Entre o verde e o poder, ministra do Meio Ambiente está há 5 anos no cargo e se mantém, apesar das polêmicas
De todos os auxiliares do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a ministra do Meio Ambiente, a petista Marina Silva, é a que mais se equilibra no meio do jogo de forças políticas poderosas e contraditórias que dominam o governo. Ora o confronto é com a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, por causa das obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), como as duas usinas do Rio Madeira, ora o desgaste é com a Agricultura - primeiro com o ex-ministro Roberto Rodrigues, que defendia a liberação de transgênicos, depois, com Reinhold Stephanes e o agronegócio.
No mês passado, o choque foi com ninguém menos do que o “patrão da Esplanada”, o presidente Lula, hoje com uma visão a respeito do meio ambiente muito diversa da que é defendida por Marina e o próprio PT dos tempos em que era oposição e estava longe do Planalto. Quando a ministra divulgou a informação do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) de que o desmatamento na Amazônia havia crescido nos meses de novembro e dezembro, a reação de Lula foi irada. “O que ela está fazendo?! Ficou louca?!”, disse o presidente, segundo relato feito por dois ministros que estavam com ele no momento em que ficou sabendo que Marina convocara uma entrevista para dar a má notícia.
A diferença das reações de Lula, no bastidor do Planalto e em público, dá a medida exata da relação complexa que os dois mantêm. Segundo os ministros que falaram com o Estado, eles nunca viram o presidente tão possesso como naquele final de dia 23 de janeiro, a quarta-feira em que Marina fez o anúncio da aceleração da derrubada da floresta. Dias depois, ao final de um almoço no Itamaraty com o presidente do Timor Leste, o Nobel da Paz Ramos Horta, o presidente se recusou, diante de perguntas insistentes dos jornalistas, a criticar a ministra. Disse que os dados do Inpe eram como um “tumorzinho” anunciado como câncer antes mesmo da biópsia. Ou uma “coceira”. Mas fez questão de acrescentar que “a companheira Marina” não tinha culpa de nada.
No bastidor, Lula ficou irritado com Marina porque, pela manhã, em uma reunião com vários ministros, diante da insistência dela em mostrar-lhe os dados do Inpe a respeito do desmatamento, pedira-lhe calma, até que os números fossem mais bem estudados. Como trabalha na linha do “perco a cabeça, mas não perco o juízo”, Marina avalia que, vez por outra, precisa afrontar os colegas ou contestar diretamente o presidente em nome da sobrevivência política. E foi o que fez naquela quarta: três horas depois de prometer a Lula que nada faria, convocou a entrevista coletiva e fez o anúncio do aumento do desmatamento. Marina ainda daria outra prova da sua autoridade ministerial.
Lula foi obrigado a fazer uma reunião emergencial de parte do ministério no dia seguinte, mas como percebeu que Marina acusaria o agronegócio pela derrubada de árvores na Amazônia, e que Reinhold Stephanes reagiria em nome dos agricultores, proibiu os dois de darem declarações sobre o tema. Não adiantou: Marina provocou, Stephanes retrucou. O governo expôs o racha. Por que, nestas condições de choque permanente, o presidente Lula mantém Marina no governo? Em síntese, no governo e entre aliados no Congresso a explicação está no fato de que o eventual afastamento da ministra atrairia violenta pressão de entidades ligadas à questão ambiental no mundo todo sobre o governo brasileiro, dizem auxiliares. Para um presidente que se incomoda com o atraso em obras do PAC e outros projetos provocado pelas questões ambientais, Marina funciona como uma espécie de hipoteca com a comunidade internacional, o grande ativo do governo do PT para o meio ambiente, afirma um ministro. Ele lembra que Marina é também uma aposta para algum grande prêmio mundial num futuro próximo. Avalia-se dentro do governo que, se Al Gore ganhou o Nobel da Paz por seu trabalho de alerta contra o aquecimento do planeta, Marina também é candidata por sua defesa da Amazônia.
Para o governo, ela tem mais trunfos do que o ex-vice-presidente dos Estados Unidos. Ao contrário de Al Gore, de origem aristocrática, Marina nasceu num seringal no interior do Acre. Cresceu no meio de bichos selvagens, foi alfabetizada aos 15 anos, venceu doenças como hepatite, malária e contaminação do sangue por mercúrio, pelas quais foi desenganada pelos médicos por quatro vezes. É respeitada internacionalmente e, no mês passado, o jornal britânico The Guardian a incluiu numa lista de 50 pessoas que podem salvar o planeta. Foi a única latino-americana a merecer o destaque.
