Limoeiro do Norte (CE). Se não tem água da chuva não tem plantação. Assim, o que a natureza não oferece em vida, é a natureza morta do carvão que gera renda para ex-agricultores no Vale do Jaguaribe. Em Limoeiro do Norte, as fornalhas já se confundem com o verde da Caatinga neste período. A lenha é aproveitada do desmatamento de outros produtores que destinam para plantio. Mas, assim como nas inúmeras olarias da região, a lenha “branca”, de extração proibida, ainda é muito utilizada pelos carvoeiros e ceramistas.
Enchendo cerca de 25 sacas por semana, o ex-agricultor Raimundo Eudes obtém cerca de um salário e meio por mês com a fornalha instalada no bairro Bom Nome, em Limoeiro do Norte. Como ele, trabalha outra dezena de carvoeiros. A lenha é obtida em localidades mais afastadas da cidade e em municípios vizinhos.
O metro cúbico da madeira custa, em média, R$ 10,00, que se transforma em carvão, vendido a R$ 6,00 a saca (20% de um metro cúbico de lenha).
“Somente os pedaços maiores a gente vende, os farelos fica pra cozinhar o feijão em casa”, diz seu Raimundo, que recebeu a reportagem assustado: “Tão vindo derrubar é?”. O terreno em que instalou sua fornalha de barro não é de sua propriedade, mas, segundo ele, tem a permissão do dono.
Sustento
Na mesma região encontramos Raimundo Nonato Maia Lima, mais conhecido como “Raimundo Limoeiro”, que no inverno planta feijão e milho, mas durante todo o ano tira a maior parte do sustento queimando lenha e revendendo para as churrascarias da cidade.
Ele compra a madeira em sítios vizinhos e até em São João do Jaguaribe, município próximo. O material vem de carroça ou “do jeito que dá certo”, comenta o carvoeiro.
Denúncia
Mais que carvoarias, a maior demanda por lenha na região jaguaribana é pelas centenas de olarias, espalhadas principalmente pelo município de Russas. As irregularidades são uma constante dessas pequenas indústrias, conforme denunciou reportagem do Diário do Nordeste, de 13 de fevereiro de 2006. Há dois anos foi possível constatar o mesmo que hoje: madeira proibida sendo carregada para a queima, a chamada “lenha branca”.
O resultado é a aceleração do processo de desertificação na região, que já sofre com a utilização irregular da argila retirada de rios e o desmatamento descontrolado para pequenos e grandes plantios.
De todo modo, o ciclo do carvão chega até o cidadão comum: começa na derrubada da madeira e termina assando a carne na fornalha das churrascarias e restaurantes.
SERTÃO CENTRAL
Combustível da natureza
Quixadá. De geração em geração, o carvão produzido a partir da madeira extraída na Caatinga tem sido um importante combustível no dia-a-dia do sertanejo. Em Quixadá e municípios vizinhos, sua principal utilização ocorre na culinária, vira brasa nas centenas de churrasqueiras espalhadas pelos botequins, bares, restaurantes e residências, principalmente das famílias que moram na zona rural, geralmente com baixo poder aquisitivo. O “pretinho”, como é tratado por muitas donas-de-casa, é essencial no auxílio doméstico.
No Assentamento Olivença, uma comunidade rural onde residem mais de 30 famílias, além do carvão, a lenha é indispensável do café-da-manhã ao jantar. A maioria já conta com o fogão a gás, mas com as dificuldades econômicas a matéria-prima natural, abundante até no quintal, é o ingrediente predileto na hora de aprontar a refeição. “A única chateação é a fumaça, mas abanando diretinho logo se espalha no ar”, comenta a agricultora do assentamento, Albaniza do Nascimento, 38 anos.
Para os ambientalistas, o que não agrada é a produção clandestina e a comercialização ilegal desse negro insumo energético na região. O ecologista Osvaldo Andrade, presidente do Instituto de Convivência com o Semi-Árido, avalia que, ao longo das últimas décadas, a exploração irregular tem se elevado. Sem qualquer controle, a mata nativa está sendo dizimada em troca de dinheiro. Além do uso doméstico, muitos utilizam o carvão e a lenha como fonte extra de renda.
O assentado Aluízio Hernandes Rodrigues, 58 anos, é um deles. Garante que produz apenas o suficiente para assegurar o alimento da família no período da estiagem. É como muitos agricultores sobrevivem enquanto as chuvas não chegam. Ele afirma que a madeira é extraída das áreas reservadas para a agricultura, quando brocam a terra para o plantio, pouco antes da quadra invernosa. Ao invés de cinzas, os troncos e galhos são transformados em energia vegetal, ensacados e vendidos na cidade.
