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crise da água privatização da água commodities ambientais
2008-02-07
Experimente atravessar o deserto sem um beduíno. Provavelmente após algumas horas de peregrinações, com o sol fervendo nas idéias verás, a cena antológica de "roliúdi", um oásis com lindas palmeiras, um mulherão de biquíni, um carro Mercedes estacionado ao lado de um poço artesiano borbulhante, alguns amigos com copos de uísques, bebericando com o tal Camelo bonitão da propaganda de cigarros.

Sinto, porém, informar-lhe que trata-se de uma mera ilusão de ótica, fenômeno muito comum devido aos fortes reflexos de luz e ao efeito-espelho da corrente dos ventos desérticos. Mas você, a esta altura, estará pagando uma fortuna por uma gotícula de água. E dane-se o mulherão, o uísque, o cigarro e principalmente os "amigos", que nessas horas você começa a questionar se são de fato seus amigos.

Diz a lenda oral dos povos nômades do deserto que se conhecem os verdadeiros amigos diante de um poço de água no meio do nada. Muitos sabres cortaram a cabeça dos traidores de Allá que tentaram tomar a água que a Deus pertence. A lenda conta também que aquele que contaminar, poluir, roubar o sêmen sagrado do Senhor será condenado a doenças horríveis, conhecerá a cólera, os males, sofrerá bárbaras torturas e será vitimado pelas traições dos seus pseudo-amigos e familiares.

O Ecossistema desértico ensinou ao povo nômade o poder de cura pela água da vida, a água que é produzida pelo nosso próprio organismo, a urina, tanto a nossa e como a dos camelos. No deserto, você aprende a beber a sua água da vida, bem como aquela de quem realmente será ali seu melhor amigo, o camelo.

A água da vida também serve para proteger-nos de doenças maquiavélicas e indomáveis como a malária. Muitas freiras missionárias adotaram a "urinoterapia" contra esta infeção mortal.

Para os povos nômades, os poços de água são presentes divinos: são protegidos pelos escorpiões, pelas serpentes e por aves com enormes asas bordadas com ouro puro.

Cada ponto de água constitui uma rota de comercialização das mercadorias que estes povos levam de um lado para outro há milênios. Fazem parte, inclusive, de uma espécie de ritual de negócios, de encontro de tribos e de casamentos entre jovens prometidos.

O Fórum Mundial das Águas (de 16 a 21 de março-2000, realizado em Haia) debateu exaustivamente a questão da titularidade da água sob vários aspectos- o místico, sob a ótica dos direitos humanos, filosóficos, até o que gerou maior polêmica, o aspecto mercadológico- ou seja, o da comercializaçã o da água dando-lhe um tratamento igualitário a qualquer mercadoria negociada nos pregões das Bolsas de Valores e de Mercadorias. A água seria então, classificada como "commodity" - mercadoria padronizada para compra e venda, tendo seu preço determinado pelo livre mercado.

O sêmen de Allá, a água porém, é uma oferenda que não pode ser desprezada, nem controlada por alguém que queira fazer monopólio desta riqueza. Mas nunca na história dos desertos a água deixou de fazer parte da vida comercial, parte de tudo que nasce e circula no mundo dos mercadores. É com água que se brindam os grandes negócios, curam-se as chagas e honram-se os fiéis. No Ocidente, brinda-se com o sangue de Allá, o vinho, e o bom vinho só pode ser produzido com boa água. No Oriente, as melhores e mais caras propriedades sempre foram aquelas que estavam próximas aos rios, córregos ou os poucos poços artesianos que existem. O Ocidente estabeleceu seu crescimento econômico, suas cidades em torno da água doce.

É difícil acreditar que, com a conivência de governantes latinos, essas regiões estejam sendo colocadas em segundo plano, o que se vê pela multiplicação de loteamentos de beira de rios, pela alocação da miséria, que se mistura com o esgoto, e pelo empobrecimento de um "ativo" que representa riqueza em todo o mundo Oriental. Infelizmente, ao contrário dos valores dos povos nômades, a água é o principal instrumento econômico, presente em acordos de guerra, tão potencial e voraz quanto o petróleo.

O Brasil, país estratégico para negociações com a Alca e o Mercosul, sem contar com os fatores de ordem cultural que o colocam à frente de diversas nações em razão da miscigenação e do pluralismo religioso, não pode ficar a mercê de um tratado internacional sobre a "commoditização" da água, simplesmente ignorando o poder econômico dos que migram em escala crescente para países que possam abastecer os órfãos de guerra com água e alimentos.

Existem hoje 50 milhões de refugiados em êxodo de guerra. A ONU atendeu a 27 milhões, mas ainda assim não pode resolver o problema: no máximo, pode entregar alguns pacotes de comida e tentar providenciar asilo em algum país mais misericordioso. Para cada 115 pessoas no mundo, uma é vítima das guerras.

Como pode a África, um dos maiores produtores de ouro e diamantes do mundo, ter o maior índice de pobreza, juntamente com outros países como a Índia? Alguém dirá, é a África do sul a rica e não a África do norte. Na nossa contabilidade, África é África. Uma mão deveria lavar a outra.

Poderíamos discorrer por horas sobre o "trading" (compra e venda de mercadorias) internacional com países em guerra, que impõem a troca de água e alimentos desde que adquiridos conjuntamente, num pacote fechado que inclui armas, através de "side letters" (cartas de gaveta) assinados em reuniões realizadas a bordo de jatinhos. Quando então tanques de guerras e tecnologia militar de ponta são precificados por contêineres de água.

