Quase todos os biocombustíveis usados atualmente provocam mais emissões de gases do efeito estufa do que os combustíveis convencionais se a poluição causada pela produção destes combustíveis "verdes" for levada em consideração, concluíram dois estudos publicados na quinta-feira.
Os benefícios dos biocombustíveis passaram a sofrer crescentes ataques nos últimos meses, à medida que os cientistas passaram a avaliar o custo ambiental global de sua produção. Os novos estudos, publicados pelo prestigiada revista "Science", provavelmente aumentarão a controvérsia.
Estes estudos pela primeira vez analisam de forma abrangente as emissões resultantes da imensa quantidade de terra que está sendo convertida globalmente em apoio ao desenvolvimento dos biocombustíveis. A destruição dos ecossistemas naturais -sejam florestas nos trópicos ou cerrados na América do Sul- aumenta a emissão de gases do efeito estufa na atmosfera, porque estes ecossistemas são a esponja natural do planeta para as emissões de carbono.
"Quando você leva isso em consideração, a maioria dos biocombustíveis que as pessoas estão usando ou planejam usar provavelmente aumentaria substancialmente os gases do efeito estufa", disse Timothy Searchinger, o principal autor de um dos estudos e um pesquisador de meio ambiente e economia da Universidade de Princeton. "Anteriormente, houve um erro de contabilidade: a mudança no uso da terra foi deixada de fora das análises".
Combustíveis baseados em plantas foram originalmente rotulados como melhores do que os combustíveis fósseis porque o carbono emitido quando eram queimados é compensado pelo carbono absorvido quando as plantas crescem. Mas esta equação provou ser simplista, porque o processo de transformação das plantas em combustível causa emissões -no refino e transporte, por exemplo.
O uso das terras torna o balancete mais problemático: o desmatamento do cerrado emite 93 vezes a quantia de gases do efeito estufa que seriam evitadas pelo combustível produzido anualmente naquela terra, disse Joseph Fargione, o principal autor do outro estudo e um cientista da Nature Conservancy. "Assim, pelos próximos 93 anos, você piorará a mudança climática, em um momento em que precisamos reduzir as emissões de carbono."
O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) da ONU disse que o mundo precisa reverter o aumento das emissões dos gases do efeito estufa até 2020 para evitar conseqüências ambientais desastrosas.
Juntos, os dois estudos oferecem conclusões abrangentes: não importa se o desmatamento seja de floresta tropical ou cerrado, apesar do primeiro resultar em mais emissões do que o segundo. Globalmente, a produção de quase todos os biocombustíveis resulta em tal desmatamento, direta ou indiretamente, intencionalmente ou não.
A União Européia e vários governos nacionais recentemente tentaram tratar da questão do uso da terra com propostas de regulamentação, que estipulam que os biocombustíveis importados não podem vir de terras que anteriormente eram florestas tropicais, por exemplo.
Mas mesmo com tais restrições, disse o estudo de Searchinger, a compra de biocombustíveis na Europa e Estados Unidos leva indiretamente à destruição de habitats naturais. Se os preços dos óleos vegetais subirem globalmente, como tem acontecido devido ao aumento do uso de plantações para biocombustíveis, nova terra inevitavelmente será desmatada à medida que agricultores nos países em desenvolvimento trocarem a produção. As culturas dos antigos campos irão para a Europa na forma de biocombustíveis, mas novos campos serão criados para alimentar as pessoas em casa.
Fargione disse que a dedicação de tantas terras nos Estados Unidos para o plantio de milho para bioetanol causou mudanças indiretas no uso de terras longe dali: anteriormente, os produtores rurais americanos faziam um rodízio entre milho e soja em seus campos, em anos alternados. Agora muitos plantam apenas milho, o que significa que a soja precisa ser cultivada em outro lugar. Este outro lugar, disse Fargione, é cada vez mais o Brasil, em terras que anteriormente eram floresta ou cerrado. "Os produtores rurais brasileiros estão plantando um percentual maior de soja do mundo -e estão desmatando a Amazônia para isso", ele disse.
