O fibrocimento tem sido largamente produzido desde o início do século XX com o advento do processo Hatschek. No Brasil, o fibrocimento é considerado a melhor solução para as habitações destinadas ao segmento da população com menor poder aquisitivo, em razão do seu menor custo frente a outras soluções construtivas convencionais para coberturas.
O fibrocimento em estudo no presente texto pode ser definido como um material à base de cimento ou de um ligante hidráulico, sem agregados e com fibras de reforço distribuídas discretamente pela matriz. Normalmente, no mercado nacional, o fibrocimento envolve o uso de cimento Portland e fibras de amianto como reforço de matrizes em produtos como telhas de cobertura, caixas d'água e placas planas. Entretanto, produtos com fibrocimento sem amianto, reforçados com fibras sintéticas e polpa de celulose, curados ao ar, já podem ser encontrados no mercado brasileiro atualmente. O emprego de fibrocimento sem amianto fica ainda mais evidenciado pela implantação de normas vigentes (no caso de placas corrugadas para cobertura – NBR 15210, partes 1, 2 e 3) ou em fase de elaboração (para placas planas – projeto de norma 18:406.03), da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT).
As principais finalidades de se reforçar a matriz frágil com fibras são o aumento das resistências à tração e ao impacto, a maior capacidade de absorção de energia e a possibilidade de uso no estágio pós-fissurado. O tipo, a distribuição, a relação comprimento-diâmetro e a durabilidade da fibra, assim como o seu grau de aderência com a matriz, determinam o comportamento mecânico do compósito e o desempenho do componente fabricado.
As fibras naturais, como reforço de matrizes frágeis à base de materiais cimentícios, têm despertado grande interesse, por causa de seu baixo custo, disponibilidade, economia de energia e também no que se refere às questões ambientais. Os resíduos gerados pela agroindústria brasileira da fibra vegetal constituem importante fonte de matéria-prima para a produção de componentes construtivos. Esses recursos são abundantes e disponíveis, além de representarem estratégia para o reaproveitamento de resíduos. O emprego dos compósitos em placas, telhas de cobertura e componentes pré-fabricados, pode representar significativa contribuição para o rápido crescimento da infra-estrutura dos países em desenvolvimento. O uso de fibrocimentos que utilizam polpa celulósica como reforço, tem sido consagrado, graças a constantes aperfeiçoamentos de matérias-primas, processos produtivos com consumo racionalizado de energia e custos de investimento cada vez menores (COUTTS, 2005).
Aliados a aplicação de fibras vegetais para o fibrocimento, destacam-se os processos de produção. A extrusão tem-se mostrado como um dos processos com potencial em relação ao método Hatschek (processo usual de fabricação de compósitos de fibrocimento), pelos seguintes aspectos: menor gasto de energia na produção, variedades de geometria de produtos, aplicação do conceito de gradação funcional (functionally graded material – FGM) e menor custo de implantação de linha de produção. Além disso, os compósitos extrudados de fibrocimento podem apresentar melhor desempenho mecânico e durabilidade (SAVASTANO Jr. et al., 2006).
Este artigo sintetiza parte do conhecimento sobre resíduos de fibras vegetais aplicados como matérias-primas para produção de fibrocimentos não convencionais.
Fibras vegetais residuais
O estudo sistemático de fibras vegetais com finalidade de reforço de matrizes começou na Inglaterra em 1970. No Brasil, uma das pesquisas pioneiras coube ao Centro de Pesquisa e Desenvolvimento (Ceped), Camaçari, Bahia, com início em 1980 (AGOPYAN et al., 2005).
Savastano Jr. et al. (1998) analisaram o processo de cultivo, extração, beneficiamento e industrialização de fibras vegetais, tendo em vista a identificação e a quantificação dos resíduos gerados. Algumas fontes foram identificadas: norte do Paraná - regiões produtoras e processadoras de rami (Boemmiria nivea); Vale do Ribeira, SP - produção de banana cultivar nanicão (Musa cavendishii); Aracruz, ES - fábrica de polpa de celulose de eucalipto (Eucalyptus grandis - clones), para produção de papel; Bahia e Paraíba - produção e processamento da fibra de sisal (Agave sisalana); Pernambuco, Sergipe, Ceará e interior de São Paulo - produção de coco (Cocos nucifera) e processamento da fibra extraída do fruto; Valença BA - extração e processamento da fibra de piaçava (Attalea funifera); Pará - regiões produtoras e processadoras de malva (Urena lobata).
