Para ambientalistas, anistia e novas regras mostram fragilidade da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva
As ONGs comprometidas com a preservação ambiental manifestaram descontentamento diante do projeto do governo de anistiar proprietários de terra que desmataram a Amazônia.
“Acho uma auto-proclamação da inoperância do Ministério do Meio Ambiente”, afirma o diretor de Política Ambiental da Conservação Internacional do Brasil, Paulo Gustavo Prado. “É uma demonstração de fraqueza política da pasta diante dos demais ministérios”. Ele também não acredita que a medida seja capaz de resolver o problema. A ausência do Estado estaria na raiz do desrespeito a legislação. A solução proposta exigiria uma presença que não existiu até agora. “E é pouco provável que comece a existir”, observa.
“É como, para resolver a superlotação nos presídios, oferecer uma anistia aos presos, desde que assumam o compromisso de não cometer mais crimes”, compara Adário, coordenador da campanha Amazônia do Greenpeace. “Isso não faz sentido. A lei precisa ser cumprida”.
Contágio
Ele teme o precedente perigoso criado pela medida. “Há outros biomas brasileiros que sofrem forte impacto, mas não ganham tanto destaque na mídia. A anistia vai contaminar a discussão sobre a reserva legal nesses lugares”.
Ele cita como exemplo a mata atlântica, bioma mais ameaçado do País, reduzido a 7% da sua área original. Em tese, toda propriedade rural deveria destinar para preservação 20% da sua superfície. “Obviamente, isso não é respeitado nas áreas de mata atlântica”. Agora, pode aumentar a percepção de que ninguém será punido. “As soluções (para a Amazônia) não podem sair da cartola de algum iluminado de Brasília”, observa Adário. “Elas precisam ser discutidas na sociedade”.
Prado considera essencial que o Ministério do Meio Ambiente tenha uma política de desenvolvimento para a Amazônia. “Até agora, a pasta só reagiu quando surgiram os problemas. Isso é sintoma de incompetência”. Ele também aposta em uma política de valorização da floresta. “Mas com o orçamento e o contingente para fiscalizar, fica claro que o governo vê a área ambiental como um charme para apresentar aos observadores internacionais”.
Adário considera prioritário realizar um mapeamento completo das propriedades rurais na Amazônia Legal, tarefa postergada pelos dois últimos governos. “O caos fundiário da região não começou com Lula ou FHC. É quase tão velho quanto o Brasil. Mas inviabiliza qualquer política ambiental”.
Também questiona-se a afirmação do secretário-executivo do Meio Ambiente, João Paulo Capobianco, de que “o dano ambiental já ocorreu, a área já está desmatada”. Na visão de Adário, este pragmatismo não é sensato e sustenta sua opinião com uma experiência concreta: o Parque Nacional da Tijuca, no Rio de Janeiro, maior floresta urbana do mundo. Em meados do século 19, a cidade enfrentou sérios problemas de água e uma das causas apontadas foi a destruição das matas. D. Pedro II determinou que os cafezais dessem lugar à floresta novamente. “Se o imperador tivesse adotado o pragmatismo atual, aquelas montanhas estariam nuas ou cobertas de favelas”.
Além disso, há a questão do aquecimento global. O Brasil é o quarto país em emissões de gases do efeito estufa. O desmatamento e as queimadas causam 75% do problema. “Reflorestar é parte importante do compromisso que o País deve assumir com o mundo”, lembra Adário.
Dificuldades práticas
Ima Vieira, pesquisadora e diretora do Museu Paraense Emilio Goeldi, um dos institutos de pesquisas ligados ao Ministério de Ciência e Tecnologia, vê no projeto um certo avanço nas discussões para proteger a Amazônia porque envolve dois Ministérios (Meio Ambiente e Agricultura).
Porém, Vieira acredita que o projeto é de difícil realização porque não traz vantagens significativas para os produtores rurais. “Muitas vezes os grandes fazendeiros não precisam do crédito agrícola e, se tiverem um bom pasto em uma área 100% desmatada, não vão abrir mão do lucro”, diz a diretora.
Outra questão que o governo precisaria levar em conta, para Ima, é qual o tipo de reflorestamento que ele deseja realizar. Segundo ela, o estudo do governo só vai valer a pena ambientalmente se houver um programa de restauração de todo o processo ecológico da área desmatada. E para restabelecer os biomas completos seriam necessários estudos complexos para cada propriedade rural. “O produtor teria uma despesa muito alta. E se ele não se preocupou com a degradação na hora de desmatar, por que faria agora?”, questiona.
Além disso, Viera acredita que só seria possível fazer um reflorestamento com uma variedade grande de espécies se a propriedade rural estiver próxima a matas remanescentes. “Em áreas degradadas de grande extensão, seria difícil encontrar as sementes necessárias.”
Vieira critica ainda a possibilidade do produtor comprar uma outra propriedade de tamanho equivalente a 50% da área desmatada. “O ideal seria replantar na própria propriedade rural porque o dano naquela área vai continuar existindo. Se o projeto for bem feito, os fazendeiros vizinhos ainda deveriam conversar para ter conectividade entre áreas reflorestadas”, diz.
Para Vieira, o estudo demandaria investimentos pesados do governo nos órgãos de monitoramento do desmatamento, como o Instituto de Pesquisas Espaciais (Inpe). Só assim o governo vai conseguir garantir que os proprietários rurais não desmatem 100% da propriedade ilegalmente para depois aderirem à anistia e continuar produzindo em 50% da área. Pelo Código Florestal, as fazendas na Amazônia devem ter 80% de vegetação. Segundo Vieira, hoje os escritórios desses órgãos na região da Amazônia não têm condições estruturais e de pessoal para atender os produtores rurais caso a caso.
(Alexandre Gonçalves e Filipe Serrano,
Agência Estado, 10/02/2008)