Depois de não dar ouvidos aos alertas de institutos de pesquisa e de organizações não-governamentais e ser “surpreendido” pelo ascendente desmatamento amazônico, o governo chama ministérios e bancos públicos para a mesa no Palácio do Planalto. Nesta segunda-feira (11/02), todos irão saborear o prato de discutir como os financiamentos públicos poderiam deixar de estimular atividades que devoram árvores da floresta, como a agropecuária e a indústria madeireira.
Mas antes disso, a Presidência da República decidiu agir e pode ter revelado as cores de suas intenções: publicou decreto reduzindo as taxas de juros praticadas nos fundos constitucionais do Norte (FNO), Centro-Oeste (FCO) e Nordeste (FNE). A medida pode ser uma bolada nas costas da parcela verde governista, pois esses fundos são vistos por algumas entidades e pelo próprio Ministério do Meio Ambiente como fonte de desmatamento na Amazônia. Com juros menores, tornam-se mais atrativos ao mercado.
A nova legislação federal cortou encargos dos financiamentos para pequenos e grandes produtores rurais, respectivamente de 7,25% para 6,75% e de 9% para 8,5% ao ano. Já micro, médias e grandes empresas obtiveram redução de até 1,5% na taxa de juros. Para elas, os encargos foram fixados em 6,75%, 9,50% e 10%. Já as taxas para indústrias de pequeno porte, agro-indústrias e empresas de turismo permanecem em 8,25%.
Para o pesquisador do Imazon (Instituto do Homem e do Meio Ambiente da Amazônia) Paulo Barreto, a redução dos juros pode ser um problema se os investimentos seguirem direcionados às mesmas atividades que sempre provocaram desmatamento. Segundo ele, os manuais bancários para liberação de créditos até exigem o cumprimento das legislações ambiental e trabalhista e a apresentação de documentos sobre posses de terra. No entanto, a realidade em campo seria de derrubadas ilegais estimuladas por dinheiro público. “Se o governo quer reduzir o desmate e incentivar o desenvolvimento sustentável, tem que investir mais em conservação e manejo. Precisamos de um redirecionamento drástico do dinheiro desses fundos”, diz Barreto.
Apenas o FNO (Fundo Constitucional de Financiamento do Norte), que atende Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins, liberou cerca de R$ 4,2 bilhões para a pecuária entre 1989 e 2002. De 2003 a 2007, foram mais R$ 1,9 bilhão para o mesmo setor, conforme o Imazon. Outras avaliações do instituto mostram que o desmate teria sido quatro vezes maior em assentamentos federais do que fora dessas áreas. E uma pesquisa realizada em 2003, na região da Transamazônica (BR-230), mostrou que produtores com crédito desmataram mais que aqueles sem financiamentos públicos. “Muitos assentamentos não têm licença ambiental. Mesmo assim, recebem financiamentos”, diz o engenheiro florestal.
Crédito rural
Criados pela Constituição de 1988, os fundos constitucionais movimentam cifras vultosas e livres de contingenciamento para fomentar atividades produtivas no Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Financiam de agricultores familiares a grandes produtores, projetos industriais, de infra-estrutura, comércio e serviços. São abastecidos com parcelas do Imposto de Renda e do Imposto sobre Produtos Industrializados das demais regiões. Além disso, praticam taxas de juros entre as mais baixas do País, para operações de até 12 anos. O FCO (Fundo Constitucional de Financiamento do Centro-Oeste), por exemplo, tinha orçamento de R$ 2,8 bilhões em 2007. Desse total, R$ 1,35 bilhão para o segmento rural. Um balanço da execução orçamentária desses fundos deve ser divulgado ainda em fevereiro.
Conforme o coordenador-geral de Análise Econômica da Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura Marcelo Fernandes Guimarães, não é possível fazer uma associação direta entre a aplicação de dinheiro via fundos constitucionais e o desmatamento na Amazônia. Segundo ele, quem aproveita esses recursos são geralmente produtores já instalados e que cumprem a legislação. “É difícil apontar uma relação direta entre os recursos desses fundos e o desmatamento na Amazônia. Pode até existir alguma ilegalidade, mas não é regra”, diz.
Segundo Guimarães, alterações nos juros praticados nos financiamentos públicos são rotineiras e acompanham as tendências econômicas registradas no ano anterior e a variação de taxas do Crédito Rural e da Selic (Sistema Especial de Liquidação e Custódia), por exemplo. Assim, a cada início de ano, os juros do FNO, FCO e FNE poderiam variar conforme os ventos econômicos nacionais.
Da reunião agendada para o início da semana, o governo espera sair com medidas para apertar o cerco contra o desmatamento da Amazônia. A idéia é que Banco do Brasil, Banco da Amazônia, BNDES, Banco do Nordeste e Caixa Federal, instituições que operam os fundos constitucionais e outras linhas de crédito, sejam mais rigorosos na aprovação de projetos. No entanto, o ministro da Agricultura Reinhold Stephanes já avisou que não vai. Segundo nota distribuída por sua assessoria de imprensa, ele participará na segunda-feira pela manhã da 11ª Reunião do Conselho Superior do Agronegócio, na capital paulista.
(Aldem Bourscheit, O Eco, 08/02/2008)