O conflito entre os governos da Austrália e do Japão envolvendo a caça à baleia na Antártida ganhou ontem contornos de crise diplomática. A Austrália divulgou fotos de baleeiros japoneses arpoando baleias minke e arrastando suas carcaças para dentro de um navio, chamando a atividade de matança "indiscriminada".
O Japão negou que uma das imagens mostrasse uma mãe e um filhote abatidos e acusou o governo australiano de fazer ativismo sobre o tema, o que poderia prejudicar as relações entre os dois países. As fotos divulgadas ontem foram mais uma etapa da campanha do novo governo australiano pelo fim da caça anual à baleia praticada pelo Japão no oceano Austral.
Elas foram feitas a bordo do Oceanic Viking, um navio da Alfândega australiana enviado às águas da Antártida para espionar a frota baleeira japonesa e coletar evidências para basear uma ação legal que Canberra quer mover contra Tóquio. O objetivo da ação é mostrar que os japoneses praticam caça comercial na Antártida -e não científica, como eles alegam-, o que viola um tratado internacional que declara o oceano Austral santuário para baleias.
Por trás da ação há uma dupla estratégia diplomática australiana: primeiro, o país fatura com turismo de observação de baleias e é um dos líderes do bloco de nações conservacionistas (integrado também pelo Brasil) que quer banir para sempre, no âmbito da Comissão Internacional da Baleia, a caça comercial (suspensa desde 1986 por uma moratória).
Depois, a Austrália considera a Antártida o seu quintal. Chegou a incluir parte do oceano Austral em sua zona econômica exclusiva, numa contradição com um tratado internacional segundo o qual o continente antártico é território internacional, só podendo ser explorado para pesquisa e turismo.
"Enganação"
"Fica explícito nessas imagens que isto é uma matança indiscriminada de baleias, quando você tem uma mãe e seu filhote mortos desse jeito", disse o ministro do Ambiente da Austrália, Peter Garrett. "Dizer que isso é científico é continuar a enganação que contorna esse tema desde o primeiro dia", afirmou Garrett, ambientalista que fez fama nos anos 1980 como líder da banda de rock "ecológico" Midnight Oil.
A "enganação" à qual Garrett se referiu é o fato de que o Japão burla a moratória à caça comercial afirmando que mata centenas de baleias todos os anos para fazer pesquisa científica. Na prática, a carne abastece o mercado consumidor japonês, já que carne de baleia é uma comida tradicional.
As imagens divulgadas pelo governo australiano incluem um filme de um arpão sendo disparado na direção de uma baleia, que se debate ao ser arrastada na direção do navio. O animal enfim pára de se mover e jaz imóvel na água tingida de sangue, com o arpão perfurando seu corpo. Uma fotografia mostra duas baleias -uma bem maior que a outra- sendo arrastadas por cabos para o interior de um navio do ICR (Instituto de Pesquisa de Cetáceos).
Hideki Moronuki, chefe do departamento baleeiro da agência japonesa da Pesca, negou que a foto mostrasse uma baleia-bebê. "A frota pratica amostragem aleatória, o que significa que eles pegam baleias grandes e pequenas. Isso não é uma mãe e um filhote."
O ICR postou em sua página na internet uma nota oficial cujo título é: "As fotos da Alfândega australiana enganam o público". Segundo a nota, assinada pelo diretor do órgão, Minoru Morimoto, as fotos "criaram uma propaganda emocional perigosa que poderia causar sérios danos ao relacionamento entre nossos países".
O Japão planejava caçar neste ano 50 baleias jubarte, uma espécie em perigo, mas desistiu devido à condenação internacional ao plano. A quota de abate desta temporada ficou restrita a 935 baleias minke e 50 baleias fin.
(Folha de São Paulo, 08/02/2008)