Fortaleza. A fumaça no meio da vegetação indica que ali, longe dos centros urbanos, há mais um trabalho realizado que ocasiona a degradação do meio ambiente. É a produção de carvão vegetal praticada no Interior do Estado que aos poucos adquire proporções avassaladoras na região do semi-árido nordestino. A atividade prejudica o ecossistema ao retirar da natureza plantas nativas e impróprias para a produção do carvão. Ibama e Semace ainda não têm uma estimativa de quantas carvoarias funcionam no Estado. Sabe-se que o setor é formado tanto por empresas legalizadas quanto pelas não licenciadas à atividade. Estas, inclusive, respondem por boa parte dos manejos incorretos.
Com muitos ou poucos fornos, o Interior vai se tornando o responsável pelo aumento do comércio de carvão no Estado. Muitos produtores temem informar sobre a existência das carvoarias em suas propriedades. Há municípios onde é difícil localizar um forno. Somente com a ajuda de pessoas que conhecem muito bem a região para informar o caminho, geralmente por estradas carroçais. Além disso, há relatos de homens armados vigiando as propriedades carvoeiras.
Exploração
Sem querer se identificar, um produtor do município de Paramoti diz que continua a explorar a terra, embora a licença concedida pela Superintendência Estadual do Meio Ambiente (Semace) esteja vencida. Por mais de uma vez o produtor quisera negar a existência do forno e da produção, mas depois confirmou que nos talhões (áreas destinadas para a retirada da lenha para a produção do carvão) há um forno que ainda é utilizado. “A produção continua, mas ainda é muito pouca”, conta.
Na sua propriedade, funciona apenas um forno com produção diária de, em média, 70 sacos de carvão. “Dá para conseguir algum dinheiro”, comenta. De acordo com o produtor de Paramoti, todo o carvão produzido é enviado para as churrascarias de Fortaleza.
Em Canindé, as carvoarias estão espalhadas pelas propriedades rurais. Mas em alguns imóveis, a produção funciona no próprio quintal e sem autorização. Um exemplo é do agricultor Elias Ferreiro Nascimento, que aproveita parte do terreno conseguido com o assentamento para o desmatamento e produção de carvão.
Ainda que seja de forma reduzida, Elias garante carvão a cada dois meses em sua propriedade. “O forno passa três dias queimando e mais três esfriando. Produzo uns 12 sacos de carvão. Mas a minha produção acontece de dois em dois meses. Eu vendo cada saco a R$ 2,00”, conta.
De acordo com ele, produzir carvão se tornou mais uma fonte de renda quando o campo encontra-se saturado.
Assim como o agricultor Elias, muitos pequenos produtores não percebem, entretanto, que, quanto mais se desmata para produzir carvão vegetal, mais o terreno perde qualidade para o período em que ele precisar plantar.
MANEJO SUSTENTÁVEL
Procuradoria solicita dados da atividade
Fortaleza. Para acompanhar os trabalhos realizados pelas carvoarias no Estado, principalmente no que se refere ao manejo sustentável da produção, a procuradora de Justiça e coordenadora do Centro de Apoio do Meio Ambiente do Ministério Público do Estado do Ceará, Sheila Pitombeira, informou que já solicitou da Superintendência Estadual do Meio Ambiente (Semace) um documento em que contenha todos os dados sobre essa atividade. O prazo estipulado seria até o fim do ano passado. No entanto, como informou, a Semace solicitou mais um mês para entregar a documentação. “Caso eles não entreguem, vamos cobrar essas responsabilidades do superintendente”, advertiu.
“Todas essas carvoarias devem ter um planejamento de manejo sustentável da lenha para a produção de carvão, com a finalidade de evitar a degradação do meio ambiente”, diz a procuradora. O documento solicitado, segundo Sheila Pitombeira, deve incluir os processos para o plano de manejo como também a autorização dessas atividades pela Semace. “Depois daí, irei encaminhar os dados para os promotores dos municípios para que eles fiquem cientes desses fatos. O promotor vai poder cobrar e exigir a renovação da licença, quando esta estiver vencida e saber se a regulamentação é cumprida”, esclarece Sheila.
