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desmatamento da amazônia passivos do agronegócio
2008-02-13
O agronegócio brasileiro voltou à berlinda recentemente, a partir do anúncio dos dados que indicaram aumento nos índices de desmatamento na Amazônia. A ministra Marina Silva, do Meio Ambiente, por exemplo, não hesitou em atribuir à valorização da soja e da carne no mercado internacional como fator que contribuiu decisivamente para essa péssima notícia. Sobre este e outros temas, fomos ouvir a versão do setor produtivo, nesse caso representado pela Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil – CNA -, entidade que agrega 2.114 sindicatos rurais e 1.078 extensões de base. Esses sindicatos são representados por 27 federações estaduais.

Confira a entrevista com Rodrigo Justus de Brito, assessor técnico da CNA para as Áreas de Meio Ambiente e da Amazônia Legal.

Como a CNA lida com modos de produção distintos, inclusive no conceito, como os cultivos orgânicos e os transgênicos?
Rodrigo Justus de Brito - A CNA, como representante do sistema sindical, trabalha em todas as áreas da produção agropecuária com base nos seguintes pilares: qualidade, produtividade e legalidade. Não existe por parte desta instituição uma preferência pelos alimentos produzidos no sistema intensivo ou orgânico. O mesmo se aplica em relação à agricultura ou pecuária transgênica ou convencional.
É claro que existem as preferências de mercado. Porém, a CNA defende, em primeiro plano, que todos os produtos de origem animal ou vegetal, independentemente do seu cultivo (orgânico ou não), ou de quais cultivares ou variedades, a partir da qual sejam produzidas (transgênicas ou através do melhoramento genético convencional), deverão ser saudáveis ao consumidor e estejam de acordo com as normas de segurança ambiental à sua produção e ao produtor.
O mercado de produtos transgênicos tem alto potencial de crescimento. Porém, não podemos esquecer que os seus preços são diferenciados. Se hoje a população brasileira possui, em geral, farta disponibilidade na mesa, parte disso vem dos baixos custos gerados a partir da produção em escala, da qual nosso país se consolidou como um dos lideres mundiais na produção de alimentos. Nem todos os brasileiros, por exemplo, poderiam optar pelo consumo de produtos orgânicos. O frango orgânico – disponível em SP – custa entre R$ 13 e R$ 16 o quilo, enquanto que o frango oriundo da avicultura tradicional tem seu preço em torno de R$ 3/Kg. Os demais alimentos orgânicos também possuem um sobrepreço em relação aos produzidos em grande escala, em geral de 30 a 50%, sendo este um mercado promissor, com bom potencial e que tende a crescer nos próximos anos.

Os incentivos do Governo ao cultivo de biocombustíveis vão realmente diminuir investimentos agrícolas em alimentos, preocupação já expressa por várias entidades e até pela ONU?
Rodrigo - Não acredito que esses incentivos irão reduzir os investimentos na produção de alimentos. É claro que, em regiões próximas a usinas de álcool, a relação entre demanda e de preços da matéria prima, poderá haver a conversão de áreas tradicionalmente ocupadas pela produção de alimentos em cultivo da cana-de-açúcar. Mas, em relação a isso, lembremos que o excesso de oferta de cana irá derrubar seus preços. Está em andamento, sob a coordenação da Embrapa, com acompanhamento da Conabio (Comissão Nacional de Biodiversidade, ligada ao Ministério do Meio Ambiente), a elaboração do Zoneamento voltado aos biocombustíveis. Esse zoneamento, com previsão de finalização dos estudos para o mês de julho deste ano, balizará os futuros investimentos nesse setor, considerando as potencialidades e restrições sob o ponto de vista climático, produtividade, logística de produção, transporte e outros fatores a serem contextualizados.
A preocupação da ONU e de várias entidades de que haveria a supressão da produção de alimentos não possui fundamentos relevantes. O Brasil possui no seu território (de aproximadamente 850 milhões de hectares) em torno de 400 milhões de hectares de áreas abertas. Tudo isso que o país produz, no que se refere à agricultura, é produzido em, aproximadamente, 50 milhões de hectares, dos quais a cana-de-açúcar ocupa mais ou menos 7 milhões ha. As terras, ocupadas pela pecuária, as subutilizadas e degradadas, perfazem um total em torno de 220 milhões de hectares. Ou seja: além da necessidade de se maximizar a produtividade pecuária (aumentar a produção por unidade de área), sem ao mesmo tempo, diminuir essa produção, é possível ao mesmo tempo a reincorporação de áreas que se encontram sob uso pecuário, e as degradadas e subutilizadas ao processo produtivo, inclusive direcionando-as à produção dos biocombustíveis. Isso tudo sem derrubar um hectare de floresta amazônica, que é uma das preocupações mundiais sobre o tema.

