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aracruz/vcp/fibria silvicultura eucalipto no pampa
2008-02-14
Quando a Votorantin Celulose e Papel (VCP), um dos maiores produtores de celulose do Brasil, decidiu fazer um programa de fomento, na metade sul do Rio Grande do Sul, na qual 70% da população vive da agricultura, pensou em algo que atingisse um grande número de pessoas, trouxesse resultados positivos para a esfera social e ambiental e fosse uma grande oportunidade econômica para o produtor. A idéia foi fazer do plantio de eucalipto um programa de inclusão social e distribuição de renda para o pequeno, médio e grande produtor. A VCP entraria com as mudas, preparo do solo, treinamento, plantio e toda assistência técnica. Ao final do ciclo, garantiria a compra da madeira. Enquanto o produtor, passaria a contar com mais uma atividade econômica.

Para isso, era preciso encontrar um banco que oferecesse uma linha de crédito diferenciada. Ou seja, um banco que atendesse as necessidades do pequeno, médio e grande produtor, além de integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST); ser flexível com a documentação necessária ao crédito, ter taxas de juros mais acessíveis e que além de tudo concordasse em dar sete anos de carência - tempo que leva para a primeira colheita do eucalipto.

Apesar da demanda não convencional, o programa veio de encontro com uma nova filosofia de fazer negócios do Banco Real adotada a partir do ano 2000 quando seu presidente, Fábio Barbosa, alertou a equipe de que apesar do desempenho positivo da instituição financeira, de nada valia ter grandes lucros num país com tantos problemas sociais e ambientais. Na visão de Barbosa, os agentes financeiros poderiam fazer algo a mais pelo desenvolvimento sustentável do Brasil. Um encontro com o economista e banqueiro Muhammad Yunus, ganhador do Prêmio Nobel da Paz 2006 por liderar o programa de microcrédito em Bangladesh, também foi decisivo para que o banco começasse a mudar seus paradigmas financeiros.

Até então, os negócios de um banco funcionavam da seguinte forma: empresa com passivo ambiental era sinônimo de corte de crédito. Isso resultava em falência e desempregos. "Vimos que havia coisas erradas nesse modelo", afirma Linda Murassawa, superintendente de sustentabilidade da área de varejo do Banco Real, durante o evento Diálogos Temáticos Ethos 2008, que debateu o tema finanças sustentáveis, no último dia 31 de janeiro. "Era preciso financiar o empresário para corrigir o seu passivo e quebrar aquele ciclo vicioso, além de ajudar o empresário a pagar suas multas, voltar a ter crédito e se posicionar novamente no mercado".

Segundo Linda, o Real passou a se questionar sobre o fim que levava o dinheiro de seus financiamentos. "Vimos que era preciso questionar se o projeto que estávamos financiando contribui com certas práticas inaceitáveis como o desmatamento da Amazônia, a poluição de mananciais, mão-de-obra escrava ou infantil", reconhece. "Percebemos que a sociedade estava passando por mudanças. Era preciso se adaptar as novas demandas sociais e ambientais."

Com essa mentalidade, foi possível desenvolver um produto diferenciado para atender o projeto Poupança Florestal. Os recursos vieram do Banco Nacional do Desenvolvimento e do Crédito Rural. E, apesar de seguir os 9% de juros ao ano determinados pelo governo, o preço da madeira é corrigido na mesmo proporção dos juros da dívida. Além disso, o produtor não precisa colocar a mão no bolso. No momento da colheita, a VCP paga o valor da divida ao banco e o lucro, que gira hoje em torno de 50%, é repassado ao produtor. Ao interessado em participar do programa, cabe entender o que é o Poupança Florestal, permitir uma vistoria em sua terra, mostrar interesse em legalizar seus documentos, fazer o treinamento oferecido pela VCP e se informar sobre a legislação ambiental.