Entretanto, ele e muitos agricultores familiares reconhecem a urgente necessidade da aplicação de políticas públicas que controlem o consumo desordenado da flora regional. Apostam no plano de manejo como solução para o problema. A alternativa será apresentada esta semana em sua comunidade pelos técnicos do Incra. Com a assistência diferenciada, poderão continuar extraindo a madeira necessária para a produção de carvão sem mais riscos à natureza.
Essa é a expectativa do líder comunitário Gricério Sousa do Nascimento, 42 anos. Além dele, muitos agricultores familiares esperam que o Ibama e a Semace fiscalizem com mais intensidade as propriedades rurais espalhadas pelo Sertão Central. Apontam que a maioria das irregularidades ocorre nas fazendas particulares. É delas que sai a lenha destinada às olarias, padarias e indústrias. Sem a atuação dos fiscais, Juremas, Sabiás, Marmeleiros, Catingueiras e uma variedade de espécies nativas correm o risco de desaparecer.
FIQUE POR DENTRO
Técnica rudimentar na produção do carvão
É na ´caieira´ ou ´bacural´ que os agricultores transformam a vegetação em carvão. Abrem valas no chão, jogam a madeira, a cobrem com forragem, ateiam fogo e fecham a cova com areia. Pequenas chaminés são abertas para que a fumaça produzida com a combustão saia. Depois de três dias, o carvão está pronto para o consumo. A saca é vendida a R$ 4. Tem utilidade doméstica, no comércio e na indústria.
CARIRI
Cerâmicas lideram uso da lenha
Crato. A desertificação da Área de Proteção Ambiental do Araripe (APA) é maior do que se pode imaginar, conseqüência direta da ação devastadora do ser humano, que, nos últimos 50 anos, fez reinar a lei do machado e da serra elétrica, transformando num cenário de tristeza a maior parte da floresta nativa da região. Os maiores consumidores, segundo dados fornecidos pelo coordenador florestal da Semace, José Menêses Júnior, são as cerâmicas, com 42%, as panificadoras, 39% e as indústrias 26%. O carvão é utilizado no consumo doméstico e nas churrascarias. Somente uma cerâmica da região consome 15 mil toneladas de lenha por ano.
O consumo de lenha das empresas é assustador. O escritório da Semace do Crato tem cadastradas 57 cerâmicas e 53 panificadores, 31 madeireiras, serrarias e similares e 26 indústrias. Estes números estão longe da realidade. Há muitas clandestinas retirando lenha e carvão da Serra do Araripe.
Para evitar o contrabando, o órgão exerce um controle sobre cada uma delas, com “stério”, (unidade de medida) a quantidade de lenha consumida ao mês. O gerente regional da Semace, João Josa, diz que a fiscalização vem sendo intensificada. Ele mostra o resultado do trabalho. Cerca de 350 metros cúbicos de lenha e estacas apreendidos no depósito do escritório do Crato. A Semace apreendeu também um contrabando de umburana, madeira de lei, utilizada na fabricação de artesanato.
Até mesmo as casas de farinha e os engenhos de cana-de-açúcar, que resistem à modernidade, desmatam a natureza. Os lenhadores arrancam tudo o que encontram pela frente, até mesmo as árvores em processo de extinção, como Umbuzeiro, Ipê, Catingueira, Jatobá, Aroeira e a Baraúna, essas duas últimas rigorosamente protegidas pela Lei, por estarem na iminência de desaparecerem por completo.
Segundo Josa, para operar, as empresas obrigatoriamente têm que se cadastrar no órgão, procedimento feito pelo fornecedor a quem elas compram a lenha e que adquire na Semace Autorização para Transporte de Produtos Florestais. A constante procura para diminuir os gastos com combustíveis, oriundos da mata nativa, faz com que os ceramistas da região do Cariri cedem espaço para estudos voltados ao tema, com o intuito de introduzir um novo sistema de alimentação para a queima dos produtos em épocas variadas de acordo com cultura aplicada. Algumas indústrias utilizam fontes alternativas como o coco de babaçu, sobras de madeira, poda de árvores e planos de manejo.
Impacto ambiental
A grande preocupação dos ecologistas é com o impacto ambiental causado pelo corte descontrolado de árvores. Os ambientalistas atribuem a quase extinção da flora caririense ao processo de urbanização e, principalmente, à utilização do carvão vegetal como fonte energética. Grande parte da lenha extraída das matas nativas abastece os fornos das olarias, das panificadoras e indústrias.
As enchentes que hoje castigam o Sul do País, a seca que assola o Nordeste, as tempestades e outros fenômenos naturais são conseqüências diretas do impacto ambiental.
(MELQUÍADES JÚNIOR, ALEX PIMENTEL e ANTÔNIO VICELMO,
Diário do Nordeste, 13/02/2008)