Com base em pesquisa de campo, foram pré-selecionados alguns resíduos, em condições de disponibilidade imediata, para uso na construção civil: (a) Bucha de campo do sisal. Grande disponibilidade e pequeno interesse comercial, além de ser alternativa de complementação de renda para os produtores agrícolas. Existe a necessidade da fibra passar por limpeza (peneira cilíndrica - gaiola). (b) Bucha de máquina da produção de baler twine. Fibras isentas de pó residual e produção concentrada em pequeno número de empresas, o que facilita sua utilização. Porém o tratamento utilizado é à base de óleo mineral, podendo afetar as propriedades mecânicas da fibra e a aderência fibra-matriz. (c) Fibrinhas extraídas do pó residual do coco. Valor de mercado reduzido, com grande possibilidade de produção e aproveitamento atual quase nulo. Entretanto necessita de separação do pó (cerca de 50% em massa) e secagem. (d) Rejeito de celulose de eucalipto. Valor de mercado quase nulo e grande disponibilidade. Desvantagem: o pequeno comprimento das fibras, da ordem de 1 a 2 mm. (e) Fibra do pseudocaule da bananeira. Grande disponibilidade, desde que extraída por processos elementares. Possível fonte alternativa de renda, em região de pouco desenvolvimento econômico do estado de São Paulo, e ao mesmo tempo próxima a grandes centros urbanos. A Tabela 1contém as principais informações de interesse a respeito dos resíduos estudados.
Exemplo de aplicação em fibrocimento
Savastano Jr. et al. (1999) desenvolveram telhas de cobertura fabricadas com base no processo da Parry Associates (Reino Unido) para moldagem e adensamento por vibração, com uso intensivo de mão-de-obra (Figura 1). O equipamento constitui-se de uma adaptação de um quadro metálico em mesa vibratória de superfície plana acionada por motor de 2,95 kW e com freqüência de vibração igual a 2200 rpm. As telhas apresentam dimensões de 487 x 263 mm (medidas do molde plano), espessura média entre 9 e 10 mm, formato similar ao das telhas cerâmicas tipo Romana, sendo necessárias 12,5 peças/m 2 de telhado. Após 48 h, as telhas são retiradas dos moldes e submetidas à cura por imersão em água por 14 dias, seguida de cura ao ar em temperatura ambiente.
Durante a moldagem, o compósito é aplicado sobre filme plástico e adensado por vibração, e adquire a forma de placa retangular com a espessura desejada. Podem ser utilizadas colher de pedreiro e espátula, para auxílio na moldagem das placas planas. A seguir, o quadro é levantado e a placa recém-moldada transferida, sobre o filme plástico, para o molde da telha. Segue-se cura em ambiente saturado por pelo menos uma semana.
Foram moldadas duas séries, cada uma delas composta por seis telhas reforçadas com 5% (em massa de cimento) de fibra residual de celulose de Eucalyptus grandis e matriz de pasta de:
• 95% de cimento Portland CPIII-RS com 5% de sílica ativa;
• 88% de escória de alto-forno ativada com 2% de cal hidratada CH-I e 10% de gipsita.
Os resultados dos ensaios mecânicos atenderam à carga mínima de 550 N (85% de 650 N, para telhas saturadas), como sugerido por GRAM & GUT (1994) para as telhas em questão.
Comentários adicionais
Os estudos realizados pela USP mostram a possibilidade de se produzirem materiais de construção a partir de subprodutos que, se não aproveitados, são entulhos que poluem o ambiente (ar, água e solo). O uso desses resíduos permite a economia de matérias-primas convencionais, muitas vezes extraídas da natureza com riscos de degradação ambiental. A construção civil deve estar atenta aos aspectos negativos a ela associados, como o uso de matérias-primas não renováveis, o alto consumo de energia, a geração de entulho e a emissão de gases poluentes. Os problemas associados a materiais convencionalmente usados na construção podem constituir uma boa oportunidade para a proposta responsável de materiais substitutos considerados de maior sustentabilidade.
(Por Holmer Savastano Jr. (holmersj@usp.br) e Sérgio dos Santos (sfsantos@fzea.usp.br), professores da Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos da Universidade de São Paulo (USP).