Seria pura ingenuidade ressaltar aqui a falácia apenas de que bens pertencentes à sociedade -como a água- não deveriam ser comercializados ou dizer que o mercado deve ser "domado" por princípios éticos e valores morais. É necessária sim, a compreensão de que este bem, o sêmen de Allá, pertence a Deus , e que neste momento o debate sobre a "propriedade" da água é de suma importância para que, a partir dele, possamos de fato reconstruir nossas cidades, replanejar a economia pela sustentabilidade, dividindo eqüitativamente o bem natural que representa esta "commodity".

Mas tratar a água simplesmente como uma "commodity", como qualquer outro ativo comercializado nas Bolsas de Valores e de Mercadorias, é literalmente entregar o "ouro azul" para o bandido, ou melhor, permitir que os outros "de fora" determinem a política de comercialização dessa moeda potencialmente brasileira -"commodities ambientais"- (água, energia, minério, biodiversidade, madeira, reciclagem e controle de emissão de poluentes).

Nenhum "ativo", cuja propriedade é da sociedade , ou seja, dos cidadãos, e cuja função é otimizar o usufruto aos demais cidadãos do planeta pode ter um tratamento meramente financeiro. Transformar água em papel é fácil, qualquer "yuppy" recém formado pode fazê-lo. Quero, porém, ver fazer disto uma "commodity ambiental"! Detalhe: o tratamento financeiro para commodities em países onde a taxa de juros é estável é bem diferente daquele de países com juros altos -como é o caso brasileiro-, nos quais toda iniciativa produtiva é inviabilizada pela especulação financeira.

Esse é o temor das ONGs internacionais e nacionais, intelectuais e cientistas, e acrescento também os economistas e advogados, promotores e juízes, enfim, gente séria que pensa sério sobre o que é patrimônio nacional, propriedade privada, o que é o Estado de Direito.

Devemos lidar com a água com o devido respeito. A água pode ser tratada como uma "commodity ambiental", ou seja, mercadoria originada de recursos naturais em condições sustentáveis, somente se as variáveis sociais -nível de educação, distribuição de renda, saúde, empregabilidade- dos cidadãos forem levadas em consideração e se houver a participação da sociedade na manutenção, destinação, administração e principalmente na comercialização, de acordo com leis claramente estabelecidas. Isso preservaria a soberania nacional dos povos e também contribuiria para erradicar a fome e a miséria em nível global, com respeito às leis naturais.

A expressão "commodity ambiental" não nasceu do acaso para privilegiar o marketing financeiro ou dar aval para novos negócios virtuais nos mercados de futuros e de capitais. Nem para captar dinheiro no mercado internacional a taxas baixíssimas e a fundo perdido com o objetivo de repassá-las às taxas de mercado interno. Muito menos é herança do colonialismo econômico financeiro internacional. É fruto da criatividade brasileira, do debate que está por envolver a população através de suas entidades representativas. Somente assim será possível o desenvolvimento econômico integrado, por meio de um longo, participativo e permanente debate sobre os "Direitos Humanos frente ao Meio Ambiente versus Meio Ambiente frente ao Mercado Financeiro".

A expressão, o movimento mercadológico que naturalmente constitui o fomento das "commodities ambientias" nasceu para lavar, depurar e estimular atividades produtivas, fazer o que os mercados financeiros deveriam ter feito e nunca fizeram: financiar a produção agrícola, industrial e social, respeitando o meio ambiente e promovendo a democratização do capital.

Pouco importa se o nome disto é socialismo, comunismo, capitalismo. O que interessa é provar que a existência das "commodities ambientais" e sua viabilidade econômica é tão cristalina quanto a fonte mais pura dos mananciais.

Esta é uma estratégia de luta pelo desenvolvimento limpo de um novo mercado financeiro. É a guerra "biofinanceira" pela sobrevivência do ser humano e do planeta. Só não enxerga quem não quer ver!

Referências:
Revista Eco-21, Ano XI, nº 57 . Rio de Janeiro (RJ). Agosto 2001 – http://www.eco21.com.br/

A Mais Pura Fonte dos Mananciais - de Amyra El Khalili - Organizador Antonio Carlos Teixeira. Editora Virtual BECE-
REBIA (no prelo)

Por Amyra El Khalili*, Revista Eco-21 / Texto retirado da Rede Brasileira de Informaçao Ambiental, 04/02/2008)
(*) Amyra El Khalili* é economista, presidente do Projeto BECE (sigla em inglês) Bolsa Brasileira de Commodities Ambientais. É também fundadora e co-editora da Rede Internacional BECE-REBIA (www.bece.org.br), membro do Conselho Gestor da REBIA - Rede Brasileira de Informação Ambiental, do Conselho Editorial do Portal do Meio Ambiente (www.portaldomeioam biente.org.br) e da Revista do Meio Ambiente (www.rebia.org.br). É professora de pós graduação com a disciplina "Economia Sócioambiental" na Faculdade de Direito de Campos de Goytacazes, pela OSCIP Prima Sustentabilidade, MBA pela UNOESC. Indicada para o "Prêmio 1000 Mulheres para o Nobel da Paz" e para o Prêmio Bertha Lutz.
email: (bece@bece.org. br)

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