O entusiasmo do Governo Federal em relação aos plantios de biocombustíveis se estendeu ao setor?
Rodrigo - Na verdade, não se sabe exatamente se foi o entusiasmo do setor que se estendeu ao governo ou vice-versa. Mas o fato é que o Brasil pode se consolidar como líder mundial na produção de alimentos e biocombustíveis ao mesmo tempo. Novas tecnologias estão aí aflorando, dia a dia, e não podemos perder o timming. O país já poderia estar, se não tivesse abandonado o PROALCOOL, em posição mais vantajosa ainda nesse sentido. Mas, somos o país que possui o maior estoque de terras aráveis do mundo, mesmo respeitando todos os limites de utilização da terra e dos biomas, nos termos da legislação brasileira, e esse eventual tempo perdido irá ser recuperado com a utilização de novas tecnologias disponíveis, no que se refere, por exemplo, à maior produtividade, eficiência energética, produção limpa, integração das cadeias produtivas e matriz energética.
O que a CNA também está estudando, e iniciando as discussões com os todos os setores ligados à produção agropecuária, incluída a área dos biocombustíveis, é que a produção sustentável é uma exigência dos mercados internacionais, e, portanto, a construção de uma agenda socioambiental, para cada atividade, é requisito para a não imposição de novas barreiras comerciais e outros incômodos que poderão atingir o setor. De que adianta produzirmos algo e não termos para quem vender?

O setor agropecuário vem sendo rotineiramente acusado de promover o desmatamento, sobretudo para o cultivo de soja. O que o senhor acha dessa acusação?
Rodrigo - Quanto à soja, essa cultura, na Amazônia, representa menos de 1% da sua área total. Considerando-se que as áreas abertas, na Amazônia – em torno de 70 milhões de hectares no total (Amazônia Legal), a soja não pode ser considerada a grande vilã no que se refere ao desmatamento na Amazônia, em que pesem as afirmações de que a mesma estaria “empurrando” a pecuária para a região Norte.
O fato é que as atividades agropecuárias, por falta de ordenamento territorial precisam de um referencial para fins de regularização das áreas já consolidadas. Falta para a Amazônia um projeto. E, esse projeto deveria partir de um ZEE - Zoneamento Ecológico Econômico, o qual, até agora, não saiu do papel. Enquanto isso, assistimos à exploração, muitas vezes desordenada, dos recursos naturais.
Outra questão pouco levada em consideração é o fato de que o governo, que é proprietário de 75% de todas as terras da Amazônia, não toma as providências necessárias para a efetiva destinação, guarda, posse, conservação e gestão desse patrimônio. Também não regulariza as posses e ocupações, pela deficiência de estrutura, nas áreas fundiária e ambiental, não implementando um Zoneamento Ecológico Econômico, o que traria uma base de planejamento para uma melhor ocupação do território e gestão desses recursos.
Os assentamentos rurais têm sua parcela de responsabilidade sobre os desmatamentos na Amazônia. Estes, por exemplo, somam um total de 42 milhões de hectares - na Amazônia - de um total de 70 milhões de hectares no país todo. Do que estão vivendo essas pessoas que se encontram, literalmente, favelizadas nessas zonas rurais? É lamentável essa situação. O posicionamento do presidente do INCRA diverge de estudos, realizados por institutos de pesquisa e organizações não governamentais. Ele tem declarado que, desde 2006, o desmatamento nos assentamentos caiu 51,2%; e que prova disso é que aumentou-se o número de famílias, e o número de áreas assentadas na Amazônia Legal e, mesmo assim, o desmatamento caiu. Os dados mostram o contrário. Por falta de alternativa econômica e de sustentabilidade, estão os assentados lançados à própria sorte.
A indústria do ferro gusa também contribui ativamente para o desmatamento. Levantamento do próprio Ibama demonstra que apenas 1% do carvão que movimenta o maior pólo siderúrgico do pais – Carajás – possui origem legalizada.
Ou seja, é preciso uma política multi-setorial para tentar organizar a exploração e ocupação dos recursos naturais da Amazônia, inclusive os florestais, de modo a não ser prejudicada a maioria dos produtores brasileiros, os quais respeitam a legislação, gerando empregos e renda, advinda boa parte dela a partir das exportações. A imagem negativa internacional sobre esse tema com certeza irá prejudicar o povo brasileiro, através de barreiras comerciais e outras que poderão ser impostas, além, é claro, da perda da oportunidade de darmos o melhor destino a esses preciosos recursos.

(Por Fernanda Machado (*) e Mônica Pinto, AmbienteBrasil, 11/02/2008)
* Correspondente em Brasília (DF).

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