Na terça-feira passada (12/02), o Conselho Nacional de Biossegurança (CNBS) liberou o plantio e a comercialização de duas variedades de milho transgênico no Brasil - a Guardian, da multinacional americana Monsanto e resistente a insetos, e a Libertlink, da multi alemã Bayer e resistente ao herbicida glufosinato de amônio.
A decisão tinha sido adiada na última reunião do Conselho, em janeiro, porque os ministros pediram um parecer à Advocacia Geral da União (AGU) sobre os recursos da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) pedindo a proibição do milho transgênico.
O Brasil é um país curioso. Entre os Ministérios que votaram contra a liberação constam justamente o da Saúde, o do Meio Ambiente e o do Desenvolvimento Agrário – além do de Aqüicultura e Pesca. Mas foram votos vencidos, diante da aprovação dos ministros da Agricultura, Ciência e Tecnologia, Relações Exteriores, Desenvolvimento, Defesa, Justiça e Casa Civil.
Toda pessoa de bom senso deveria questionar, no mínimo, porque os órgãos máximos no país nas esferas de Saúde e Meio Ambiente são contrários à proposta, quando o time pró alega reiteradamente que os organismos geneticamente modificados são inofensivos ao corpo humano e “extremamente benéficos” à natureza. Os votos favoráveis à liberação do milho transgênico fizeram ouvidos moucos não só aos pareceres do Ibama e da Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Desconheceram os termos da Carta Aberta enviada a eles na véspera da reunião, com 111 signatários do terceiro setor, alguns de grande visibilidade e raio de atuação, como o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) e a Comissão Pastoral da Terra (CPT).
Surpreendentemente, a decisão atropelou até o partido do presidente Lula: assinaram também a Carta Aberta contra a liberação os Núcleos Agrário e de Meio Ambiente da Bancada do PT na Câmara dos Deputados.
Mesmo extratos da população dotados de maior acesso à informação se vêem freqüentemente perdidos diante da avalanche de dados sobre o tema, já que estes são quase sempre contraditórios. Em um lado do ringue, a Campanha “Por um Brasil Livre de Transgênicos” faz acusações que, num país sério, seguramente seriam investigadas. Exemplo: “A Casa Civil, que tem como encarregado do assunto um ex-advogado da Monsanto, nomeou (o ministro da Agricultura, Reinhold) Stephanes relator dos pareceres sobre os recursos de Ibama e Anvisa pedindo a suspensão das decisões da CTNBio que liberaram o plantio comercial das variedades Liberty Link e MON 810”.
A Folha de S. Paulo fez essa denúncia em novembro de 2005: “Beto Ferreira Martins Vasconcelos - funcionário da Casa Civil encarregado de preparar o decreto que regulamentou a Lei de Biossegurança, publicado ontem no Diário Oficial da União - trabalhou por cinco anos como advogado da Monsanto, uma das principais interessadas na abertura do país aos transgênicos”.
Qualquer discurso de validação científica em relação aos transgênicos fica sob suspeição a partir de informações como essa e como a que se segue. Em 16 de agosto de 2007, sete membros da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) decidiram retirar-se da reunião plenária em protesto à “forma sumária de votação e aprovação dos Planos de Monitoramento e de Coexistência entre o milho convencional e o transgênico” – conforme os termos da carta divulgada pelos cientistas em seguida.
"A biossegurança não pode confundir-se com a bandeira explícita de ‘adotar os transgênicos’ no País. Não podemos compartilhar votações que não atendam ao princípio da precaução e aos interesses da sociedade brasileira”, finaliza o grupo, no documento intitulado “A CTNBio necessita debater a biossegurança e não somente pleitos da biotecnologia”. Traduzindo: membros do próprio órgão o acusaram de agir motivado pelo interesse econômico.
A favorDo outro lado do ringue, o setor afeito à transgenia está divulgando um estudo realizado pela Consultoria Céleres para a Abrasem - Associação Brasileira de Sementes e Mudas -, apresentado em São Paulo no dia 29 passado.
