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gestão de resíduos material reciclável educação e sustentabilidade
2008-02-18
Não é por acaso que os personagens de Luís Fernando Veríssimo, em sua crônica Lixo (do livro O analista de Bagé), revelem os hábitos e personalidades do vizinho ao admitirem que vasculham o lixo um do outro. Todos os dias cada brasileiro produz, em média, cerca de 1kg desses resíduos, que desaparecem no momento que são colocados na porta da rua e que revelam muito sobre nós. Ao menos ao que diz respeito a abstenção de responsabilidade sobre o seu destino. Como lembra o educador ambiental e consultor da Associação Ecológica Ecomarapendi, Eduardo Bernhardt, “a responsabilidade (em relação ao lixo) começa a partir do momento de decisão da compra”.

Especialistas afirmam que ainda há uma deficiência na visão política quando o assunto é tratado pela mídia e que novas medidas serão necessárias para que a população possa ser crítica o suficiente e compreender as principais problemáticas socioambientais, desde a origem até o destino dos resíduos – processo chamado pelo físico teórico e escritor, Fritjof Capra, de pensamento sistêmico. Ações efetivas, como a redução da produção de lixo doméstico, nasceriam a partir dessa compreensão, nesse caso: de onde vem o produto e para onde vai o resíduo.

No Brasil, mais de 200 mil toneladas de lixo são geradas todos os dias, dos quais 76% são lançados a céu aberto e, de acordo com a Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental, uma ínfima parcela de 3% dos municípios cuida de seus resíduos de forma adequada.

E essa prática se estende também aos governos, que não estão sujeitos a medidas legais que os obriguem a destinar, de maneira apropriada, o lixo que geram, a exemplo da implantação de aterros sanitários, ainda insuficientes diante da quantidade de lixões. Nas palavras de Eduardo Bernhardt “a única vantagem que nosso lado otimista pode ver é que no meio dessa confusão, conseguimos definir que o melhor mesmo é a solução dos 3Rs – reduzir, reaproveitar e reciclar. E só.”

A maioria das cidades ainda está conhecendo a coleta seletiva, afirma Bernhardt, para depois pensar se a implanta ou não, com receio de que seja caro demais. Em 2000, apenas 451 municípios realizavam coleta seletiva, segundo dados da Pesquisa Nacional de Saneamento Básico (PNSB), e, mesmo assim, ela não ocorre no município todo. “Se o país adotasse uma Política Nacional de Resíduos Sólidos, ao menos teríamos diretrizes gerais de como encarar o problema do lixo com vistas a resolvê-lo, aumentaríamos os incentivos para a indústria de reciclagem, às cooperativas e catadores, mas, principalmente, poderíamos balizar o caminho com a educação como grande orientadora do processo”, defende Bernhardt. Nesse panorama, a coleta seletiva entra como coadjuvante. “Ela chegou primeiro, mas é a última solução por ordem de racionalidade, praticidade, custo e eficiência”, completa.

As pessoas, no entanto, já começam a olhar o lixo como um problema que podem ajudar a resolver. Segundo o educador ambiental, é uma evolução lenta e silenciosa, mas que está acontecendo. Pouco a pouco as instituições adotam práticas de redução e reaproveitamento. Há muitas iniciativas como o Mesa Brasil, do Serviço Social do Comércio (Sesc), para difundir técnicas de aproveitamento integral de alimentos. Nas escolas municipais de Campinas (SP), muitos professores incentivam a criação de hortas e utilizam os restos das merendas para compostagem e adubo, para reaproveitar a matéria orgânica, que corresponde 60% de todo lixo doméstico produzido. As merendeiras fazem nas escolas, e as crianças levam o exemplo para casa.

Para Oscarlina Scaleante, geógrafa e coordenadora do programa de educação ambiental da Secretaria Municipal de Educação de Campinas (SP), um ensino básico de qualidade é o melhor investimento para resultados surpreendentes. “Educação é a palavra-chave. As escolas têm um papel fundamental na formação do cidadão consciente”, ressalta ela. O programa de educação ambiental em Campinas foi criado em fevereiro de 2007 e já apresenta bons resultados. “Embora as escolas ainda não estejam integradas, a maioria delas já promove ações com foco em educar o aluno para as questões ambientais, como a separação de lixo, pesquisa e trabalhos inseridos nos planos pedagógicos, de acordo com a realidade de cada um”, completa. Scaleante lembra que já existem algumas iniciativas que são voltadas para a população, como o oferecido pelo Departamento de Limpeza Urbana de Campinas (DLU), que propõe visitas aos lixões da cidade, chamado Lixotur. “Esse é um importante trabalho de conscientização já que nos leva à reflexão do quanto ainda precisamos rever nossas práticas”, afirma.

