O governo deve apoiar uma proposta em tramitação no Congresso para reduzir a recuperação com mata nativa de áreas já desmatadas ilegalmente na Amazônia e permitir o plantio de espécies comerciais exóticas, como o dendê.
Segundo o secretário-executivo do Ministério do Meio Ambiente, João Paulo Capobianco, a pasta estuda, juntamente com o Ministério da Agricultura, uma maneira de permitir que áreas já desmatadas tenham seu uso econômico intensificado, reduzindo a pressão por novos desmatamentos.
A proposta vai ao encontro de um projeto de autoria do senador Flexa Ribeiro (PSDB-PA), com substitutivos da Câmara, que prevê até 30% da reposição florestal com espécies exóticas e que, na prática, reduz a reserva legal. O projeto é atacado por ambientalistas, que o apelidaram de "floresta zero".
Pelo Código Florestal Brasileiro atual, propriedades rurais na Amazônia devem manter 80% de sua área como floresta, em forma de reserva legal. Quem derrubou acima disso ou quem comprou áreas desmatadas em mais de 20% antes de o código entrar em vigor (1996) está ilegal e deve recuperar a mata com espécies nativas.
Na prática, na Amazônia, pouca gente respeita a reserva legal, e há pressão constante da bancada ruralista para que o limite seja reduzido para 50%.
Direito adiantado
O que o governo pretende é aprimorar a proposta no Congresso, que altera o Código Florestal. Segundo Capobianco, a idéia é "colocar na legalidade" proprietários que tenham passivo ambiental, sem no entanto abrir mão da reserva de 80% para novos desmatamentos. "Somos favoráveis a um ajuste no código", disse o secretário à Folha. "Não se trata de uma anistia, mas de um adiantamento de direito."
Isso porque, de acordo com o secretário, a lei já tem um mecanismo para reduzir a reserva legal para fins de recuperação. Nas áreas definidas pelo zoneamento ecológico-econômico dos Estados como de intensificação de produção, os produtores seriam obrigados a recuperar apenas 50% da floresta.
Essa medida já vale em partes de Rondônia e do Acre, únicos Estados que já concluíram seus zoneamentos. A nova proposta contemplaria os Estados ainda sem zoneamento.
Funcionaria da seguinte forma: se um produtor, digamos, na região de Carajás, no Pará, tem uma área 100% desmatada, ele seria obrigado a recuperar 50% dela com mata nativa. Os outros 30% -o que faltaria para atingir 80% de reserva e ficar em conformidade com a lei- poderiam ser plantados com eucalipto (para alimentar o pólo siderúrgico local) ou de outras espécies arbóreas. Não seria permitido plantar soja, pasto ou fazer corte raso.
"Propusemos que o proprietário pudesse usar economicamente parte da floresta que seria recuperada, sob condições. Se no futuro essa área fosse classificada pelo zoneamento como de produção intensiva, ele poderia ficar [com 50% recuperados], afirmou Capobianco. "Senão, teria de recuperar. É uma antecipação de legalidade provisória, até a conclusão do zoneamento", disse.
Servidão florestal
Outro mecanismo que deve integrar a proposta é a chamada "servidão florestal". Por ele, proprietários que cumpriram a lei e mantiveram sua reserva de 80% poderiam "vender" até 30% da mata em pé para quem precisasse recuperar uma área desmatada em sua terra. É como se o desmatador estivesse pagando pela preservação feita no terreno do vizinho.
"Assim você não criaria uma situação na qual quem desmatou se dá bem e quem preservou fica com um mico", afirmou Capobianco. Hoje, proprietários particulares só podem receber no mercado de compensação se tiverem terras com mais de 80% da floresta preservada. "Ele não é pago para preservar, mas sim está recebendo por um serviço ambiental", afirmou o secretário.
Capobianco diz, no entanto, que a proposta deve enfrentar problemas para ser aprovada no Congresso. "Parte expressiva dos parlamentares [ruralistas] querem baixar a reserva legal para 50% e ponto."
(Folha de São Paulo, 11/02/2008)