Ao invés de contribuir para a mitigação das mudanças climáticas, o cultivo de grãos para a produção de biocombustíveis resulta na emissão de uma vasta quantidade de dióxido de carbono (CO2) na atmosfera, apontam duas pesquisas publicadas na revista científica Science.
Depois das recentes notícias dos altos índices de desmatamento brasileiro, estas descobertas deixam o governo brasileiro em uma situação ainda mais delicada, já que a produção nacional de biocombustíveis é um dos temas preferidos de Lula nas negociações internacionais.
Uma das análises mostra que derrubar florestas e áreas de vegetação baixa, como o Cerrado brasileiro, para plantar matéria-prima que irá abastecer automóveis gera muito mais carbono do a redução vinda da substituição da gasolina por biocombustíveis.
Ambas as pesquisas observaram quanto de CO2 é lançado quando um pedaço de terra é convertido em plantação de biocombustíveis. Calcular o atual aumento ou diminuição das emissões de carbono tem sido difícil por uma miríade de fatores envolvidos, como o uso de energia para produzir os combustíveis e a variação da quantidade de carbono liberada durante o cultivo. No entanto, a maior fonte até agora é a vinda das mudanças do uso do solo, segundo um dos estudos.
"Estamos correndo para os biocombustíveis e precisamos ser muito cuidadosos. É um pouco assustador pensar que algo bem intencionado pode causar muito dano", disse ao jornal Los Angeles Times um dos autores do estudo, Jason Hill, economista e ecologista da Universidade de Minnesota.
As pesquisas começam a preencher uma lacuna de estudos sob os efeitos dos biocombustíveis, que nos últimos anos tem ganhado um forte apoio do governo brasileiro. A fonte de energia tem sido a bola da vez também nos Estados Unidos e Europa, onde políticas incentivam a substituição dos combustíveis fósseis por alternativas verdes nos transportes.
Plantações de milho, óleo de palma, cana de açúcar e soja têm sido as principais fontes para a produção de biocombustíveis no mundo, pois já crescem em abundância e são relativamente fáceis de converter.
Conversão esta que lança entre 17 a 420 vezes mais carbono que a economia anual promovida pela substituição de combustíveis fósseis, calcula uma das pesquisas. Seriam necessários 137 anos para que os campos de milho dos Estados Unidos dedicados a produção de etanol promovam redução de emissões.
No caso do corte da Amazônia, os cientistas descobriram que levaria 319 anos para que o biodiesel vindo da soja pague o débito. Na Indonésia a situação é ainda pior, sendo necessários 423 anos.
"Fazendeiros no Brasil estão desmatando florestas tropicais para plantar soja", diz o principal autor da pesquisa, Timothy Searchinger, da Escola de Assuntos Internacionais e Públicos Woodrow Wilson, ligada a Universidade de Princeton.
Searchinger afirma que qualquer biocombustível que use terra produtiva irá criar mais gases do efeito estufa que deixá-lo de emitir. O modelo desenvolvido por ele estima que 12,8 milhões de hectares de plantação de milho usados para produzir etanol nos Estados Unidos provocariam o aumento de 10,8 milhões de novas terras para cultivo ao redor do mundo, incluindo 2,8 milhões no Brasil e 2,3 milhões na China e Índia - muito disso anteriormente ocupado por florestas ou cerrado.
"Nós não podemos pagar por ignorar as conseqüências de converter a terra em biocombustíveis. Fazer isso significa que nós podemos, sem intenção, promover combustíveis alternativos que são piores que os fósseis. Estas descobertas devem ser incorporadas na política de emissão de carbono que virá pela frente", disse ontem ao jornal The Independent um membro da Nature Conservancy, Jimmie Powell. Até mesmo converter as atuais plantações de comida para cultivar grãos que produzissem biocombustíveis aumentaria as emissões de gases do efeito estufa (GEE), uma vez que a produção de alimentos é desviada para outra parte do mundo.
"Todo o biocombustível que usamos hoje causa destruição do habitat, direta ou indiretamente. A agricultura global já produz comida para seis bilhões de pessoas. Produzir combustível a base de alimentos também exigirá mais terras para a agricultura", disse o cientista líder de uma das pesquisas, Joe Fargioine, da Ong norte-americana Nature Conservancy. "Nós precisamos de melhores biocombustíveis antes de ter mais biocombustíveis", disse o professor de recursos e energia da Universidade de Berkeley, Alex Farrel.
(Por Paula Scheidt, CarbonoBrasil com informações do The Independent e Los Angeles Times, 08/02/2008)