Outro sinal de mudança está presente na questão que envolve o uso de sacolas plásticas e que ilustra bem o uso e reaproveitamento de outros materiais que vão parar na lata do lixo. As prestativas sacolas dos supermercados, bancas de revistas, locadoras de vídeo, padarias e farmácias, já representam 9,7% de todo o lixo doméstico do país e levam cem anos ou mais para se decompor na natureza. São cerca de 210 mil toneladas anuais, ou mais de um bilhão de sacos plásticos, sendo que cerca de 90% deles viram lixo em até 6 meses após a compra e vão parar nos lixões, entupir as redes urbanas de drenagem, ou o leito dos rios.

A busca por alternativas que solucionem, a médio e longo prazo, o descarte do plástico na natureza tem levado entidades públicas e privadas a lançarem campanhas de conscientização do consumidor. Um dos exemplos é a campanha “Eu não sou de plástico”, adotada em agosto de 2007 pela prefeitura de São Paulo, para minimizar o uso das sacolas plásticas. Algumas redes de supermercados também aderiram a campanha, oferecendo sacolas retornáveis aos consumidores, como o faz o Pão de Açúcar e algumas unidades do Carrefour. Um acordo também foi firmado em fevereiro deste ano, entre a indústria do plástico e os supermercados, que estabelece o compromisso de produzir e distribuir sacolas mais resistentes.

No governo paulista, a assembléia discute um projeto de lei que obriga as empresas que produzem e comercializam água mineral, refrigerantes e outras bebidas, a abolir o uso das garrafas plásticas, conhecidas como PET, num prazo de seis anos. Fabricantes de cerveja que passarem a utilizar o plástico antes da medida entrar em vigor terão um ano para se adequarem à lei. Na contra-mão, estão os planos de se comercializar cerveja em embalagens de PET. A única proteção vigente contra essa invasão é uma liminar, resultante de uma ação civil movida pelo procurador da República, Jefferson Aparecido Dias, concedida em 2002, que condiciona a fabricação de cerveja em PET em todo o país a um Estudo do Impacto Ambiental (EIA) e a um Relatório de Impacto Ambiental (Rima). André Vilhena, diretor executivo do Compromisso Empresarial para Reciclagem (Cempre), lamenta o fato e enfatiza que “a indústria brasileira de reciclagem não tem infra-estrutura para suportar a entrada em circulação de uma torrente de embalagens PET”.

“Tudo que consumimos pode ser bem ou mal aproveitado”, lembra o educador ambiental Eduardo Bernhardt. O problema, segundo ele, não é usar, “mas sim o mau uso que se faz”.

Plástico sustentável
Para atender à demanda do público consumidor por materiais ecologicamente corretos, a indústria começou a se mexer e já há sinais de avanços. O plástico oxibiodegradável é uma das novidades disponíveis e, embora ainda desconhecido da grande maioria da população, vem sendo utilizado por mais de 100 empresas no Brasil. O fabricante garante que o material agora leva de seis meses a dois anos para se decompor. A tecnologia foi desenvolvida por uma indústria inglesa chamada Symphony e é distribuída em território nacional pela RES Brasil.

De acordo com Nivaldo Bósio, diretor comercial da RES Brasil, detentora da tecnologia, o oxibiodegradável é aprovado pela Comunidade Européia e pela agência de controle de alimentos e medicamentos norte-americana (FDA) para contato com alimento, mas ainda aguarda aprovação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). A grande vantagem do novo plástico, segundo Bósio, é que “ele aumenta a vida útil dos aterros sanitários pelo seu período curto de decomposição”. Mas ainda restam dúvidas, segundo parecer do Departamento de Controle Ambiental da Secretaria do Verde em São Paulo, sobre a real degradação desse material em termos químicos e bioquímicos. A suspeita é de que o material não atenda aos padrões de certificação internacionais (como os selos da European Bioplastic, BPS do Japão e BPI dos EUA) e que os aditivos contenham metais pesados, com risco de contaminação do solo e dos lençóis freáticos, o que também poderia ser ocasionado pelos resíduos de tintas e pigmentos. Por esse motivo, no ano passado a Secretaria do Meio Ambiente do Estado de São Paulo vetou o projeto de lei que obrigava os comerciantes a utilizarem sacolas plásticas produzidas com compostos oxibiodegradáveis.

