O ex-ministro da Agricultura Roberto Rodrigues está sempre apaixonado por uma causa - e habitualmente ela tem raízes na própria terra. Já foi presidente da Sociedade Rural Brasileira, da Associação Brasileira do Agronegócio, da Aliança Internacional de Cooperativas. Acabou ministro da Agricultura, mas parece considerar esse um momento discreto de seu currículo: a burocracia e o Ministério da Fazenda, diz ele, estiveram sempre atravessados em seu caminho. "Aprendi uma lição", resume. "Nunca assuma a Agricultura quando o setor está no pico de produtividade. Dali ele vai imbicar para baixo, não importa o esforço que se faça."
Vivendo nas últimas semanas junto ao olho do furacão - com a polêmica sobre o desmatamento na Amazônia e o veto à carne brasileira na Europa -, Rodrigues sai em defesa do agronegócio, no seu jeitão cauteloso de sempre. Sobre o desmatamento, ele avisa: "Basta usar o bom senso" para perceber que o agronegócio não é nenhum vilão do desmatamento. E, no caso da carne, a decisão dos europeus "é eminentemente comercial e a carne brasileira é absolutamente saudável".
Além de presidir o Conselho Superior de Agronegócio da Fiesp e uma área de estudos agronômicos na Fundação Getúlio Vargas, o ex-ministro acha tempo para se dedicar à música - que ele descobriu nos tempos de estudante, como um caminho para driblar a jequice de quem foi criado na roça. Com um disco gravado e algumas temporadas "profissionais" em bares do interior, ele conta que a música se revelou uma arma importante para quebrar o gelo em reuniões internacionais. E também faz palestras em defesa do etanol. "Alguns me acusam de ter entrado na onda do etanol. Não é verdade. Tenho um trabalho de 1976 sobre o tema, para provar que não caí de pára-quedas no assunto."
A agricultura é mesmo a vilã do desmatamento?
Não, e basta o bom senso para chegar a tal conclusão. Se você olhar um campo recém-desmatado, dá pra ver que é impossível andar por ali a pé, que dirá com um trator. Geralmente há uma etapa intermediária, em que a terra é ocupada por pastagens, essa é a regra. É claro que não posso afirmar também que nenhuma mata é derrubada para ser ocupada por pasto e agricultura. Igualmente isso acontece, mas não é a regra.
Nem o pequeno produtor tem alguma culpa?
Também não. Ele corta uma árvore e vive meses do dinheiro que consegue com ela. Mesmo que haja 500 mil pequenos produtores, fica difícil dizer que haja uma devastação. As árvores que eles cortam nem aparecem numa foto de satélite.
Onde foi que o País errou, no caso do embargo da carne pela União Européia?
A decisão da UE sobre embargo da carne é eminentemente comercial, e a fizeram parecer uma questão sanitária - o que não se sustenta. Na verdade, o problema é de rastreabilidade, o controle de onde o gado se origina. A carne brasileira é absolutamente saudável. Quanto à rastreabilidade, realmente existem falhas. E isso porque os produtores e frigoríficos resistem à sua implantação, por causa dos custos. Para que tal controle avance, basta dar algum incentivo fiscal, que compense o que se gastou.
O sr. Estuda e faz muitas palestras defendendo o etanol. Por que esse entusiasmo?
Se a segurança alimentar foi o motor da agricultura no século 20, o desafio no século 21 é a agroenergia. E é fácil explicar. A energia é hoje estratégica, não existe progresso sem ela. E, de repente, o mundo se deu conta de que o petróleo é finito e, antes que acabe, é preciso buscar uma alternativa viável. Estamos vivendo o ocaso de uma civilização baseada numa fonte de energia finita e tentando chegar ao modelo da próxima. A ponte entre ambas é a agroenergia, o biocombustível.
Mas o que está emperrando essa transição?
A falta de um mercado mundial. Os países ricos, como Japão e EUA, questionam: por que vou trocar a dependência do petróleo da Arábia Saudita pela dependência do álcool do Brasil? Como saber que posso confiar em vocês? Para superar esse impasse, é preciso que mais países produzam álcool e biocombustíveis. Essa é a condição para que o mercado do álcool seja criado e deslanche.
E quais as outras condições?
O segundo ponto importante é implantar, nos países consumidores, uma legislação que obrigue a mistura de álcool à gasolina. Ainda há muito preconceito, mas estou certo de que esse mercado começará a crescer em breve. A agroenergia vai mudar a geopolítica mundial, vai mudar os acordos de comércio agrícola e a OMC terá de se adaptar, criando um capítulo especial para a energia dentro do acordo agrícola. É uma receita feita de água, sol, terra e tecnologia. Só nos falta capital. E o Brasil pode facilmente liderar esse processo.