Grupos ambientais internacionais, incluindo a ONU, responderam com cautela aos estudos, dizendo que os biocombustíveis ainda podem ser úteis. "Nós não queremos um repúdio público total que nos impediria de colher benefícios potenciais", disse Nicholas Nuttall, porta-voz do Programa de Meio Ambiente da ONU.
"Houve um esforço infeliz de transformar os biocombustíveis na bala de prata da mudança climática", ele disse. "Nós acreditamos plenamente que para os biocombustíveis fazerem parte da solução e não do problema, há a necessidade urgente de um melhor critério de sustentabilidade." Ele acrescentou que a ONU recentemente criou um painel para estudar as evidências.
A União Européia (UE) ordenou que os países usem 5,75% de biocombustível para transporte até o final de 2008. Nos Estados Unidos, um pacote de energia proposto exigiria que 15% de todos os combustíveis para transporte fossem feitos de biocombustíveis até 2022. Para atingir estas metas, a produção de biocombustíveis é altamente subsidiada em muitos níveis em ambos os continentes. Na quinta-feira, a Syngenta, um grande conglomerado agrícola global com sede na Suíça que está envolvido na produção de biocombustíveis, relatou que seu lucro anual aumentou em 75% no ano passado.
O Comitê Europeu de Biodiesel, a maior entidade setorial, disse não ter visto os estudos e não podia comentar imediatamente. Mas em declarações recentes sobre o uso de terras, ele disse que o biodiesel reduz os gases do efeito estufa em "50% a 95%" em comparação ao combustível convencional, além de ter outras vantagens, como fornecer nova renda aos produtores rurais e segurança de energia para a Europa diante do aumento global dos preços do petróleo e encolhimento da oferta.
Grande parte do biocombustível vendido na Europa é biodiesel feito a partir de óleos vegetais. Grande parte do biocombustível nos Estados Unidos é etanol feito de milho. "As pessoas que tomam decisões na UE não podem ignorar que o mercado de combustíveis da UE" está experimentando "um déficit de diesel -e mais e mais a UE depende da Rússia para importação de diesel convencional", disse o grupo.
O grupo tem promovido um programa de certificação de sustentabilidade para os biocombustíveis, assim como critérios para avaliar o desempenho desses combustíveis em gases do efeito estufa, com ajuda da indústria.
Mas os novos estudos sugerem que quando o uso da terra é levado em consideração, poucos biocombustíveis, se é que alguns, serão aceitáveis. "Este problema do uso da terra não é apenas um efeito secundário", disse Searchinger. "Ele é grande. A comparação com os combustíveis fósseis será adversa para virtualmente todos os biocombustíveis a partir de produtos agrícolas."
A única possível exceção que ele conseguia ver por ora, ele disse, era a cana-de-açúcar cultivada no Brasil, que usa relativamente pouca energia para ser cultivada e é facilmente refinada em combustível. Ele acrescentou que os governos devem voltar rapidamente sua atenção para o desenvolvimento de biocombustíveis que não exijam o cultivo de plantações, como aqueles feitos a partir de refugos agrícolas.
O debate sobre o uso da terra teve início na Holanda em 2006, quando pesquisadores da Wetlands International e outros lugares apontaram que o óleo de palma importado, usado para gerar eletricidade "limpa", costumava vir de plantações de palmas no Sudeste Asiático em antigas terras pantanosas. O governo holandês decidiu cancelar o subsídio ao óleo de palma e proibiu a importação do combustível, enquanto espera pelo desenvolvimento de um melhor critério para apoiar os biocombustíveis sustentáveis. Mesmo a Wetlands não apóia a proibição total de biocombustíveis, notando que alguns podem ser de ajuda.
Alex Kaat, um porta-voz do grupo, disse: "Se a intenção das diretrizes era reduzir as emissões dos gases do efeito estufa, nós descobrimos que a maioria dos biocombustíveis realmente não é melhor do que os combustíveis convencionais para isso".
(Por Elisabeth Rosenthal, International Herald Tribune, tradução de George El Khouri Andolfato, UOL, 08/02/2008)