Em carta assinada pela Mobilização dos Povos Indígenas do Cerrado (MOPIC), lideranças de 25 etnias denunciam violências contra seus povos, destruição ambiental e problemas no atendimento de saúde. A carta ainda lista ações para a regularização de 21 territórios indígenas. Leia a carta abaixo.
Aldeia Cachoeirinha – T.I. Terena , Miranda – MS 13 de dezembro de 2007
CARTA DOS POVOS INDÍGENAS DO CERRADO
Nós lideranças Indígenas do Cerrado, estivemos reunidos na 1ª Assembléia Geral da MOPIC, realizada entre os dias 10 à 13 de dezembro na Aldeia Cachoeirinha – T.I. Terena – MS . O encontro contou com a participação de 200 pessoas de 25 povos indígenas dos estados do MS, MT, TO, MA e MG. No decorrer do evento foram debatidos diversos temas, dentro os quais: conflitos fundiários, perseguições e prisões indígenas, questão ambiental e saúde.
O principal objetivo do encontro foi: 1) denunciar ( a nível nacional e internacional) e tomar providências com relação as perseguições e prisões indígenas no Mato Grosso do Sul; 2)dar visibilidade ao Cerrado, tendo em vista a discriminação e falta de reconhecimento deste bioma e seus povos, já que o foco de atenção e preocupação global está somente na Amazônia ; 3) fortalecer os povos indígenas do Cerrado que em decorrência do agronegócio, agropecuária e atualmente da produção de biocombustível, sofrerão impactos mais intensos com o aumento expressivo da construção de usinas e passarão por um processo de marginalização ainda mais intenso ; 4) construir um documento proposta ( ora apresentado) que atenda as demandas e reivindicações das populações indígenas do Cerrado.
É importante salientar que as atividades produtivas acima mencionadas, além de causarem fortes impactos sociais, culturais e ambientais às Terras Indígenas do Cerrado, são em grande parte voltados para a exportação e desenvolvidas por empresas multinacionais ( em especial norte americanas , como Cargill , Bunge e ADM), as quais contam com a colaboração , parceria e incentivo dos governos municipais, estaduais e federal.
A política desenvolvimentista de ocupação do Cerrado, iniciada nos anos 80 e ratificada pelo atual governo com ferocidade e desrespeito ante as populações indígenas, é reforçada com o anúncio do PAC Cerrado (Programa de Aceleração de Crescimento) , um programa cujo os benefícios estão voltados exclusivamente ao setor agrícola e hidroelétrico e cujo os empreendimentos suscitarão danos diretos e indiretos às nossas terras.
Apesar de o Cerrado brasileiro ocupar grande parte do Planalto Central do país e se constituir num importante reservatório hídrico, onde nascem e se alimentam as principais bacias hidrográficas sul americanas, este bioma encontra-se num intenso processo de devastação ,o qual ameaça gravemente a saúde e a vida das populações
O anúncio da construção de 43 usinas no MS, para produção de biocombutível, tende a intensificar o processo de marginalização dos povos deste estado, que terão aumento significativo no número de trabalhadores escravos indígena, no consumo de álcool e drogas , prostituição, agravamento nos casos de desnutrição e outras doenças, suicídio de jovens, destruição e expulsão de suas terras e perdas culturas inestimáveis. Neste sentido, vimos denunciar às organizações indígenas e indigenistas no Brasil e, aos demais patrícios de todo o mundo, Ministério Publico Federal, Fundação Nacional do Índio, Ordem dos Advogados do Brasil, Comissão de Direitos Humanos do Senado e da Câmara, Organização das Nações Unidas (ONU) , e exigir a soltura imediata ( prazo máximo de 10 dias) dos presos indígenas no Mato Grosso do Sul que lutam por suas terras, em especial os 4 indígenas Guarani Kaiowa ( Francisco Fernandes, Ramon Rubens Ajala, Baldo Barrio, Casemiro Batista) , presos em janeiro de 2007 na retomada da T.I. Kurussu Ambá. Os fazendeiros da região fizeram uma emboscada, emprestando seus maquinários e em seguida denunciando os indígenas de roubo. Estes indígenas encontram-se sem nenhum tipo de assistência jurídica , tendo em vista a dificuldade de apoio das instituições locais : polícia, Funai, advogados e juízes do município de Amambaí, os quais estão totalmente vinculados aos fazendeiros da região, responsáveis pelas prisões, perseguições, ameaças e assassinatos das lideranças.
