Zero Hora mostra, no terceiro e último dia da série sobre contrabando de agrotóxicos, o risco de o produtor se envolver com grupos criminosos organizados
Ao abrir a porteira para o vendedor de agrotóxicos contrabandeados, o agricultor pode estar recepcionando uma cadeia criminosa mais perigosa do que imagina. Investigações das polícias Civil e Federal (PF) sobre venda ilegal de defensivos mostram que a atividade atrai quadrilhas cada vez mais organizadas. Contam com apoio de agrônomos, técnicos agrícolas e donos de agropecuárias responsáveis pelo contato com o produtor, mas são compostas também por pessoas envolvidas em outros crimes - entre eles o tráfico de drogas.
Uma história ilustra como o agricultor pode se arriscar ao negociar defensivos ilegais. O homem apontado por policiais gaúchos e catarinenses como chefe de um esquema de distribuição de defensivos contrabandeados nos Estados do Sul foi preso em flagrante por tráfico de droga.
Ricardo Alexandre da Costa, 30 anos, havia sido detido pela Polícia Federal em 25 de outubro do ano passado em Penha (SC). Ele e outras quatro pessoas mantinham uma fábrica clandestina de agrotóxico, segundo a PF, e mandavam a mercadoria para cidades do norte do Rio Grande do Sul - dois homens têm antecedentes por furto. Costa também deverá ser indiciado pela Polícia Civil com base na Lei dos Agrotóxicos porque se apresentou como dono de uma carga apreendida na cidade, em 11 de outubro, informou Diana Zanatto, delegada de Marcelino Ramos. De volta às ruas, ele vinha sendo investigado por ligação com tráfico. Em 5 de janeiro, foi preso em flagrante em Itajaí. O advogado de Costa neste caso, Ivo Oswaldo Machado, disse que seu cliente não tinha envolvimento com as drogas apreendidas.
Trocar a droga pelo veneno seria vantajoso para bandidos
Policiais acostumados a investigar o contrabando rural garantem que essa situação deixou de ser um fenômeno isolado. Bandidos vêem vantagens em trocar a droga pelo veneno. Primeiro: a pena para o transporte de defensivos pode chegar a quatro anos de prisão, conforme a Lei dos Agrotóxicos. A do tráfico de drogas é de até 15 anos. Segundo: geralmente, traficantes demoram mais para sair da cadeia em casos de flagrante.
- O fenômeno da criminalidade é dinâmico. Quando começa a reprimir de um lado, os bandidos migram para o outro. E agora estão vendo no agrotóxico uma oportunidade de ganhar dinheiro, menos arriscada do que o tráfico de drogas - diz o delegado da PF de Itajaí (SC) Fábio Mertens, que por sete meses monitorou uma quadrilha que atuava na Região Sul.
Na maior operação da Polícia Federal nos últimos dois anos contra o contrabando de agrotóxico, 17 pessoas foram presas em 2007 na Região Sul. O líder do bando, um uruguaio morador de Pelotas, mantinha redes de distribuidores em pelo menos 11 cidades. Em Meleiro (SC), uma das bases do grupo, um guardador da mercadoria irregular era um homem que também negociava drogas por telefone, conforme mostraram escutas da PF.
Não são só egressos do tráfico que trocam de ramo. Há duas semanas, um comerciante de 44 anos foi detido ao tentar vender 300 litros de um defensivo falso em Tupanciretã. Com antecedentes por estelionato, foi flagrado na entrega. A Polícia Civil acredita que o produto venha do Uruguai.
A especialização das quadrilhas provocou mudança no trabalho da PF, que passou a tratar a venda irregular de agrotóxico como crime organizado. Em 2007, foram realizadas nove grandes operações em todo o Brasil, com 279 presos - quase todas quadrilhas com ramificações no Estado. Em 2006, foram três operações, com 42 detidos.
Em outubro passado, delegados federais de todo o país passaram por um curso em Brasília, na Academia Nacional de Polícia, para conhecer melhor a legislação sobre o tema e discutir métodos de ação.
- Estamos reforçando nossa atuação contra esse crime, porque as quadrilhas se aperfeiçoaram - conta Andrei Augusto Passos Rodrigues, chefe da Delegacia de Repressão a Crimes Fazendários da PF.
(Por Mauro Graeff Júnior, Zero Hora, 12/02/2008)