Com uma biografia assim, raciocina o presidente e todo o governo, é provável que Marina receba bem mais do que a homenagem que a Organização das Nações Unidas (ONU) lhe rendeu em abril de 2007, ao lado de Al Gore, por serviços prestados à preservação do meio ambiente. “Hoje, Marina é uma espécie de garantia do Brasil para o mundo. A Europa exige respeito ao meio ambiente. Marina representa essa bandeira”, diz o senador Tião Viana (PT-AC), seu amigo e companheiro de política no Acre. “A ministra tem a confiança da opinião pública. Instintivo, o presidente Lula acha que é preciso mantê-la para ficar bem com todo mundo”, afirma o deputado Fernando Gabeira (PV-RJ), que constantemente dialoga com a ministra.
Marina chegou ao governo de forma silenciosa, com apoio de ONGs e entidades ambientalistas, e venceu por goleada seu principal concorrente, o ex-deputado Tilden Santiago (MG). No governo, avisou ao PT que teria uma vida partidária menos intensa, pois pretendia transformar o Ministério do Meio Ambiente num “ministério de primeira linha” e não de segunda, como julgava que era a pasta nos governos anteriores. De fato, conseguiu. Hoje, mesmo com a perspectiva dos confrontos, e de muitas vezes perder a luta, Marina é convidada a participar de todas as reuniões que envolvem questões ambientais.
Foi derrotada na liberação do plantio e comércio da soja transgênica, logo no início do governo. Chorou, mas decidiu não sair. Ponderou que sua presença era importante para outras causas do meio ambiente e para o Estado do Acre. Política, evitou envolver-se na polêmica da importação de carcaças de pneus, visto que o então ministro da Casa Civil José Dirceu apoiava esse tipo de comércio. Marcou uma posição contra os transgênicos. Na liberação do plantio e comercialização do milho transgênico, na terça passada, disse não. Só isso. Na mesma mesa, Dilma Rousseff disse sim, tendo vencido.
Durante a batalha do governo pela licença ambiental das usinas de Santo Antonio e Jirau, no Rio Madeira, bateu de frente com Dilma. Acabou por ajudar Lula quando lhe prometeu que procuraria dar às obras um toque de respeito ao meio ambiente e que, ao mesmo tempo, acabaria com as resistências às hidrelétricas. Para isso, demitiu seu secretário-executivo, Cláudio Langone, que liderava o grupo contrário às usinas do Madeira, e substituiu-o por João Paulo Capobianco, ligado às ONGs. Dividiu o Ibama em dois e criou o Instituto Chico Mendes de Biodiversidade. Foi agredida com palavras, gestos e atitudes por funcionários do Ibama descontentes com a medida. Resistiu e venceu. O projeto foi aprovado pelo Congresso.
Marina tem quatro filhos. Dois com o primeiro marido, dois com o segundo. Esse último, o técnico agrícola Fábio Vaz, hoje é assessor do governador do Acre, Binho Marques (PT). Antes, Marina o havia empregado no gabinete de seu suplente de senador, Sibá Machado (PT-AC).
Marina nasceu em 1958 no Seringal Bagaço, a cerca de 70 quilômetros de Rio Branco. Aos 15 anos foi levada para a capital, com uma hepatite confundida com malária. Teve a proteção do então bispo do Acre, d. Moacyr Grechi, que a acolheu na casa das irmãs Servas de Maria. Queria ser freira. Analfabeta, foi matriculada no Mobral - o ambicioso projeto de alfabetização do governo militar. Levada à vida política e social pela Igreja Católica, Marina acabou por ter contato com obras marxistas quando entrou na universidade. Ali, entrou para o Partido Revolucionário Comunista (PRC), tendência que se abrigava no PT, sob o comando do deputado José Genoino (SP).
A tendência política não existe mais. Nem a ministra continua marxista. Hoje, além do meio ambiente, Marina dedica-se à Igreja Assembléia de Deus, à qual se converteu depois de ouvir de um pastor palavras que, a seu ver, lhe ajudaram a salvar a vida. “Minha religião é minha fé”, costuma dizer. Não se despede de ninguém sem lhe dizer: “Vá com Deus.”
(Por João Domingos,
O Estado de São Paulo, 17/02/2008)