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cnbs ctnbio
2008-02-12
Por Marco Antonio Raupp, presidente da SBPC

Nesta terça-feira (12/02), sob a presidência da ministra Dilma Rousseff, reúne-se o Conselho Nacional de Biossegurança (CNBS), para apreciar recursos da Anvisa e do Ibama contra decisões da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio). É importante que se reafirme para a sociedade civil a qualidade científica e tecnológica dos membros da CTNBio. São nomes da mais alta relevância, reconhecidos nacional e internacionalmente pela excelência da pesquisa que desenvolvem, muitos deles propostos pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). Esses cientistas se dedicam a avaliar as solicitações encaminhadas às quatro áreas de atuação da comissão: ambiental, vegetal e saúde humana e animal. Trata-se de trabalho constante e dedicado, que muitas vezes acaba sendo questionado não pelo mérito da decisão, mas pela falta de informação ou por razões ideológicas. Recentemente, o ministro de Ciência e Tecnologia, Sérgio Rezende, fez um balanço muito positivo dos trabalhos da CTNBio no último biênio. Esse trabalho, no entanto, vem sendo sistematicamente contestado por organizações não-governamentais (ONGs), principalmente quanto às liberações comerciais, e o próprio ministro destacou que o governo acompanha os numerosos recursos judiciais interpostos contra algumas decisões da CTNBio. A mais recente envolve o milho, contestado pelas ONGs e agora por setores do governo ligados aos Ministérios da Saúde e do Meio Ambiente.

O milho é uma das mais importantes fontes de alimento no mundo. Na cadeia produtiva de suínos e aves se consomem de 70% a 80% do milho brasileiro. O Brasil é o terceiro maior produtor mundial, com produção de aproximadamente 35 milhões de toneladas (em 2005), atrás somente dos EUA (282 milhões de toneladas) e da China (139 milhões). No País é plantado em duas safras e cultivado em quase todo o território nacional - 92% da produção se concentra nas Regiões Sul (47%), Sudeste (21%) e Centro-Oeste (24%).

Nos últimos anos, os insetos da ordem Lepidoptera (lagartas) se têm tornado pragas limitantes na cultura do milho no País, com danos de até 34% na produção desse grão. Com o aumento da área cultivada na chamada safrinha (3 milhões de hectares) o problema se agravou. Em algumas áreas são necessárias dezenas de pulverizações com inseticidas num único ciclo da cultura. O Brasil é o terceiro maior consumidor de defensivos agrícolas do mundo. Temos, hoje, 142 agrotóxicos registrados para milho, 107 só para lagartas. Já existem vários casos de resistência pelo uso constante e indiscriminado de inseticidas na cultura do milho no País. Além disso, um dos fatores que mais afetam a saúde dos agricultores no Brasil é o uso de defensivos agrícolas, altamente agressivos, responsáveis pela intoxicação de 1 milhão de pessoas anualmente, além do lixo tóxico resultante do descarte das embalagens.

Um dos produtos aprovados pela CTNBio é o milho modificado para resistir ao ataque das lagartas. Esse milho transgênico, cultivado e comercializado na União Européia e em mais 13 países - Argentina (desde 1998), Austrália, Canadá, China, Japão, Coréia do Sul, Filipinas, México, África do Sul, Suíça, Taiwan, Uruguai e EUA (neste último, desde 1995) -, expressa uma proteína responsável, especificamente, pela morte das lagartas, sem efeito tóxico para outros insetos, como abelhas, besouros ou joaninhas. Essa proteína é idêntica à encontrada em bactérias do solo que são pulverizadas nas culturas há mais de 40 anos, técnica amplamente utilizada pelos agricultores orgânicos. Outro processo em discussão é o do milho que ganhou um gene que o torna resistente a herbicida produzido por uma bactéria de solo, permitindo a eliminação de plantas daninhas com menor agressão ao solo no processo de aragem, além de outras vantagens. É importante ressaltar que nenhuma dessas variedades causou dano algum ao meio ambiente, aos animais ou aos seres humanos. No Brasil, exaustivos experimentos controlados no campo provaram sua inocuidade para o ambiente.

Somando os aumentos na renda de todos os agricultores que adotaram um dos seis principais cultivos transgênicos, o ganho mundial em dez anos foi de US$ 26,85 bilhões. O total de ganho em cada país variou de acordo com o número de cultivos e com a taxa de adoção da nova tecnologia. Os EUA foram o país que obteve maior ganho, quase US$ 13 bilhões em dez anos, e a Argentina, US$ 5,5 bilhões. A nossa participação no ganho mundial foi de apenas 5% e se deve ao fato de o País produzir, em grande escala, apenas soja tolerante a herbicidas.

Em ganhos ambientais se prevê que, em dez anos, a adoção do plantio de soja transgênica economizará 42,7 bilhões de litros de água, 300 milhões de litros de óleo diesel, com redução de emissões para a atmosfera de aproximadamente 1 bilhão de toneladas de dióxido de carbono, o equivalente a plantar 6,8 milhões de árvores. Para algodão e soja se estima uma redução de uso de mais de 77 mil toneladas de agrotóxicos. A nossa indústria é a mais prejudicada com o ingresso de sementes piratas, em razão da demora na adoção de sementes transgênicas.

Apelamos ao CNBS que não dê provimento aos recursos interpostos, reconhecendo que existe uma lei aprovada pelo Congresso Nacional (Lei 11.105/05) que atribui somente à CTNBio a responsabilidade de deliberação sobre organismos transgênicos e seus derivados. Anvisa e Ibama são órgãos de fiscalização, e não elaboradores de políticas de Estado.

Parte da cultura contra os transgênicos tem raízes obscurantistas e está causando muitos danos à ciência e à economia brasileiras, bem como ao meio ambiente, pelo uso indiscriminado de defensivos agrícolas. A sociedade tem de se posicionar de forma esclarecida, sem emoções, levando em consideração a qualidade técnico-científica do parecer e a credibilidade desses brasileiros que se dispõem a trabalhar para manter a rigidez de critérios na emissão de laudos fundamentados em ciência, não em crenças.

(Por Marco Antonio Raupp, presidente da SBPC, O Estado de São Paulo, 10/02)

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