Cerrinha (RS)
Há 3 anos, José Lucas Caldeira, pequeno agricultor de 62 anos, dono de 170 hectares de terra em Cerrinha, no Rio Grande do Sul, soube por um anúncio de jornal que uma empresa de reflorestamento estava com a proposta de desenvolver um projeto com os agricultores do sul da região. Filho de camponeses, José passou a vida toda trabalhando no campo ao lado de sua esposa e um casal de filhos. Mas as variações climáticas recorrentes nos últimos anos, que prejudicam a colheita e provocam o alto custo de produção e transporte, a falta de crédito no mercado e outras dificuldades comuns ao agricultor familiar fizeram o produtor correr atrás da nova oportunidade. José se cadastrou no programa e em pouco tempo apareceu um representante do programa Poupança Florestal na sua terra.

'A política agrícola está muito ruim para quem trabalha na terra. Mesmo quando a safra é boa, o agricultor enfrenta problemas como atravessadores, conta. "As contas nunca fecham redondas no final do mês. Ao mesmo tempo, os financiamentos se tornaram impossíveis. Nunca sabemos o valor que vamos pagar no final, pois as taxas de juros e correções monetárias estão sempre trocando".

José dedicou 53 hectares da sua terra à plantação de eucalipto. Como exigência do programa, foi preciso garantir que 25% da área ficasse para preservação ambiental. A mata ciliar foi recuperada e uma parte da terra foi destinada às atividades agrícolas para a subsistência da família. A partir do segundo ano, foi possível a introdução da pecuária, o que garante a produção de leite.

A primeira safra será em 2012. No contrato, a VCP garante a compra de 95% da madeira a R$ 18 cada m³. Pelas contas do agricultor, haverá 289m³ de madeira por hectare. Depois de pagar R$ 5 mil ao banco por hectare de eucalipto, sobrará R$ 270 mil líquidos para ele e sua família.

"Para quem vivia no vermelho, é um bom dinheiro. Vejo que estou fazendo uma poupança dentro da minha fazenda", comemora José. "Além disso, houve migração de aves e animais em extinção para dentro da floresta".

Segundo Fausto Camargo, gerente de meio ambiente e fomento florestal da VCP do Rio Grande do Sul, o programa atende atualmente mais de 400 produtores rurais e outros 1000 estão em vias de ingresso. O Poupança Florestal atinge uma área total de 11 mil hectares, em 27 municípios da Metade Sul. Todos esses produtores passaram por um rigoroso treinamento, de três dias, no Centro Regional de Qualificação Profissional de Produtores Rurais de Canguçu (Cetac) da Emater. Eles tiveram aulas práticas e teóricas sobre o manejo e legislação ambiental.

"Os bancos costumam pedir aos produtores a própria terra como garantia. Isso gera muita insegurança ao produtor", explica Fausto, engenheiro ambiental da VCP. A documentação é outro problema encontrado pelos trabalhadores rurais. Na maioria das vezes, as terras não são legalizadas, pois o produtor sequer tem dinheiro para isso. Entraves dessa natureza dificultam ainda mais o acesso ao crédito. "Muitas vezes, o produtor estava com o nome sujo devido a um cheque sem fundo de baixo valor. Em ocasiões como essas, procuramos ajudar o trabalhador para que ele consiga crédito novamente".

Avanços e impasses
Enquanto na década de 1970 o homem acreditou na capacidade infinita da natureza de prover recursos, nos anos 1980, surge a percepção dos limites dos ecossistemas em oferecer serviços ambientais. Nos primeiros anos do século XXI, questões relacionadas ao aquecimento global, escassez de água, perda da biodiversidade e a necessidade da descarbonização dos processos produtivos se tornam o centro de debates. Ao lado de empresas e governos, os bancos passam a serem vistos como agentes indutores do desenvolvimento sustentável e cobrados por uma conduta socialmente responsável. Em resposta, dez bancos internacionais lançaram em 2003 os Princípios do Equador, um conjunto de regras que estabelece critérios mínimos ambientais e sociais que deverão ser atendidos para a concessão de crédito em financiamentos de projetos acima de US$ 50 mil. Hoje esse valor foi revisado e as regras passaram a valer para projetos acima de US$ 10 mil. Cerca de 50 bancos endossaram o compromisso, entre eles Unibanco, Itaú e Bradesco.

