O carvão produzido no Ceará intensifica a degradação ambiental e contribui para o processo de desertificação no semi-árido. E, mesmo que haja uma leve redução na produção carvoeira de 2004 a 2006 (0,4%) no Estado, conforme os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o desmatamento continua intenso e a atividade torna-se passível de punição pela Lei de Crimes Ambientais.
Durante uma semana, a equipe do Diário do Nordeste visitou sete municípios, percorrendo mais de 1.400km, para acompanhar a produção de carvão por fazendeiros e agricultores. Em Canindé, Itatira, Paramoti, Santa Quitéria, Parambu, Mombaça e Jaguaretama, a situação é praticamente a mesma: onde há fumaça e lenha, há produção de carvão.
As dificuldades de acesso às carvoarias foram evidentes. Algumas delas temiam a chegada da reportagem achando se tratar de mais uma fiscalização. Um produtor de Itatira, que pediu para não ser identificado, informou que é comum pagar propina para continuar com a produção e o transporte do carvão do Interior até a Capital. Muitas vezes, a reportagem precisou comprovar que não estava a serviço do Ibama ou da Superintendência Estadual do Meio Ambiente (Semace). Só assim era possível garantir acesso, fotos e relatos.
Em Itatira, produtores tentaram esconder o caminhão utilizado para o transporte de carvão quando perceberam a presença do carro da reportagem. Em Santa Quitéria, Canindé e Mombaça, apenas os fornos davam sinal de que a produção de carvão seguia sem interrupções. Em muitos deles, a lenha queimava e os donos não estavam por perto e não havia placa da Semace indicando a prática de algum plano de manejo ambiental sustentável.
Nestes municípios, as carvoarias têm fácil localização. Estão no acostamento das rodovias. Já em Parambu e Jaguaretama, a situação é diferente. As carvoarias funcionam devidamente registradas na Semace, realizando o plano de manejo sob a forma de talhões. Porém, nestas duas, as condições de trabalho dos funcionários são precárias. Jovens de 15 anos e portadores de deficiência física cortam e queimam a lenha, além de auxiliar no estoque do carvão.
Consumo de lenha
Somente nos últimos três anos, o Ceará produziu mais de 36 mil toneladas de carvão, o equivalente a 12 mil toneladas por ano. Associado a esse manejo insustentável, o consumo de lenha por famílias no semi-árido aumenta gradativamente. Segundo o Ministério das Minas e Energia (MME), há um acréscimo de 11% na quantidade de famílias que utilizam a lenha em 10 anos de amostragem, de 1994 a 2004.
Já em relação ao carvão, a queda na produção deste insumo acontece também nacionalmente. Conforme o IBGE, o País registrou em 2006 uma diminuição de 15,7% em relação a 2005. Já o MME aponta uma queda de 3,51% para o mesmo período. Mesmo assim, o consolidado do MME, numa amostragem de 38 anos, segundo o Balanço Energético Nacional, feito pela Empresa de Pesquisa Energética, diz que a produção aumentou mais de 255%, passando de 2,7 milhões para 9,6 milhões de toneladas por ano.
A diferença de resultados entre o Ministério e o IBGE deve-se às diferentes metodologias utilizadas. Conforme a Assessoria de Comunicação do Ministério, esses dados não inviabilizam os divulgados pelo IBGE. “Cada um tem um dado diferente e é do Balanço Energético que o Ministério considera para análise”, informou.
Mesmo assim, o Brasil continua a liderar o ranking mundial na produção de carvão e, por mais que esta atividade tenha índices reduzidos nos últimos três anos, a atividade é responsável pela maior parte do processo de desertificação no semi-árido cearense.
Conforme a secretária do grupo de Coordenação de Estatística Agropecuária do IBGE, Regina Dias, apesar do decréscimo registrado no Ceará, o extrativismo irregular da madeira continua. “Isso quer dizer que, mesmo com esse resultado, a produção é bastante elevada. A situação requer e exige um maior comprometimento governamental, para que a fiscalização seja mais intensa”, diz. Para ela, o Ceará está em situação comparada à do Brasil, por haver apenas uma pequena parcela da produção de carvão realizada em silvicultura (florestas cultivadas).
De 2004 a 2006, a produção de carvão oriunda da extração vegetal no Estado foi de 35.241 toneladas. Já pela silvicultura, que é a extração ecologicamente correta, a produção nesses três anos foi de, apenas, 5.724 toneladas. Uma diferença de mais de 515%.
“Isso significa uma pressão muito grande sobre os recursos naturais”, conta Regina. Conforme o IBGE, Jardim é o único município do Ceará que produz carvão oriundo da silvicultura.
A produção no Estado é realizada tanto por carvoarias licenciadas pela Semace quanto pelas carvoarias sem qualquer tipo de registro e que funcionam na clandestinidade, nos quintais das residências e em acostamentos das rodovias federais e estaduais.
Fiscalização
A Semace reconhece que a fiscalização no setor está comprometida devido ao reduzido número de técnicos. De acordo com o coordenador florestal, José Menêses Júnior, a Superintendência dispõe de, apenas, 52 técnicos para a fiscalização das 132 áreas de manejo florestal autorizadas. “Sem contar com as fiscalizações em parcerias com Ibama e prefeituras. Mas os fiscais ainda são reduzidos”, informa. Apesar de o número de fiscais ser abaixo da necessidade, houve um aumento de 450% em apenas dois anos na quantidade de áreas destinadas ao manejo florestal no Estado. No ano de 2005, eram somente 24 propriedades autorizadas para o manejo. Em 2006, esse número passou para 55 e; em 2007, para 132 áreas que devem ser fiscalizadas constantemente pela Semace no Estado.
Segundo Menêses, as regiões com maior demanda para trabalho de fiscalização referente ao transporte de matéria-prima de origem florestal, incluindo especialmente a lenha para a produção de carvão, são as regiões Metropolitana, Cariri e Norte, além de Limoeiro do Norte, no Vale do Jaguaribe.
FIQUE POR DENTRO
Brasil é maior produtor mundial do insumo
O carvão vegetal é produzido a partir da lenha pelo processo de carbonização ou pirólise. Ao contrário do que aconteceu nos países industrializados, no Brasil, o uso industrial do carvão vegetal continua sendo largamente praticado. O País é o maior produtor mundial desse insumo energético. No setor industrial (quase 85% do consumo), o ferro-gusa, aço e ferro-ligas são os principais consumidores do carvão de lenha, que funciona como redutor e energético ao mesmo tempo. O setor residencial consome cerca de 9%, seguido pelo setor comercial com 1,5%, representado por pizzarias, padarias e churrascarias. O poder calorífico inferior médio do carvão é de 7.365 kcal/kg. O teor de material volátil varia de 20% a 35%; o carbono fixo varia de 65% a 80% e as cinzas (material inorgânico) de 1% a 3%. A carbonização de lenha é praticada de forma tradicional em fornos de alvenaria com ciclos de aquecimento e resfriamento que duram até vários dias. A temperatura máxima média de carbonização é de 500°C. A atividade carvoeira tem sido associada com condições desumanas de trabalho. Esta realidade deve ser modificada, com emprego de novas tecnologias, uma indústria limpa e realmente sustentável e renovável.
(MAURÍCIO VIEIRA,
Diário do Nordeste, 13/02/2008)