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desmatamento da amazônia passivos do agronegócio
2008-02-13

Ao presenciar o embate verbal entre os ministros Marina Silva (Meio Ambiente) e Reinhold Stephanes (Agricultura) durante a reunião de cúpula que analisou na semana passada o aumento do desmatamento na Amazônia, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva avisou: "Não é hora de acusar ninguém". O mais provável é que a intenção presidencial tenha sido simplesmente a de acalmar os ânimos da discussão, mas parte da mídia já se apropriou das palavras de Lula, dando a elas significado de severa advertência à Marina. O pecado da ministra foi apontar a expansão da pecuária e da soja como o principal fator de aumento do desmatamento no segundo semestre do ano passado, além de exigir um compromisso dos grandes produtores rurais para reverter essa expansão.


Não sei qual teor quis dar a sua advertência o presidente, mas peço licença para apresentar aqui minha discordância. Acho que, se o governo federal não quiser perder as rédeas da luta contra o desmatamento na Amazônia, é hora, sim, de "acusar" alguém. É hora de exigir que um setor da sociedade brasileira, o chamado agronegócio, que jamais deixou de exercer pressão sobre a floresta sempre que isso lhe foi vantajoso, assuma responsabilidades públicas junto à sociedade brasileira para evitar a destruição do maior patrimônio ambiental de nosso país.

No dia 15 de janeiro, o ministro Stephanes anunciou exultante que a balança comercial do agronegócio fechou o ano de 2007 com o saldo recorde de US$ 49,7 bilhões (resultado da diferença entre US$ 58,4 bilhões em exportações e US$ 8,7 bilhões em importações). O aumento do preço internacional de algumas commodities agrícolas, destacou o ministro, foi fundamental para esse brilhante desempenho. Em primeiro lugar, a soja, que contribuiu com US$ 11,4 bilhões nas vendas externas. Logo atrás, as carnes, sobretudo a bovina, com US$ 11,3 bilhões em vendas.

Em meio ao clima de euforia causado no governo pelos três anos consecutivos de redução do desmatamento, algumas organizações ambientalistas alertavam que o aumento do preço da soja e da carne ainda em 2006 fatalmente se traduziria em novo ciclo de devastação em 2007. Dito e feito. Nesse sentido, os números das exportações apresentados pelo Ministério da Agricultura e os dados da destruição da floresta captados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) são desgraçadamente complementares.

O ministro disse à imprensa que a área plantada com soja no país foi reduzida nos últimos dois anos e garantiu que não é esta a cultura que ameaça o bioma amazônico. Parafraseando Elio Gaspari, eu diria que o ministro está subestimando a inteligência da patuléia. Até o mais singelo uirapuru da floresta já sabe que a soja nunca é a primeira a entrar em cena neste ciclo de destruição. Primeiro, vem a exploração da madeira em si, depois o gado, em seguida uma outra cultura para "acertar o terreno" e, aí sim, a soja com suas máquinas. Por mais que se fechem os olhos, não há como negar que as grandes empresas do agronegócio estão por trás de todo esse processo de devastação.

Reinhold Stephanes é do PMDB, mas ocupa um ministério que, desde a nomeação de Roberto Rodrigues (PP) em 2003, sempre pertenceu politicamente à bancada ruralista do Congresso Nacional. O rei da soja no Brasil também é aliado do governo. Trata-se de Blairo Maggi, governador do Mato Grosso e dono do império industrial Maggi, não necessariamente nessa ordem. Segundo os dados do Inpe, o PR, partido do qual Maggi é presidente de honra, governa um quarto das 36 cidades apontadas pelos satélites do Inpe como campeãs do desmatamento da Amazônia.

São esses aliados que Lula deve chamar agora ao compromisso público com toda a Nação, com toda a sociedade brasileira, pela preservação da Amazônia!

Nas mãos de pouquíssimas famílias, o agronegócio sempre foi um dos setores que mais se beneficiou do poder público. Exporta quase tudo o que produz. Quando obtém lucros, fica com eles. Quando tem perdas, sempre as empurra para os cofres públicos. Os financiamentos de safras são infinitos e, quando alguma coisa não sai como o desejado, lá estão os caminhões fechando as rodovias e os tratores invadindo a Esplanada dos Ministérios. Pelo que se sabe nos rincões desse país, poucos benefícios ao povo trouxeram os senhores do agronegócio. Sem falar naqueles "patrões" que são chegados a "contratar" um trabalho escravo.

Será que os 98% restantes do povo brasileiro são favoráveis a que esses senhores do agronegócio destruam a Amazônia para manter seus lucros?

O governo voltou a falar agora em cortar os financiamentos que Banco do Brasil, BNDES, Caixa Econômica Federal e outras instituições públicas concedem aos proprietários que desmatam. Mas, ora bolas, isso já não deveria ter sido feito há muito tempo? Essa discussão existe desde o primeiro dia do governo Lula, mas parece não ter avançado muito. O governo deveria abrir essa discussão e revelar quais são os interesses que impedem o andamento dessas soluções.

Outro problema que segue sem solução política é a linha de ação do Banco da Amazônia que continua concedendo crédito para plantio de soja e até mesmo para a construção de frigoríficos na região! Como evitar o desmatamento se o que se faz é incentivar com dinheiro público as principais atividades que ameaçam a floresta?

O agronegócio é um dos pilares da economia brasileira, e nada indica que Lula vá tirá-lo do trono que ocupa em nossa estrutura social desde que o Brasil "se modernizou". Ainda assim, nesses tempos em que se discute o aquecimento global e suas conseqüências, seria interessante para o governo e didático para o povo expor as coisas como elas realmente são no que se refere ao desmatamento da Amazônia.

Fazer isso é apontar claramente os setores da sociedade brasileira responsáveis pela derrubada incessante de árvores em nossa maior floresta, nosso maior patrimônio natural. É hora de acusar alguém, como o fez de forma muito oportuna a ministra Marina Silva.

(Por Maurício Thuswohl *, Adital, 12/02/2008)
* Jornalista da Carta Maior


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