O uso de biocombustível aumenta muito mais do que a gasolina o aquecimento da Terra, pois sua produção encarece os alimentos e, portanto, incentiva o desmatamento e a perda de pradarias naturais que detêm carbono. O uso de etanol equivale a emissões de gases causadores do efeito estufa 93% mais altas do que as da gasolina, disse David Tilman, ecologista da Universidade de Minnesota e co-autor de um de dois informes a respeito divulgados na semana passada na revista Science. “O balanço final é que usar boa terra de cultivo para os biocombustíveis aumenta a emissão de gases causadores do efeito estufa”, acrescentou.
Supunha-se que o uso de etanol derivado do milho reduziria entre 10% e 20% por cento das emissões de gases causadores do efeito estufa em relação à gasolina. Mas os estudos anteriores não avaliaram o uso da terra na produção de combustível, que reduz a superfície dos cultivos de alimentos em um mundo faminto. Isso aumenta o preço dos alimentos e força a conversão de florestas em pradarias em terras de cultivo. Cada hectare transformado emite na atmosfera, em média, cerca de 351 toneladas de gases causadores do efeito estufa.
As florestas e pradarias naturais absorvem carbono. Levaria 167 anos de produção de etanol para equilibrar a equação por hectare, inclusive assumindo que seu uso representa 20% menos emissões, afirmam Timothy Searchinger e seus colegas no outro estudo. Segundo Searchinger, isto ocorre com todos os biocombustíveis, embora os tempos sejam diferentes. Para compensar a dívida de carbono originada pela conversão de um hectare de floresta de turfa na Indonésia ou na Malásia para plantar palma seria necessário produzir biocombustível com esse cultivo durante 423 anos, diz o estudo.
Mas, infelizmente, grandes áreas dessas florestas tropicais já foram desmatadas
Susan Page, especialista em florestas de turfa da britânica Universidade de Leicester, informou em dezembro que cerca de 3,2 milhões de hectares já foram convertidos e que em 25 anos suas superfícies terão lançado na atmosfera 3,22 bilhões de toneladas de gases causadores do efeito estufa. Cada tonelada de óleo de palma produzida ali resultará em uma emissão de até 70 toneladas de dióxido de carbono durante 25 anos devido à própria conversão, pela decomposição da turba e pelos incêndios para limpar a vegetação natural, disse Page.
A quarta parte do desmatamento no sudeste da Ásia em 2005 se deveu à conversão de florestas de turfa em plantações de palma. As florestas de turfa restantes armazenam de modo seguro entre 50 mil e 70 mil toneladas de carbono. Page também disse que preocupa muito o modo como se usa a terra nessa região. Estes são os primeiros estudos que avaliam o impacto da produção mundial de biocombustíveis sobre limpeza de terras. “Estas áreas naturais armazenam muito carbono, por isso transformar terras de cultivo determina a emissão de toneladas de carbono na atmosfera”, disse Joe Fargione, cientista da Nature Conservancy e co-autor do estudo publicado na Science.
Inclusive o êxito do etanol brasileiro produzido com cana-de-açúcar revela que converter o bioma brasileiro de savanas do cerrado requer pelo menos 17 anos de produção desse cultivo para cobrir a dívida de carbono. Muito pior é quando a floresta amazônica é transformada para cultivar soja para a produção de biodiesel, porque ali a dívida de carbono necessita de 391 anos para ser paga. E os brasileiros estão convertendo a selva amazônica em um ritmo sem precedentes. Apenas nos últimos cinco meses de 2007, quase sete mil quilômetros quadrados foram cortados, principalmente no Estado do Mato Grosso, segundo observações feitas com satélites.
O biocombustível é um importante motor dessa destruição. Os agricultores dos Estados Unidos cultivam muito mais milho para elaborar etanol e muito menos soja do que poderiam produzir. No entanto, a demanda mundial de soja cresce e os produtores brasileiros desmatam a Amazônia para cultivar ainda mais. “Se a intenção é mitigar o aquecimento global, não há sentido nenhum em transformar terras para a produção de biocombustível”, disse Fargione em uma declaração escrita.
A conversão de terras também acontece nos Estados Unidos. No ano passado somaram-se às plantações de milho mais de 4,8 milhões de hectares, com a finalidade de produzir etanol, e se prevê mais para este ano. Isso piora a mudança climática. Um quarto das plantações de milho deste ano se transformará em combustível. Os biocombustíveis podem ter um futuro se houver produção de plantas perenes, não alimentícias e cultivadas em terras degradadas.
Os derivados dos dejetos de biomassa, como os restos de madeira, a palha e os talos do milho que usam processos celulósicos ou de gaseificação também podem ser convertidos em biocombustíveis que realmente reduzam as emissões. Mas, retirar os dejetos dos cultivos priva o solo de matéria orgânica valiosa, essencial para a produtividade do solo. É preciso fazer mais estudos sobre o potencial destas novas tecnologias, disse Tilman. Também é necessário o estabelecimento de critérios internacionais para a produção de biocombustíveis, que governos e empresas apliquem determinem seus investimentos.Alguns biocombustíveis oferecem uma fonte de energia relativamente barata, mas têm um impacto muito negativo sobre o clima, acrescentou.
O auge dos biocombustíveis chega em um momento em que a produção de alimentos deveria duplicar para alimentar três bilhões de habitantes a mais que o mundo terá em 2050. também haverá, então, muitos mais consumidores na China, Índia e em outros países que poderão se dar ao luxo de comer mais carne, o que aumentará a demanda de cereais. “Neste contexto, é uma idéia bastante tola usar alimentos como combustível”, ressaltou Tilman.
(Por Stephen Leahy,
IPS, 11/02/2008)