O assassinato de 28 lideranças Guarani Kaiowa somente no ano de 2007 , na luta pela retomada de seus territórios, continuam impune, e as ameaças a outros líderes são comuns. Para tanto exigimos de forma imediata: 1) a punição destes assassinos ; 2) a demarcação das 32 terras ( lista em anexo) reivindicadas pelos Guarani Kaiowa com envio do Grupo de Trabalho responsável pela delimitação; 3) proteção e assistência jurídica ( tal como garantido pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, a qual o Brasil é signatário) por parte da Fundação Nacional do Índio, Ministério Publico Federal e Anistia Internacional às famílias ameaçadas ( Comissão das comunidades de Kurussu Ambá e lideranças de todas as áreas em conflito) , as quais se encontram localizadas em 12 acampamentos nas estradas do MS estando completamente vulneráveis aos ataques freqüentes dos jagunços e caminhoneiros.
Com relação à saúde indígena, a Fundação Nacional de Saúde não vem investindo na prevenção e pesquisa relativa as doenças degenerativas como: diabete, hipertensão e tuberculose , sendo necessário a contratação de equipes multidisciplinares para atender as comunidades indígenas. Atualmente o quadro de funcionários técnicos da FUNASA , médicos e coordenadores administrativos não são indígenas na sua grande maioria, o que compromete a qualidade do trabalho.
Neste sentido , exigimos : 1) que os coordenadores administrativos da Funasa do pólo base sejam unanimemente indígenas; 2) que os Pólos Bases sejam construídos dentro das Terras Indígenas no MS ; 3) fiscalização independente dos conselheiros da saúde indígena aos trabalhos da Funasa com participação das lideranças das aldeias; 4) assistência adequada aos povos nas áreas de conflito ; 5) proibição imediata da contratação de estagiários na áreas de saúde, para que haja atendimento qualificado às populações indígenas; 6) capacitação e formação de profissionais indígenas para atuar diretamente dentro dos territórios ;7) implantação de estações de tratamento de água dentro das aldeias e melhorias nas já existentes 8) parceria da Funasa com as comunidades indígenas do MS pra fortalecimento do uso das plantas medicinas; 9) punição e proibição de depósitos de lixo municipais nas terras indígenas e a retirada de cascalho madeiras e minérios no interior dos territórios ; 10) construção de hospitais indígenas ; 11) ter recurso/atendimento particular aos povos indígenas em casos emergenciais; 12) proibição de indicações para cargos administrativos da Funasa por interesses partidários.
Ratificamos nosso repúdio à municipalização da saúde indígena, haja visto a situação em curso, com o alto índice de desnutrição e óbito de crianças, falta de medicamento, transporte e atendimento adequado as comunidades. Acreditamos que a municipalização agravará fortemente o quadro de saúde indígena no país. No que se refere à questão fundiária, as terras indígenas do Cerrado caracterizam-se como pequenas e esparsas, estando muitas delas não regulamentada pela Fundação Nacional do Índio.
