chuvosos e das áreas de mais elevado risco hídrico. E 87% dessas águas serão para atividades econômicas altamente consumidoras de água, como a fruticultura irrigada, a criação de camarão e a siderurgia, voltadas para a exportação e com seríssimos impactos ambientais e sociais. Estes números são dos EIAs-Rima (Estudos de Impacto Ambiental/Relatório de Impacto sobre o Meio Ambiente), públicos por lei, já que, na internet, o governo só colocou peças publicitárias.
O mais triste e até cruel, é que o governo insiste em chantagear a opinião pública, em especial a dos Estados pretensos beneficiários, com promessas de água farta e fácil, escondendo quem são os verdadeiros destinatários, os detalhes do funcionamento, os custos e os mecanismos de cobrança pelos quais os pequenos usos vão subsidiar os grandes, o que já acontece com a energia elétrica. Os destinos da transposição os EIAs/Rima esclarecem: 70% para irrigação, 26% para uso industrial, 4% para população difusa.
"A discussão sobre transposição não tem mais nenhum sentido", arrematou Patrus. Com esta postura o governo federal quer colocar a Transposição como um fato consumado, enganando e violentando a sociedade brasileira. Depois de amanhã, 14/02/2008, acontecerá no Senado Federal uma Audiência Pública sobre a Transposição. Dom Cappio, a promotora Luciana Koury, o prof. Dr. em hidrologia João Abner Guimarães (da UFRN) e tantos outros estarão lá mostrando a insensatez e a insanidade do projeto. Em fevereiro ainda, durante 4 dias, acontecerá em Sobradinho uma grande Assembléia sobre o rio Francisco. Novas estratégias para a continuidade da luta contra a insana e faraônica transposição estarão sendo planejadas pelo movimento social que tem autoridade para defender um projeto alternativo bem melhor. Queremos água para 44 milhões, não só para 12. Para nove Estados, não apenas quatro; para 1.356 municípios, não apenas para 397. E isto pela metade do preço da Transposição. O Atlas do Nordeste (da ANA - Agência Nacional de Águas) e as iniciativas da ASA - Articulação do Semi-árido - (sociedade civil) que lutam pela construção de 1 milhão de cisternas e a implementação de 144 tipos de tecnologias alternativas, sustentáveis ecologicamente, são muito mais abrangentes e têm finalidade no abastecimento humano. A transposição é econômica, neoliberal. Um camponês do Ceará alerta: "Nenhum projeto faraônico beneficia os pequenos. O que beneficia os pequenos são as pequenas obras multiplicadas aos milhares". Por isso, continuemos a continua!
(Por Frei Gilvander Moreira *,
Adital, 15/02/2008)
* Assessor da Comissão Pastoral da Terra/gilvander@veloxmail.com.br