No Brasil, algumas iniciativas são consideradas um avanço para o setor. O Unibanco disponibilizou no ano 2000 um serviço de pesquisa para fundos verdes. Em 2001, o Banco Real lançou o fundo Ethical FIA. Em 2004, foi a vez do Itaú colocar no mercado seu Fundo Itaú de Excelência Social. No ano seguinte, a Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) lançou o Índice Bovespa de Sustentabilidade (ISE), composto pelas empresas que apresentam as 150 ações mais líquidas da Bovespa e que possuem as melhores práticas de sustentabilidade. A Serasa, empresa que oferece serviço de análise e informações para decisão de crédito e apoio a negócios, desenvolveu o Relatório de Responsabilidade Ambiental, instrumento analítico que permite mensurar o grau de responsabilidade social das empresas e é usado para embasar as decisões de investidores.

Ainda assim, quando o assunto é sustentabilidade no setor financeiro é preciso olhar se os bancos adotam critérios ambientais e sociais nas concessões de crédito, principal negócio dos bancos. Essa é a opinião de Giovanni Barontini, da Fábrica Éthica, que também participou do Diálogos Temáticos Ethos 2008. 'Não adianta falar que o banco tem programa de proteção a tartarugas ou borboletas. O que interessa é saber qual a composição da cartela de pessoas físicas e jurídicas na concessão de empréstimos, porque esse é o negócio do banco", afirma. "Os bancos deveriam disponibilizar informações a respeito das quantias emprestadas para a siderurgia, para a mineração, para o agronegócio ou para energias renováveis. Mas não conheço um único banco no mundo que faça isso."

Barontini também alertou que os Princípios do Equador garantem que o banco tenha controle sobre projetos acima de U$10 mil, no entanto, para créditos no varejo e pessoas jurídicas não há formas de saber o destino do financiamento.

Lições do Islamismo
Com o aumento dos recursos no Oriente Médio, que tem atraído investidores internacionais, e o crescimento da população muçulmana, que costuma seguir à risca suas tradições, as chamadas finanças islâmicas têm se tornado cada vez mais populares no mundo ocidental. Por se basear nos princípios do Alcorão, livro sagrado que contém o código religioso, moral e político dos muçulmanos, as finanças islâmicas seguem uma série de regras que costumam ser respeitadas pela cultura homônima. Dentro dessa filosofia, dinheiro não pode gerar apenas dinheiro, mas deve ser utilizado para o desenvolvimento humano. As instituições financeiras devem estabelecer relações solidárias e se comportar com parceiras. Juntos, bancos e clientes compartilham lucros e também os riscos.

"Em vez de emprestar dinheiro para a compra de um imóvel, por exemplo, o banco adquire o apartamento e vende diretamente para o cliente", explica Ângela Martins, diretora da área internacional do banco de capital árabe ABC Brasil. "Isso evita os juros abusivos. O banco passa a ser parte do contrato das negociações. Conhecemos com quem estamos tratando, enquanto nas finanças tradicionais, isso não acontece".

Ser parte do contrato e estabelecer uma relação mais próxima com o cliente é saber exatamente para onde vai o dinheiro emprestado. Nas finanças islâmicas não é permitido investir em atividades econômicas que não são consideradas éticas como empresas de bebidas alcoólicas, armas, jogos etc.

"Temos o controle do que estamos financiando. Seria motivo de quebra de contrato se o banco descobrisse que seu dinheiro serviu para atividades imorais. Acredito que nessa medida as finanças islâmicas estão muito próximas das finanças sustentáveis", conclui Ângela.

(Por Giselle Paulino, Instituto Ethos / Envolverde, 14/02/2008)

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