De acordo com a coordenadora, os dados podem ajudar a realizar um trabalho de fiscalização mais eficaz no Interior do Estado do Ceará, mais ainda quando se evidencia danos causados à natureza.
Um dos casos envolvendo carvoarias apontado pela promotora está relacionado ao município de Parambu, distante 408km de Fortaleza, localizados na região dos Inhamuns. “Tínhamos a informação de que o desmatamento estava além do limite especificado pela Semace”, argumenta Sheila. E completa: “uma das queixas que se tem lá é a falta do cumprimento do plano de manejo sustentável, muito importante para esta atividade”.
Sobre a atividade das pequenas carvoarias encontradas nos acostamentos das rodovias federais e estaduais do Ceará, ela espera que estas estejam também inseridas no programa de manejo sustentável.
Observação
“Quero crer que essas pequenas carvoarias aconteçam da mesma forma que as demais. O consumidor deve observar se o produto comercializado está regularizado ou se vem de comércio clandestino, com o produto sem licenciamento. Isso porque muitas pessoas ainda não sabem se essa atividade deve ter um plano de manejo, com uma produção de carvão vegetal de forma consciente”, diz a procuradora. (MV)
ÁREAS DE EXTRAÇÃO
É necessário estudo detalhado
Fortaleza. O principal problema da produção de carvão no Estado está relacionado ao processo de desertificação em que se encontra algumas cidades do Interior. Nas regiões dos Inhamuns e Vale do Jaguaribe, por exemplo, a situação é preocupante. De acordo com a coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente (Prodema) da Universidade Federal do Ceará (UFC), Vládia Pinto Vidal de Oliveira, é preciso que haja um estudo mais detalhado sobre as áreas destinadas para a extração de madeira para a produção de carvão vegetal. “Cada paisagem tem sua vulnerabilidade, suas potencialidades, embora pareçam municípios próximos uns dos outros”.
Segundo avalia, não se pode conceder autorização sem um estudo geral do ecossistema e dos impactos desta atividade extrativista. “Existem municípios no semi-árido que se encontram mais secos. Não se pode generalizar que tudo é semi-árido. Isso depende muito do solo, por ter seu próprio limite. O que está faltando é saber como utilizar a capacidade e dar suporte ao ambiente”, destaca. Outro problema apontado por Vládia é que a diversidade florística diminui e os animais fogem para outras áreas com o desmatamento. “Esse comportamento dos bichos está mudando”, diz.
Conforme a coordenadora, as áreas degradadas não possuem mais as mesmas espécies e, “quando você levanta um dado desse, com critério científico, está dando uma condição diferenciada para cada área a ser utilizada para a extração da lenha e produção do carvão”, diz. Ela explica que, para evitar uma maior degradação do ambiente e promover a extração sustentável, é preciso fazer um estudo integrado, analisando critérios como solo, fauna, flora, periodicidade de chuva e ação do homem.
“A degradação é mais problemática no Ceará do que no Rio Grande do Sul. E lógico que a Caatinga está adaptada para o semi-árido”, completa Vládia. Com o tempo, se levar em consideração a extração desenfreada de madeira e sem política ambiental que promova uma fiscalização na produção de carvão, o fim será a extinção. “Tudo tem sua possibilidade de limite. Não se pode solicitar uma retirada indiscriminada. Tem que haver condições. Não sou totalmente contra o uso da lenha, mas tem que existir o manejo sustentável”, afirma.
Vládia também coordenou o Projeto Waves, em convênio bilateral com a Alemanha, para avaliar a disponibilidade hídrica e sociedade nordestina do semi-árido na cidade de Tauá. “A natureza é integrada. É preciso ter essa percepção para melhor compreender o funcionamento do meio ambiente e verificar como está a dinâmica”, afirma.
(MAURÍCIO VIEIRA,
Diário do Nordeste, 13/02/2008)