À parte do fato do cliente – a Abrasem – ser favorável aos transgênicos, o estudo projetou os dados atuais do cultivo da soja e do algodão geneticamente modificados e concluiu que “a sociedade brasileira terá recebido benefícios sócio-ambientais bastante expressivos até a safra 2016/17”.
Para chegar a essa conclusão, foram considerados o plantio acumulado nesse período de aproximadamente 320 milhões de hectares de soja, dos quais 274 milhões de hectares seriam de soja RR, tolerante a herbicidas à base de glifosato, e de 23 milhões de hectares de algodão, sendo 16,6 milhões de algodão Bollgard, resistente a insetos, os dois tipos de culturas analisados, que estão aprovados e em cultivo no Brasil. Foram ouvidos 93 agricultores de soja em sete estados (MT, MS, GO, MG, BA, PR e RS) e 90 produtores de algodão em cinco estados (MT, MS, GO, MG e BA).
Conforme o estudo, com o plantio da soja transgênica, no período de 10 anos, serão economizados 42,7 bilhões de litros de água, o equivalente ao volume suficiente para abastecer uma cidade de quase 100 mil habitantes ao longo do período; 305 milhões de litros de óleo diesel, combustível suficiente para abastecer uma frota de 127,1 mil veículos (caminhonete tipo S10, por exemplo) em 10 anos, além de uma redução de emissões para a atmosfera de 919 milhões de toneladas de CO2 (dióxido de carbono), ou seja, o mesmo que plantar 6,8 milhões de árvores, quantidade necessária para neutralizar tal liberação, em igual período.
O trabalho apontou ainda a redução do uso de diferentes ingredientes ativos utilizados no cultivo de soja transgênica: a queda desse uso no Brasil, apenas com o plantio da soja RR, será de 35,6 mil toneladas de ingredientes ativos dos diversos tipos de agrotóxicos até 2017.
Já com o cultivo de algodão transgênico, se permitirá uma redução do volume de ingrediente ativo ainda maior que no caso da soja: 41,5 mil toneladas no mesmo período analisado. Além disso – diz o estudo -, serão economizados 13,5 bilhões de litros de água, volume suficiente para abastecer uma cidade de 30 mil habitantes por 10 anos; 77,3 milhões de litros de óleo diesel, ou seja, o equivalente para o abastecimento de uma frota de 32,2 mil veículos pelo mesmo período, além de uma redução de emissões para a atmosfera de 198,67 mil toneladas de CO² (dióxido de carbono), o que representa o plantio de 1,5 milhão de árvores, quantidade necessária para neutralizar tal liberação, em igual período.
“Tanto no caso da soja como no do algodão, a redução do volume de agrotóxicos dispersados no meio ambiente vai trazer, ainda, uma inversão bastante positiva da matriz de agroquímicos utilizada atualmente nas lavouras brasileiras. Haverá uma redução no uso de agroquímicos das classes I e II (os mais agressivos para o meio ambiente e para a saúde do trabalhador) que serão substituídos pelos agroquímicos das classes III e IV (menos agressivos)”.
DireitoLogo após o resultado da reunião que liberou o milho transgênico, o Greenpeace divulgou nota antecipando que vai promover campanha para "alertar a população sobre os riscos desses produtos, além de cobrar das autoridades e empresas o respeito à lei de rotulagem, que exige a identificação de todos os produtos fabricados no país com 1% ou mais de matéria-prima transgênica".
Essa é uma saída paliativa, de autodefesa, digamos assim: exigir do Governo que obrigue as empresas de alimentos a informar o uso de transgênicos, conforme reza uma lei até hoje não devidamente cumprida. Assim, ao consumidor fica garantido pelo menos o direito de escolha, o livre-arbítrio, fundamental numa sociedade que se diz democrática.
(Por Mônica Pinto,
AmbienteBrasil, 14/02/2008)