Segue abaixo lista dos territórios a serem regularizadas pelo órgão indigenista, a qual exigimos as providências cabíveis o mais rápido possível: 1) Envio imediato do Grupo de Trabalho para demarcação da T.Indígena Kurussu Ambá – Município Amabai – MS – Povo Guarani Kaiowa e Demarcação das 32 Terras Indígenas reivindicadas por este povo. 2)Agilidade no Grupo de Trabalho para demarcação e homologação da T.I. Cachoeirinha. – Município de Miranda – MS - Povo Terena 3) Desintrusão da T.I. Kadiweu – Município de Porto Murtinho, Bonito e Corumbá – Povo Kadiweu – MS , homologada há 23 anos ,porém com mais de 90% do território invadido por fazendeiros , madeireiros e produtores de carvão. 4) Agilidade no processo demarcatório da área Kinikinawa – Município de Miranda- MS- Povo Kinikinawa , cuja população vive atualmente em terras de outros povos. 5) Ampliação da T.I. Enoti –Municipio de Brasilandia- MS - Povo Ofaié Xavante 6) Desintrusão/Demarcação e homologação da T.I Indígena Kapotnhinore – Município de São Jose do Xingu- MT – Povo Kayapó Metuktire. Terra tradicional onde importantes lideranças Kayapó , nasceram e circularam , a qual encontra-se fora do território demarcado. 7) Homologação da T.Indígena Portal do Encantado- Município Porto Esperidião-MT - Povo Chiquitano. 8) Demarcação/Homologação da T.Indígena Wawi Kisedjê- Município Querência- MT –Povo Suyá – Parque Indígena do Xingu 9) Demarcação/Homologação da T.Indígena Arraia - Município Macêlandia - MT – Povo Kayabi – Parque Indígena do Xingu 10) Demarcação/Homologação da T.I. Jatobá- Município de Paranatinga – MT – Povo Ikpeng –Parque Indígena do Xingu 11) Demarcação/Homologação da T.I.Norohwut – Município de Canarana – MT – Povo Kalapalo – Parque Indígena do Xingu 12) Desintrusão da T.Indígena Ururbu Branco – Município Confresa – MT – Povo Tapirapé 13) Ampliação da T.Indígena Irantxe – Município de Brasnorte – MT – Povo Irantxe 14) Desintrusao e ampliação da T.Indígena Formoso – Município de Tangará da Serra – MT – Povo Paresi 15) Desintrusão da T.I. Marawatsede – Município Riberão Cascalheiro – MT – Povo Xavante 15) Agilidade no processo demarcatório da T.I. Caxixo – Município de Martim Campos – MG – Povo Caxixó 16) Ampliação da T.I. Xacriabá – Município de São João das Missões –MG – Povo Xacriabá 17) Demarcação da T.I. Aranã Cabocla e Aranã Índia – Município Coronel Multa-Vale do Macuri-MG- Povo Aranã. 18) Demarcação da T.Indígena Itapecerica da Serra – Município de Divinópolis – MG – Povo Pataxó 19) Demarcação da T.I Pankararu – Município de Coronel Multa –MG –Povo Pankararu 20) Ampliação da T.I. Maxacali - Município de Água Boa e Pradinho – MG – Povo Maxacali 21) Ampliação da T.Indígena Sete Salão – Governador Valadares – MG - Povo Krenak.
O artigo 231 da Constituição Brasileira de 1988, garante os direitos plenos à terra perpetuação das culturas e organização dos povos indígenas. Neste sentido , a Mobilização dos Povos Indígenas do Cerrado , lutará veementemente para reconhecimento da auto suficiência de seus povos por parte dos órgão competentes,para garantia dos seus direitos, melhoria na qualidade de vida e continuação das próximas gerações com respeito e dignidade aos nossos povos.
A 1ª Assembléia Geral da MOPIC foi realizada na divisa entre Brasil e Bolívia, para tanto, aproveitamos para anunciar nosso inteiro apoio à gestão do patrício presidente da Bolívia, Evo Morales. Ressalvamos que caso nossas demandas e exigências , acima descritas não sejam devidamente cumpridas , o movimento indígena do Cerrado está pronto para um embate direto com o governo municipal, estadual e federal.
(ISA, 08/02/2008)