O fenômeno natural da decoada, como é chamado popularmente, deve começar a ocorrer em março se o nível do Rio Paraguai continuar subindo no ritmo dos últimos dias, de 2 cm a 4 cm ao dia. Ele provoca a deterioração da qualidade da água dos rios e, conseqüentemente, a mortandade de peixes no Pantanal. A informação é da pesquisadora Débora Calheiros, da Embrapa Pantanal (Corumbá-MS), unidade da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), vinculada ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa).
Segundo ela, a decoada ocorre todos os anos, mas a intensidade é variada, pois depende da forma como se comporta o rio Paraguai na seca e na cheia subseqüente. Ocorre com alta magnitude quando há uma seca pronunciada (como foi a de 2007) seguida de uma enchente mais rápida e também pronunciada.
"Temos uma decoada intensa quando o nível do rio Paraguai atinge 3,5 metros (pela régua de Ladário) no começo de fevereiro", explicou Débora. Como neste ano a enchente não está tão intensa, prevê-se que o fenômeno deva ocorrer de forma moderada. Nessa quarta-feira (13/02), o nível do rio estava em 2,80 metros.
A última decoada considerada de magnitude elevada ocorreu em 1995, quando o rio Paraguai teve a terceira maior cheia do século passado. De acordo com Débora, decoadas intensas podem provocar a mortandade de indivíduos de todas as espécies de peixes. Quando a intensidade é menor, algumas espécies apresentam adaptações que conferem maior resistência, como o pacu, por exemplo, que desenvolve um lábio mais grosso na parte inferior da boca para melhorar a eficiência na tomada de oxigênio na superfície durante a decoada.
O fenômeno
A decoada está diretamente relacionada ao regime de cheia e seca dos rios da planície pantaneira. Quando as águas recuam, a vegetação aquática morre e a terrestre, em especial gramíneas, se recompõe de forma rápida.
Durante a enchente subseqüente, segundo Débora, a água passa a cobrir a planície pantaneira deixando esta vegetação submersa. Toda essa matéria orgânica em contato com a água começa a se decompor e, conforme o nível de inundação aumenta, os produtos da decomposição são levados do campo inundado para os lagos (baías), córregos e rios.
Esse processo de decomposição realizado pelas bactérias é tão intenso que é capaz de consumir todo o oxigênio dissolvido na água, liberando o dióxido de carbono livre. O fenômeno dificulta a respiração dos peixes, que sobem à superfície para tentar absorver o oxigênio da interface ar-água ("boquear") e ficam mais expostos aos predadores ou acabam morrendo se não acharem uma área com água em melhores condições.
"Dependendo da intensidade e tempo de duração, o fenômeno pode matar toneladas de peixes", afirmou a pesqusadora.
Apesar disso, Débora explica que a decoada tem um papel ecologicamente importante para o funcionamento do Pantanal. Faz parte do ciclo de renovação da planície relacionado ao ciclo das águas e garante a entrada de nutrientes no sistema. Normalmente a decoada acontece no período de enchente, entre fevereiro e maio. Nesta época as altas temperaturas (média de 32 graus) no Pantanal aceleram o processo de decomposição.
Quando uma frente fria se aproxima, as temperaturas caem por alguns dias e o processo de decomposição desacelera, melhorando a qualidade da água. Em 1995, o Rio Paraguai chegou a ficar dois meses praticamente sem oxigênio em função da decoada.
É difícil prever exatamente onde a decoada vai ocorrer, mas Débora afirma que o fenômeno tende a acontecer a partir do Parque Nacional, na divisa com o Mato Grosso, na região conhecida como Três Bocas.
Normalmente atinge as áreas marginais, campos inundados e baías, em caso de cheias mais localizadas, mas pode atingir o canal principal dos rios, se a inundação for intensa. A Embrapa Pantanal vem acompanhando a decoada de forma sistemática desde 1994.
(Envolverde/Embrapa, 14/02/2008)