O Ibama (instituto ambiental federal) constatou que 101 animais da fauna silvestre nativa, parte dos quais ameaçada de extinção, desapareceram de um centro de tratamento sob a guarda do governo de São Paulo - e que é gerenciado pela Fundação Zoológico desde 2005. Além disso, outros 72 foram mantidos no local sem registros. A suspeita de alguns fiscais é que a falta de controle de entrada e saída dos bichos encubra um esquema de desvio e de comércio ilegal dos animais.
As irregularidades foram comprovadas após a análise de documentos nos últimos três anos pelo Ibama. Uma multa de R$ 189,5 mil foi aplicada ao zoológico, órgão ligado à gestão José Serra (PSDB), no último dia 31, mas ontem, após contato da Folha, a assessoria do instituto informou que seria suspensa por avaliar que os problemas só ocorreram até 2004.
Entre os bichos que sumiram das dependências do Cemas (Centro de Manejo de Animais Silvestres), localizado no Horto Florestal (zona norte de SP) e para onde são levados exemplares apreendidos com criminosos ou resgatados no Estado, estão quatro espécies ameaçadas de extinção (15 animais). Entre elas, uma é classificada como "criticamente em perigo" (risco extremamente alto) na lista nacional dessa natureza - caso de três cardeais-amarelos desaparecidos. E outras três, como "vulneráveis" (risco alto) - caso de nove pássaros pixoxós, dois gatos-do-mato pequeno e um macaco sauá.
Segundo integrantes do Ibama, conforme a peculiaridade de cada um, eles podem valer dezenas de milhares de reais no mercado ilegal. O Pixoxó, por exemplo, dependendo da raridade de seu canto, pode ser vendido por até R$ 40 mil.
A conclusão sobre as irregularidades envolvendo pelo menos 173 animais, de 22 espécies, levou a fiscalização do Ibama a aplicar a multa à Fundação Zoológico na semana passada, tomando por base a legislação de crimes ambientais. O instituto, porém, recuou e disse ontem que a pena será atribuída a outro órgão - provavelmente à Fundação Florestal, também ligada à Secretaria do Meio Ambiente e que era responsável pela gestão do Cemas até janeiro de 2005.
O Ibama diz que a multa foi um "equívoco" da fiscalização e que a mudança de responsabilização se deve ao fato de as irregularidades terem ocorrido até 2004, antes de a Fundação Zoológico assumir a administração do centro de manejo.
A Folha apurou, no entanto, que ao menos dois fiscais ficaram contrariados, por avaliar que a comprovação dos problemas ocorreu nos últimos três anos, que eles também podem ter ocorrido nesse período e que a fundação assumiu todas as pendências ligadas ao Cemas -o que a direção do instituto e do zôo negam. Além do desaparecimento dos 101 bichos, técnicos do Ibama avaliam que a falta de registro de outros 72 possa estar ligada ao tráfico de animais.
Todo exemplar levado ao Cemas deve obrigatoriamente ser registrado - por exemplo, com a fixação de anilhas nas pernas de um pássaro- e acompanhado de forma personalizada. Sem esse controle, eles podem ser tratados e procriados lá, e eventuais sumiços ou desvios não se tornam oficiais.
O Ibama só afirma oficialmente, entretanto, que, com base nas informações obtidas, não é possível dizer se as irregularidades ocorreram em razão de "má gestão" ou "má-fé".
O promotor do ambiente José Eduardo Ismael Lutti disse ontem que abrirá um inquérito administrativo para investigar os problemas. Mas, ressalvou que não foi avisado até hoje pelo Ibama - e, se os crimes só tiverem ocorrido até 2004, alguns podem ter prescrito após dois anos, como uma eventual prevaricação ou improbidade administrativa de servidores.
A Fundação Zoológico ficou marcada, nesta década, pela morte de 73 bichos envenenados em 2004. Houve a suspeita de envolvimento de funcionários e de traficantes de animais. A Polícia Federal disse que as investigações ainda correm sob segredo de Justiça.
(Folha de São Paulo, Ambiente Brasil, 09/02/2008)