Diante da repercussão negativa, o governo recuou do plano de conceder uma espécie de anistia aos fazendeiros que fizeram desmatamento superior a 20% de suas propriedades na Amazônia Legal, desde que recuperassem 50% do total. A informação sobre os estudos técnicos para a anistia foi publicada no domingo pelo Estado.
O desmentido expôs a divisão do Ministério do Meio Ambiente (MMA) sobre a melhor forma de enfrentar os crimes ambientais. Para a ministra Marina Silva, neste momento, diante dos números alarmantes de derrubada de floresta em novembro e dezembro do ano passado, o desmatamento é um caso de polícia. Ela também subestimou o peso dos estudos realizados em seu ministério.
O secretário-executivo do MMA, João Paulo Capobianco, disse ontem (11/02), em entrevista coletiva, que a reposição de 50% da mata só valerá para quem desmatou até 1996, quando a Medida Provisória 1.511 fixou o tamanho da reserva legal na Amazônia em 80%. “Quem desmatou e manteve 50% da flora antes dessa data está legal.”
Apesar do recuo, e da pressão feita pela ministra Marina Silva, que estava ao lado do secretário-executivo para que ele desse poucas explicações sobre uma reunião de técnicos do MMA e do Ministério da Agricultura que tratou da proposta de anistia, Capobianco deixou claro que medidas futuras poderão ser tomadas para resolver o impasse.
De acordo com ele, quem desmatou acima da reserva legal de 80% depois de 1996 terá de recuperar a área (de 80%), “a não ser que a propriedade seja incluída em uma zona de uso intensivo”. Isso significa que, se no Zoneamento Ecológico-Econômico (ZEE) dos Estados, a propriedade for considerada de uso intensivo, ela poderá entrar na lista das que necessitam recuperar apenas 50%. “Por enquanto, somente os Estados do Acre e Rondônia fizeram o zoneamento”, esclareceu.
Ele continuou a rejeitar o termo “anistia”. Numa entrevista ao jornal Folha de S. Paulo, publicada ontem, Capobianco disse que o governo é favorável a ajustes no Código Florestal. “Não se trata de uma anistia, mas de um adiantamento de direito”, afirmou, referindo-se à possibilidade de a União antecipar-se ao ZEE dos Estados que ainda não o têm.
Até 1996, a autorização para desmatamentos na Amazônia era de 50% da propriedade. Mas, com os dados assustadores da derrubada em 1994 - 30 mil km2 -, o então presidente Fernando Henrique Cardoso editou a MP 1.511, fixando a área de reserva legal em 80%. “Quem ainda não desmatou só pode desmatar 20%, quem já desmatou antes da medida provisória de 1996 e comprovou que foi antes, é obrigado a manter os 50% apenas; quem fez depois disso tem de recuperar até 80%.” A bancada ruralista do Congresso tenta derrubar essa medida provisória desde 1996. Atualmente, a Câmara aprecia um projeto de lei que muda o porcentual. A proposta já foi aprovada pela Comissão de Agricultura da Câmara.
Reunião de técnicos
Já a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, afirmou que o governo não vai reduzir a área de reserva legal. “Não há possibilidade de o governo federal trabalhar na diminuição da reserva. Estamos trabalhando para a aplicação das medidas de punição para quem desmatou, de criminalização dos envolvidos no desmate em 36 municípios da Amazônia, e para fazer com que neste ano consigamos reduzir pelo quarto ano consecutivo o desmatamento”, disse Marina.
Marina divulgou nota conjunta com o ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes, segundo a qual os dois ministérios não trabalham em qualquer proposta de “anistia para desmatadores ilegais ou para redução da reserva legal, seja na Amazônia ou em qualquer outra região”. Marina procurou ainda desqualificar o estudo da equipe de técnicos dos ministérios da Agricultura e do MMA que buscam saídas para o impasse do desmatamento. “Não sei quando houve essa reunião”, disse ela. Ao ser informada por Capobianco de que tinha sido neste ano, Marina comentou: “É uma reunião de técnicos, apenas. Nem chegou aos secretários.”
Ações enérgicas
A visão de Marina ficou explícita na nota divulgada ontem, quando afirma que “os fortes indícios de aumento do desmatamento” impõem “a necessidade de intensificar ações enérgicas”. Para Marina, segundo apurou o Estado, não é hora de falar em medidas de médio e longo prazos, medidas mais estruturais e que envolvam negociações sociais, políticas e econômicas.
A ministra acha que a divulgação dos estudos técnicos funciona, na prática, como um desserviço à operação da Polícia Federal, de combate aos crimes ambientais, que está programada para ser deflagrada na semana que vem e deve envolver pelo menos 800 homens.
Vaivém
Para o diretor de Política Ambiental da Conservação Internacional (CI) do Brasil, Paulo Gustavo Prado, o governo não pode ser “esquizofrênico”. “Precisa parar com esse vaivém e adotar uma postura responsável”, afirmou.
O Greenpeace e a Conservação Internacional do Brasil participam hoje de uma reunião às 9 horas no MMA. O encontro foi marcado por André Lima, coordenador do Núcleo Amazônia da pasta. O objetivo é explicar as declarações de João Paulo Capobianco.
Também foram convidadas outras ONGs, como WWF, Amigos da Terra, Instituto Socioambiental, The Nature Conservancy e o Instituto Sociedade, População e Natureza.
(Por João Domingos e Alexandre Gonçalves, Agência Estado, 11/02/2008)