O recorde de aumento do desmatamento da floresta amazônica nos últimos quatro meses nos desafia a buscar respostas e responsabilidades. Depois de quatro anos da festejada queda no desmatamento, amargamos esta notícia dramática. No momento em que isto acontece, o ministro Celso Amorim viaja a Davos, Suíça, ao Foro Econômico Mundial, para encaminhar a proposta de retomada da Rodada de Doha na OMC - Organização Mundial do Comercio - buscando novamente a ampliação do acesso aos mercados para os produtos agrícolas e pecuários que exportamos. Esta prioridade da política externa brasileira tem sido ainda mais reforçada com a tentativa de consolidar o Brasil como um dos principais fornecedores de agroenergia para o mundo, com promessas contundentes e altamente questionáveis de que isto não traria impactos para a Amazônia.
Os meios de comunicação destacaram amplamente as divergências dentro do governo sobre onde deveriam recair as responsabilidades: na agricultura de larga escala, na pecuária, nas madeireiras ou na falta de fiscalização. Sabemos que todos estes motivos estão encadeados. De fato, é sabido que são os madeireiros os primeiros a chegarem, desmatando para deixar o terreno livre aos pecuaristas e os produtores de soja e outros monocultivos, como a cana de açúcar para produção de etanol. Ao mesmo tempo, se insinuou na imprensa a inutilidade das políticas públicas diante das imposições do mercado, o que pode ser entendido como a intenção de se deixar na "produtividade a todo custo" e nas mãos do agronegócio as definições sobre o sentido que tomará o desenvolvimento do país.
A perda de sete mil quilômetros quadrados de floresta no segundo semestre de 2007 não é mais que a mostra visível das conseqüências de um modelo de crescimento ancorado nos monocultivos que busca alcançar recordes exportadores de soja, carne e outros produtos com preços conjunturalmente altos no mercado internacional.
Se olharmos os dados dos estados onde se desmatou, veremos que Mato Grosso, campeão da produção de soja, foi o que mais desmatou (53,7% do total) seguido de Pará (17,8%) e de Rondônia (16%). Evidentemente isto se relaciona com o crescimento preponderante do agronegócio brasileiro, que tem sido realizado com base nos monocultivos em larga escala concentrados em poucas empresas, muitas delas transnacionais, contribuindo para aumentar a já elevada concentração fundiária, voltada para exportação e o ingresso de dólares que permitam evitar as alardeadas crises financeiras. Aliás, crises criadas pelo capital financeiro especulativo, como a que agora se vive nos EUA e que contaminará em maior ou menor grau toda a economia mundial.
Apesar das altas recentes, muito se conhece sobre a tendência de queda dos preços das commodities no longo prazo, e a necessidade de se produzir cada vez mais. O agronegócio segue este caminho ainda que para isto tenha que expandir a área agriculturável, inclusive entrando Amazônia adentro. Será que este é o modelo produtivo que pode levar o país ao desenvolvimento entendido como atendimento das necessidades das maiorias do país, e de estímulo à ampliação do mercado interno? Será que esse caminho é compatível com as metas de mudança de rumos frente ao aquecimento global? Ou será que reconheceremos este equívoco apenas quando a floresta já esteja consumida pelas queimadas?
A Rodada de Doha da OMC justamente está paralisada devido às demandas de acesso ao mercado norte-americano e europeu para as exportações agrícolas dos países do Sul. Tanto os negociadores dos EUA como da União Européia alegam que já avançaram bastante na derrubada de barreiras agrícolas e que agora aguardam em troca um sinal de boa vontade dos países do Sul, especialmente dos chamados emergentes como o Brasil, com uma maior abertura no comércio de serviços e de produtos industriais.
A REBRIP - Rede Brasileira pela Integração dos Povos - questiona esta lógica que tem orientado as negociações de comércio internacional. Denunciamos o modelo agro-exportador de riquezas naturais e de produtos agro-pecuários produzidos em larga escala como fonte perversa do crescimento brasileiro. Defendemos uma postura de proteção para os produtos industrializados nas negociações de NAMA, junto a propostas que impulsionem a ciência e a tecnologia, podem ampliar a produção de bens com valor agregado buscando superar a exportação de produtos primários.
Ao mesmo tempo, programas de defesa e promoção da agricultura familiar e camponesa que permitam garantir a soberania e segurança alimentar da população, somados a escolha de uma matriz energética diversificada voltada às necessidades da população do país e da região - e não orientada a atender o consumo insustentável dos países industrializados do norte - podem se tornar um caminho sólido para a redução dos índices de desmatamento.
Num momento onde o país tem mostrado que o crescimento nacional pode ser alavancado pelo desenvolvimento do mercado interno com distribuição de renda, se faz premente fortalecer políticas públicas que permitam um caminho ambiental e economicamente justo, capaz de promover a inclusão social e melhorar a qualidade de vida da população.
Do mesmo modo, o Brasil tem um papel muito importante a cumprir na América do Sul, onde é chamado a fortalecer uma integração regional que vai tomando o rumo da consolidação das democracias, ao mesmo tempo em que busca superar as históricas desigualdades entre os países da região e no interior dos mesmos.
As notícias sobre o aumento do desmatamento na Amazônia, além de muito preocupantes, podem ser uma oportunidade para a sociedade brasileira debater a fundo os rumos e o sentido do desenvolvimento do nosso país.
(Rebrip *, Adital, 07/02/2008)
* Rede Brasileira pela Integração dos Povos