Entrevista: Guido Bertucci, diretor da Divisão de Administração Pública e Gestão de Desenvolvimento das Nações Unidas
Diretor da Divisão de Administração Pública e Gestão de Desenvolvimento das Nações Unidas, em Nova York, Guido Bertucci participou ontem do lançamento da Conferência Mundial de Cidades.
Italiano radicado nos EUA, Bertucci é responsável pelo Programa das Nações Unidas sobre Administração Pública, Finanças e Desenvolvimento, que promove experiências de políticas públicas eficientes.
Ontem, antes de iniciar a entrevista coletiva em que era uma das estrelas, Bertucci falou a Zero Hora. Ao longo de 30 minutos, estimulou a participação popular nos rumos dos governos, enfatizou a importância da descentralização, celebrou o Orçamento Participativo, pregou a transparência nas contas públicas e defendeu o conceito de "reinvenção das cidades". Entre exemplos de sucesso, citou a experiência de Nova York.
- Em cidades enormes, como em Nova York, quase 60% dos serviços sociais como escolas e centros destinados a sem-teto, por exemplo, são proporcionados pela Igreja Católica e pela sociedade - disse Bertucci, pós-graduado em Administração na Universidade Católica de Milão.
A seguir, os principais trechos da entrevista:
Zero Hora - Como a Organização das Nações Unidas (ONU) qualifica a importância da conferência em Porto Alegre?
Guido Bertucci - É um evento muito importante porque temos visto que a maioria da população do mundo está concentrada em cidades. Ao mesmo tempo em que as cidades oferecem grandes oportunidades para os cidadãos, a pobreza urbana aumenta e as cidades têm dificuldades de governabilidade muito complexas. Aqui vamos discutir como as cidades podem governar de uma maneira que fomente o desenvolvimento sustentável. E também nas experiências de reinvenção dos governos em curso no mundo, os processos de descentralização são importantes.
ZH - Como conciliar gestão pública eficiente e responsável nos municípios com necessidades cada vez maiores de investimentos em áreas essenciais?
Bertucci - É muito difícil, mas é possível fazendo uma administração muito mais eficiente e compartilhando os desafios com os cidadãos. Há muitas administrações onde não se sabe exatamente como são feitos os gastos públicos. É importante compartilhar com os cidadãos, com a gente, quais são os desafios e os problemas. Muitas vezes os cidadãos pagam impostos, mas não sabem o que recebem em troca desses impostos. Na cidade de Otavalo, no Equador, que é muito pequena, com cerca de 50 mil habitantes, há uma decisão de que todas as grandes obras serão financiadas 40% pelo orçamento da cidade e 60% pela cidadania. Se vai ser construída uma escola, o governo põe 40% e cidadãos do bairro colocam 60%. A relação entre o que paga o cidadão e o que recebe tem de ser muito mais direta.
ZH - Quais os principais empecilhos para uma administração pública de qualidade no mundo contemporâneo?
Bertucci - A vontade política é importantíssima. A decisão dos recursos públicos depende dos políticos. É importante a capacitação para utilizar a tecnologia disponível e aprender a inovar.
ZH - Por que tem diminuído a confiança em instituições?
Bertucci - O processo democrático é muito importante, mas tem apenas o momento da eleição em que o cidadão participa. O cidadão vota e, depois do voto, não tem mais oportunidade. A decisão fica com as classes políticas. É necessário acercar os cidadãos dos processos decisórios. A transparência também é importantíssima.
ZH - O senhor defende princípios como descentralização, governabilidade eletrônica e transparência. Como está Porto Alegre nesse contexto?
Bertucci - Muito bem. A experiência exitosa do Orçamento Participativo foi compartilhada com outros países. A utilização da internet é importantíssima.
(Zero Hora, 13/02/2008)