“Vivemos um momento de questionamento sobre a longevidade das reservas energéticas e apesar dos plásticos consumirem apenas 4% de toda a demanda atual de petróleo, a preocupação em se buscar fontes renováveis é crescente”, afirma Letícia Mendonça, gerente de especialidades estirênicas da Basf, empresa química produtora do chamado plástico compostável, obtido a partir do milho .

Emplacando ou não, as novas tecnologias precisam de apoio, tendo em vista o poderoso lobby da indústria do petróleo, que sustenta o plástico atual. A prestação de contas das metas sociais e ambientais pelas empresas é uma tendência irreversível. Foi o que apontou a última pesquisa realizada pelo Guia Exame de Sustentabilidade, atualmente o maior levantamento de responsabilidade social do país. A ameaça do aquecimento global elevou definitivamente o tema ao centro do debate público em todo o mundo e já permeia com vigor a esfera corporativa.

Além da necessidade de adequação às normas de certificação ambiental, como as estabelecidas pelo ISO 14001, hoje existem sistemas mensuráveis para quantificação do desempenho das empresas em sua atuação socioambiental. Aspectos ambientais são incorporados às empresas, por exemplo, em sua gestão de risco nas mais diversas áreas do negócio. Uma das mudanças mais emblemáticas é a ligação entre os indicadores relacionados a aspectos ambientais e sociais e a remuneração dos executivos. Essa adoção implica um novo padrão cultural.

Diante desse cenário, as empresas têm adotado políticas sustentáveis para adaptar seus negócios aos novos tempos. Através da reciclagem de plástico e papel, por exemplo, algumas empresas investem na compra de produtos, como remédios e cestas básicas, para os funcionários. Outras conseguem reciclar os resíduos industriais e usar como matéria prima em outras etapas de produção, ou estabelecem metas de redução de consumo de papel. Uma prática que vem se tornando comum é a coleta de óleo de cozinha, que pode ser transformado em biodiesel e, ao mesmo tempo gerar renda para as pessoas que o recolhem. A exemplo do Banco Real, que adotou a medida em 2007 e hoje já contabiliza 500 litros recolhidos por mês.

Mudança de modelo
Projetos de lei que obrigam o comércio a substituir as sacolas de plástico por sacolas de papel já foram votados anteriormente e rejeitados pela Comissão de Economia, Indústria e Comércio, sob o argumento de que a melhor solução é taxar as sacolas e garrafas plásticas, exceto as fabricadas com material reciclado, a fim de desestimular economicamente o seu uso excessivo. Flávio Gordon, arquiteto e presidente da Associação Novo Encanto de Desenvolvimento Ecológico, alerta para os riscos da "plasticomania" que tomou conta da civilização contemporânea nas últimas décadas. “O Brasil tem avançado com a reciclagem, pois ela responde a uma questão econômica”, lembra, “mas além do esforço de mercado, deve haver uma consciência social, afinal, plástico reciclado se transforma... em outro plástico”, acrescenta. Já André Vilhena, diretor executivo do Compromisso Empresarial para Reciclagem (Cempre), acredita que não há motivo para alarde se a indústria do plástico se mantiver nos padrões atuais de produção, pois a reciclagem tem atendido à demanda.

O Conselho do Estado da China declarou guerra oficial contra os sacos plásticos, banindo-os e recuperando as antigas sacolas de pano. As sacolas plásticas não poderão mais ser produzidas ou comercializadas a partir de 1º de junho deste ano, dois meses antes do início das Olimpíadas. Mas há outros exemplos de leis que desencorajam o uso de sacos plásticos, como em partes da África do Sul, Irlanda e Taiwan, onde as autoridades taxam consumidores que usam sacos plásticos ou taxam as companhias que os distribuem; em Bangladesh, vilarejos remotos no Alasca e em São Francisco (EUA), onde eles foram proibidos em supermercados; ou no Reino Unido, onde o consumidor é incentivado a reduzir o consumo das sacolas através de uma bonificação pelo número de vezes que as usam novamente no estabelecimento.

Gordon acredita que “o poder público tem que dar exemplo, fazer separação de seus resíduos e deve incentivar e legislar em favor da redução do consumo”. Sua única ressalva é a de que essas e outras novas medidas são favoráveis ainda num modelo de desenvolvimento insustentável. “Este modelo é que tem que mudar”, conclui.

(Por Juliana Benchimol, Revista ComCiencia, Fev.2008)

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