No embalo da retomada da agricultura gaúcha, cresce um crime que aproxima produtores rurais de bandidos: o contrabando de agrotóxicos.
Nos últimos dois anos, a elevação da safra - a de 2006/2007 foi a maior da história - e a queda do valor do dólar em relação ao real provocaram uma busca exponencial por defensivos do Uruguai e do Paraguai, um delito federal que prevê prisão em flagrante. A quantidade de material apreendido no Rio Grande do Sul aumentou expressivamente nesse período - 2,6 vezes na forma sólida e 13 vezes na líquida.
Quem vive da agricultura sabe: produtos vindos ilegalmente de outros países sempre circularam pelo pampa. A cobrança de menos impostos deixa herbicidas, inseticidas, fungicidas e outros insumos bem mais baratos do outro lado da fronteira. Mas a redução da cotação da moeda americana ampliou a diferença de valores entre os produtos nacionais e estrangeiros.
Atualmente, os preços dos defensivos vindos do Uruguai são, no mínimo, 50% menores do que os de agropecuárias brasileiras. Em algumas situações, a diferença é impressionante. Por exemplo: um quilo de Ally, um herbicida usado para arroz e trigo, custa em média R$ 1,5 mil no Brasil. Nas lojas uruguaias, seu genérico é vendido a R$ 95.
O presidente da Federação da Agricultura do Estado, Carlos Sperotto, reconhece que a disparidade no custo do insumo estaria incentivando os agricultores gaúchos a cruzar a fronteira.
- Os preços dos outros países do Mercosul são bem menores do que no Brasil. Infelizmente, é estimulante ao contrabando. Ninguém contrabandeia por esporte. Aqui é muito caro - diz Sperotto, que defende a liberação da importação dos genéricos.
PF admite que contrabando cresceu "assustadoramente"
O Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Defesa Agrícola (Sindag), formado por 45 empresas, diz que três fatores interferem nos valores: o cumprimento integral da legislação nacional para liberação das mercadorias, a carga tributária maior do que nos países do Mercosul e o trabalho das indústrias de custearem o recolhimento das embalagens vazias.
Diante da tentação de melhores preços, produtores driblam a lei e cruzam a fronteira para buscar o veneno. O interesse despertado pelos agricultores também aguçou contrabandistas rurais, que trazem irregularmente os defensivos para quem não pode ou não quer se arriscar. O resultado da corrida rumo à ilegalidade é um crescimento nas prisões, tanto de produtores quanto de quadrilhas especializadas em atender clientes campeiros.
Em Santana do Livramento, na fronteira com Rivera, uma das principais rotas de entrada do contrabando, a Polícia Federal (PF) está surpresa com a quantidade de presos nos últimos dois anos. Os inquéritos por contrabando colocaram a delegacia da cidade em primeiro lugar no Estado nesse tipo de crime entre as 14 sedes da instituição. Os dados são considerados alarmantes. Em 2005, duas pessoas foram presas por contrabando e 555 litros e 5,9 quilos de agrotóxicos apreendidos. No ano passado, subiu para 50 flagrantes, 8,841 mil litros e 4,5 mil quilos.
No Estado, porta de entrada do contrabando para todo o país, o material apreendido também deu um salto. A expansão das quadrilhas rurais fez com que a instituição incluísse o crime entre as suas prioridades nos últimos dois anos. Grandes operações passaram a ser desencadeadas Brasil afora, com tratamento semelhante ao que é dado ao tráfico de drogas. Pelo menos nove organizações com ramificações no Rio Grande do Sul acabaram desbaratadas em 2007.
- Nos surpreendeu. Isso é um sinal preocupante de que o contrabando cresceu assustadoramente na fronteira - admite Luiz Eduardo Navajas Telles Pereira, chefe da delegacia da PF de Santana do Livramento.
(Por MAURO GRAEFF JÚNIOR, ZH, 10/02/2008)