Por José Maria da Silveira*
A liberação de três variedades de milho transgênico é o tema de uma segunda reunião do Conselho Nacional de Biossegurança (CNBS), formado por 11 ministros, no dia 12 de fevereiro. O Conselho ainda não tomou uma posição final, mas há defensores do argumento ligeiro de que o Brasil deva seguir o exemplo da França, cujo governo, apoiado em um relatório da recém-criada Alta Autoridade Francesa para Organismos Geneticamente Modificados (OGM), decidiu por uma moratória temporária ao milho geneticamente modificado (milho Bt) e solicitou salvaguardas à União Européia para a sua não-utilização na França.
Os argumentos contidos no relatório e a decisão tomada pelo governo geraram fortes manifestações por parte dos mais variados setores da sociedade civil francesa. Até políticos partidários do presidente Nicolas Sarkozy e membros do parlamento posicionaram-se contrários às medidas propostas, consideradas como de caráter meramente político.
A fragilidade do relatório manifesta-se por não trazer nenhum fato relevante que justifique proibir o cultivo de variedades resistentes a insetos que é feito na Europa desde 1998. Limita-se a repetir as velhas críticas de impactos do milho Bt, dentre elas o efeito sobre populações de borboletas artificialmente obrigadas a se alimentar de seu pólen e de que afetaria populações de minhocas em seus campos. São os mesmos argumentos amplamente repetidos pelos opositores da biotecnologia na França, e são também idênticos aos levantados atualmente no Brasil para sustentar barreiras contra a utilização do milho Bt.
Ao omitir-se de mencionar os pontos favoráveis do cultivo do milho GM, o relatório gerou uma discordância na própria Comissão que elaborou o relatório - 12 dos 15 cientistas que dele participaram discordaram com veemência de suas conclusões. Os especialistas em socioeconomia da comissão teceram várias críticas à forma como o documento foi apresentado, apontando que o relatório inicial não continha as palavras "sérias dúvidas" e "negativo" no que diz respeito às mais recentes evidências científicas sobre os OGMs.
Além disso, até mesmo o Painel sobre OGMs da Autoridade Européia de Segurança Alimentar (EFSA) concluiu, em sua reunião no último mês de novembro, que "não há novas provas científicas que contradigam as conclusões do Painel sobre OGMs da EFSA sobre a segurança do cultivo de milho Bt na União Européia". O estudo do Consórcio Europeu ECOGEN aponta na mesma direção.
O milho transgênico é uma necessidade para uma agricultura competitiva como a brasileira. Tecnologia é a única arma eficiente contra alta de preços e o milho GM contribui para reduzir custos da agricultura. Ainda mais importante, reduz o uso de inseticidas. Como já é de conhecimento geral, o milho Bt expressa a toxina de uma bactéria utilizada em sistemas de controle integrado de pragas e agricultura orgânica há mais de 60 anos, contribuindo com mais opções tecnológicas ambientalmente desejáveis. Para a saúde pública, a redução do uso de pesticidas tem enorme impacto ao diminuir os acidentes provocados pelo produto no campo e, com isso, os problemas de internação hospitalar. Como bônus, comprova-se que milhos transgênicos têm de 90% a 95% menos teor de micotoxinas, evitando problemas no armazenamento dos produtos e seus efeitos sobre a cadeia produtiva de carnes.
O CNBS certamente não deve imitar o exemplo francês. Há muitas coisas interessantes que podem ser imitadas na França, sua cultura, culinária e organização. Todavia, aos que usam o argumento de que a proibição do milho transgênico Bt não tem relação com interesses econômicos e sim com a preservação ambiental, cabe refletir melhor. Por um lado, tudo indica que a posição francesa também seja motivada por interesses econômicos que só sua estrutura de subsídios pode explicar. Por outro, cabe lembrar que os efeitos benéficos do milho Bt sobre o ambiente e a saúde humana são tão evidentes que justificam o empenho por sua liberação e para fazer cumprir as tarefas requeridas por seu adequado manejo, visando uma agricultura moderna, eficiente e sustentável.
* José Maria da Silveira é professor do Instituto de Economia da Universidade de Campinas (Unicamp) e membro do Conselho de Informações sobre Biotecnologia (CIB).
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Porkworld/Jornal de Brasília, 11/02/2008)