No segundo dia da série sobre a explosão do contrabando de agrotóxico no Estado, Zero Hora mostra o que leva o agricultor a cometer o crime e a pressão por mudanças na legislação nacional
A tentação de obter agrotóxicos de outros países para baixar os custos de produção está levando para a cadeia agricultores que nunca haviam entrado numa delegacia de polícia.
Em Santana do Livramento, fronteira com o Uruguai, uma das principais rotas de ingresso de defensivos estrangeiros, o número de prisões triplicou em 2007. Cinqüenta pessoas foram parar no presídio por contrabando de agrotóxicos - 80% eram produtores sem antecedentes criminais. Neste ano, quatro pessoas foram detidas, todas de origem rural.
Agricultores geralmente sabem da proibição de comprar ou usar defensivos de outros países, mas nem sempre têm noção de que estão cometendo um crime e que, por isso, podem ser presos.
- Pensam que vão apenas perder o produto se forem pegos. Quando sabem que irão para o presídio junto com outros criminosos e serão processados, entram em pânico - conta Paulo Roberto Oliveira Borges, advogado em Santana de Livramento que, com freqüência, é chamado às pressas para acompanhar prisões de pessoas de todos cantos do Estado.
Quem se arrisca justifica a transgressão reclamando dos valores dos produtos nacionais. Um agricultor de Santo Antônio do Planalto, cidade do norte do Estado, pagou R$ 350 por um quilo de um herbicida vindo do Uruguai com fórmula semelhante a um produto brasileiro que custa R$ 1,6 mil. Se fosse buscar do outro lado da fronteira, teria pago R$ 140 pelo quilo. Por saber que está na contramão da lei, não quer ser identificado.
- Compro um quilo da mercadoria nacional, para ter a embalagem e a nota fiscal, e três do contrabandeado - conta o agricultor, dono de quase 300 hectares.
Após obter herbicidas e inseticidas irregulares, dá um jeito de se desfazer rapidamente das embalagens. Teme arrumar complicação, mas garante que preferiria trabalhar legalmente.
- O agrotóxico nacional é muito caro. As empresas não cobram quanto vale, mas o que o agricultor pode pagar. Se o preço da soja está bom, como agora, tudo sobe. Isso força o agricultor a se arriscar e a pegar produto clandestino - lamenta o produtor.
Além disso, no último ano, técnicos e agrônomos uruguaios passaram a cruzar a fronteira para prestar assistência dos agrotóxicos trazidos do Uruguai em Santana do Livramento, Aceguá, Bagé e Rosário do Sul. Em alguns casos, também já é possível pagar os defensivos após a colheita da safra, semelhante ao que ocorre com fornecedores brasileiros.
Entidades do setor rural defendem que a alternativa para baixar os preços dos agrotóxicos no Brasil é liberar a importação dos chamados genéricos, produtos feitos em outros países com fórmula semelhante aos fabricados pelas marcas nacionais.
Sindicato patronal rejeita liberação de genérico
O agricultor e deputado federal Luis Carlos Heinze (PP) tem um projeto em tramitação que permite o uso de genéricos e dá maior agilidade aos processos de autorização de novas marcas. A liberação de um novo registro pode levar até três anos, pois precisa passar por três ministérios, afirma.
- Poderíamos liberar a importação dos produtos mediante atestado de um laboratório de excelência. Isso iria aumentar a competitividade e baratear o produto nacional, semelhante ao que aconteceu com os medicamentos - sustenta Heinze.
Para o Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Defesa Agrícola (Sindag), a liberação dos genéricos colocaria em risco a saúde das pessoas e o meio ambiente.
- A lei brasileira é uma das melhores que existe. Exige testes que liberam somente produtos que não causem risco à saúde e ao meio ambiente. É por isso que poucas empresas de fora querem registrar agrotóxicos no Brasil. Não adianta liberar o genérico e não ter garantia do que está sendo importado - afirma Fernando Henrique Marini, gerente de produto do Sindag.
(Por Mauro Graeff Júnior, Zero Hora, 11/02/2008)