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patagônia
2008-02-07

Com uma frente de cinco quilômetros de largura e até 70 metros de altura, a geleira Perito Moreno se desloca majestosamente pelo Lago Argentino, alheia à ameaça ambiental que se gesta em seu entorno pelo precipitado crescimento do centro turístico onde se alojam milhares de visitantes. Perito Moreno é a mais atraente das 365 massas de gelo do Parque Nacional Los Glaciares, no sudoeste da província de Santa Cruz, na Patagônia argentina. Nos últimos sete anos, a quantidade de turistas de todo o mundo que a visitaram a cada ano passou de cinco mil para mais de 500 mil, segundo informações do parque. As passarelas que permitem aos visitantes assistir a queda dos blocos de gelo ao se chocar contra uma península são cada vez mais imponentes. Dos 1.400 metros construídos inicialmente está sendo ampliada para 4.300 metros, e há mais circuitos e mais largas para que ninguém fique sem ver.

A apenas 80 quilômetros desse incrível espetáculo, se levanta El Calafate, uma localidade que tinha apenas quatro mil habitantes há apenas uma década e que hoje supera os 20 mil, sem contar os turistas que se alojam divididos entre sua quase centena de hotéis e cabanas de diversas categorias. Localizada a cerca de três mil quilômetros a sudoeste de Buenos Aires, El Calafate, além de porta de entrada para Perito Moreno, é o centro turístico do país que maior crescimento teve nos últimos anos. Segundo autoridades municipais, a cada ano se estabelecem ali aproximadamente 2.700 novos moradores, atraídos pelas oportunidades de emprego na construção e no turismo.

Sem negar méritos aos seus encantos, o fenômeno se potenciou durante a administração do presidente Néstor Kirchner (2003-2007), que nasceu na província de Santa Cruz, foi seu governador em três períodos e tem uma casa de férias em El Calafate junto com sua mulher, a atual presidente, Cristina Fernández. Os Kirchner se fotografaram junto a diversas personalidades do mundo político tendo como cenário a geleira, e de acordo com a recente declaração de bens apresentada por Cristina ao assumir o cargo em dezembro, agora são investidores em um complexo turístico localizado em El Calafate.

Mas os ambientalistas estão preocupados com este tremendo desenvolvimento, que já começou a provocar a contaminação do lago que abriga a enorme geleira. “O turista que chega até aqui é uma pessoa com alto nível educacional que vem observar a natureza, os pássaros e desfrutar das caminhadas e paisagens”, disse à IPS Liliana Frias, licenciada em Ecologia da Associação Civil Calafate Natural. “Agora, com a desculpa de ampliar o leque de visitantes, busca-se atrair um novo perfil de turistas de alto poder aquisitivo”, alertou. Para isso são construídos caros hotéis e cassinos que estão mudando a fisionomia do lugar e deixando a infra-estrutura de serviços à beira do colapso.

Muitos dos hotéis estão construídos em áreas de mananciais e suas redes de esgoto são lançadas sem o devido tratamento na Bahía Redonda, no Lago Argentino, onde técnicos da Associação Calafate Natural detectaram a presença de bactérias provenientes de matéria fecal. “Temos uma unidade de tratamento que já foi infinitamente superada pela demanda e prometeram construir outra em dois anos, mas seria preciso apressar a realização de pequenos módulos para o tratamento desses resíduos”, disse Frias. Por sua vez, a Fundação Protegr apoiou a idéia de lançar este ano uma campanha em defesa da Bahia Redonda no Dia Mundial dos Mangues, celebrado no sábado.

Fríes expressou sua preocupação por um plano do município para construir um açude nivelador que mantenha parelha a elevação da água na baía todo o ano, independente das cheias e vazantes provocadas pelo derretimento dos gelos que caem. Dessa forma, as autoridades projetam contar com um espelho de água que se manteria constante e permitiria desenvolver no local atividades náuticas e outras de recreação. Também se protegeria a zona residencial de eventuais cheias abruptas do lago nessas costas, argumentam as autoridades.

Atualmente, no inverno a água da Bahía Redonda congela e permite que os moradores e turistas patinem sobre o gelo. Já no verão, com temperaturas máximas entre 18 e 20 graus e ventos fortes, há menos opções para o turista. Mas os ambientalistas, que não conseguem há anos uma resposta aos seus pedidos de informação, afirmam que a obra pode ter um impacto muito negativo. Em primeiro lugar, porque concentraria a matéria orgânica que hoje é lançada no lago nas margens de El Calafate.

Mas, sobretudo, o que os preocupa é que com a alteração do ritmo de crescimento e vazante da água, se impedirá que milhares de aves façam seus ninhos e se reproduzam no mangue que se forma nas margens da baia no período de vazante. “Os benefícios e serviços que fornecem os mangues tanto aos ecossistemas quanto às comunidades deve ser um tema central da campanha deste ano”, afirmaram membros da Fundação Proteger, com sede na província de Santa Fé, no litoral argentino. O lema da campanha este ano será “Mangues sãos, gente sã”.

(Por Marcela Valente, IPS, Envolverde, 06/02/2008)


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