De que maneira?
Criando uma estratégia nacional para a energia. Definir até onde queremos chegar, quanto álcool vamos produzir, qual a perspectiva para a indústria alcool-química. Não temos modelo de pesquisa, formação, logística, estocagem, transporte. Não podemos continuar tendo 11 ministérios cuidando da área de energia. Não investimos seriamente em tecnologia. Veja os americanos. Eles estão investindo este ano US$ 2 bilhões na pesquisa de álcool de celulose. Aqui não chegamos a 10% disso na pesquisa da cana. E há a questão da mão-de-obra. Existem hoje no Brasil 350 usinas de açúcar e 170 projetos novos. Quem vai tocar isso? É preciso formar gestores em indústria, em logística, transporte. Mantidas as regras atuais, daqui a dez anos vamos ter simplesmente perdido o trem.
E a acusação de que a produção de etanol fará com que se produza menos comida?
É uma questão totalmente enganosa, baseada em interesses políticos. Só no Brasil, por conta dos avanços tecnológicos que permitiram produzir muito mais proteína animal em espaços cada vez menores, temos hoje pelo menos 90 milhões de hectares de pastos aptos para a agricultura. E isso justamente em Estados em que a estrutura logística e a demanda são muito fortes, como São Paulo, Paraná, Goiás, Minas Gerais.
Mas esse potencial também existe no País, para outras culturas, não?
Sim, e as perspectivas são muito boas. Vários estudos indicam que a população mundial aumentará em 2 milhões de pessoas até 2030 - ou seja, vai aumentar a demanda de produtos agrícolas. Nossos maiores compradores continuam sendo a Europa e os EUA. E os três seguintes? China, Rússia e Irã, países que há 10 ou 15 anos nem apareciam nas estatísticas. Estudos da FAO indicam que até 2025 a oferta mundial de alimentos - sobretudo grãos e carnes - precisará crescer 48%. É um enorme desafio.
E o Brasil tem como suprir essa demanda mundial?
Sim. O País tem uma capacidade de adaptação única, graças à sua diversidade de solo, de clima, e disponibilidade de água. Nos últimos quatro anos nos transformamos em campeões de exportação de suco de laranja, açúcar, fumo, carne bovina, frango, etanol.
E a história de que o Brasil precisa deixar de ser um exportador de produtos primários e vender manufaturados, de maior valor?
Não vejo problema nisso. O Brasil tem uma vocação agrícola inequívoca. O agronegócio tem sido o maior responsável nos últimos anos - com exceção de 2005 - pelo superávit comercial brasileiro. Mas não podemos dormir sobre os louros. Também na agricultura é preciso agregar valor. É claro que quero exportar produtos acabados para a China, mas a China só quer comprar soja em grão.
Em meio a tais preocupações, qual o lugar da música na sua vida?
Descobri a importância da música nos tempos de faculdade. Eu era muito tímido, me criei na roça com pais severos, morria de vergonha de tudo. De repente, fui morar numa república de estudantes e o mundo se abriu para mim. Cheguei a montar um conjunto que vivia de serenata em serenata. Daí casei, fui morar na fazenda, comecei a compor algumas musiquinhas e a participar de festivais da região de Guariba. Cheguei a cantar em um boteco duas vezes por semana, "profissionalmente". Em 95, um amigo me levou para um estúdio em Uberlândia e eu gravei um CD.
Mas a carreira profissional acabou mudando os seus rumos.
Não. Acho que a música integra as pessoas e ela até me ajudou muito na carreira. Gosto de acreditar que fui presidente da Aliança Cooperativa Internacional não só pelo discurso, mas também pela música. Devo muito ao Nat King Cole e àquele seu disco de músicas em espanhol, lá dos anos 60. Graças a ele, eu sabia praticamente uma composição de cada país latino-americano e com isso agradava em cheio nos discursos que fazia pelo continente. Cheguei a salvar reuniões dessa forma. Como em Foz do Iguaçu, em 85/86, quando se começou a falar num bloco que depois viraria o Mercosul. A reunião beirava o desastre e, em um jantar de confraternização, alguém pediu um discurso de encerramento. Eu comecei a citar sucessos de Nat King Cole, de cada um dos países presentes. Ao final, o clima havia mudado radicalmente e a confraternização foi geral.
(Por Sonia Racy,
O Estado de S.Paulo, 10/02/2008)