Nas casas agropecuárias de Rivera, município uruguaio na fronteira com Santana do Livramento, o português dita o ritmo dos negócios. A cidade que oferece vinhos, uísques, eletroeletrônicos e calçados e gastronomia a preços atraentes também oferta defensivos agrícolas, expostos nas calçadas para chamar a atenção de produtores e contrabandistas brasileiros que cruzam a fronteira. Lá, são vendidos legalmente.
Negociantes locais usam táticas diferentes para convencer seus clientes. Nem todos avisam sobre a proibição do transporte para o Brasil. Alguns chegam a mentir (ou esquecem) que há uma cota de compra de US$ 300, como ocorre com os demais produtos. Zero Hora percorreu as casas do ramo no Uruguai e descobriu que, além de vender, há agropecuárias que entregam o material ilegal a domicílio, em qualquer parte do Rio Grande do Sul. Também ensinam os clientes a contrabandear. Na primeira loja consultada, o vendedor alertou sobre o risco de transportar:
- Tem de esconder. Isso dá cadeia. E hoje (efetivos da Polícia Rodoviária Federal) estão atacando bastante.
Perguntado sobre a possibilidade de entregar o agrotóxico na cidade de Santo Ângelo, avisou:
- Nós não levamos. Mas várias agropecuárias entregam onde quiser. Naquela ali do meio da quadra, eles fazem isso. Vão te cobrar mais, mas fazem isso.
Na agropecuária El Amanhecer, na Avenida Sarandi, o vendedor afirmou que entrega os produtos em qualquer parte do Estado, ao ser questionado pelo repórter de Zero Hora, que se identificou como um familiar de agricultores. Ele contou que os defensivos são levados por transportadora e que o produto chega ao destino com nota fiscal como se fosse mel (confira na conversa na página ao lado).
Vendedor oferece serviço para esconder agrotóxico em pneu
Na Baguales, na Rua Paysandú, os frascos de defensivos agrícolas são expostos na calçada. Zero Hora também se identificou como familiar de agricultores interessados no produto nessa loja. O atendente, um brasileiro, disse que entrega o produto na propriedade do cliente em todo o Estado, caso venda grandes quantidades (a partir de mil litros ou quilos). Se for pequena, ele mesmo se encarrega de esconder a mercadoria dentro do carro para evitar transtornos ao comprador.
- Geralmente vai embaixo do estepe. Tem gente que leva embaixo do banco traseiro, nos forros, em qualquer lugar. É uma maneira de ir tranqüilo também.
E ainda oferece o serviço de maquiagem do contrabando:
- Eu tenho uma borracharia. Quando tu vier nós vamos juntos lá. Nós desmanchamos pra ti. Colocamos dentro (do pneu) e montamos de novo. Aí tu vai tranqüilo - conta o homem, que orgulha-se de ter aberto a empresa há quatro meses para vender exclusivamente para brasileiros.
As versões mudaram quando as agropeciárias foram questionadas em entrevista.
Na El Amanhecer, o vendedor Emílio Gonzalez disse que a proprietária e o administrador estavam viajando. Eles não foram localizados pelo telefone celular. Gonzalez, no entanto, negou entrega da mercadoria a domicílio.
- Eu não vou negar que a gente venda para brasileiros. Oitenta por cento dos nossos fregueses são brasileiros, mas a gente vende aqui. Até entregamos em Livramento, mas só chamamos o taxista para ir com a pessoa que compra. A gente deixou de fazer isso porque tivemos denúncias de que nós mesmos estávamos levando para o Brasil.
Na Baguales, o dono da empresa, Daniel Ciorello, também negou enfaticamente a entrega da mercadoria a domicílio.
- Isso é impossível. Nunca se deu essa situação. Nenhum produto nosso foi capturado por que quem faz isso perde. Nosso negócio forte é de produtos de campo.
(ZH, 10/02/2008)