Amostras de água e moluscos bivalves de regiões portuárias da costa brasileira, recolhidas em pesquisa do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP, apresentam contaminação por espécies de salmonelas que provocam infecções em seres humanos, como diarréia e dores abdominais. O trabalho da biomédica Solange Lessa, descrito em tese de doutorado no ICB, mostra que a circulação das marés e o uso da água do mar como lastro de navios pode levar os microorganismos para regiões mais afastadas dos portos.
A coleta de amostras foi feita nos portos de Belém (PA), Fortaleza (CE), Recife (PE), Itaguaí (RJ), Santos (SP), Paranaguá (SP) e Rio Grande (RS). Durante um ano, a água do mar foi recolhida em seis pontos distintos de cada área portuária. Para identificar os tipos de salmonelas nas amostras, a pesquisadora desenvolveu uma técnica de detecção rápida que utiliza seqüências genéticas homólogas aos principais sorogrupos patogênicos deste gênero bacteriano.
A biomédica isolou 214 amostras (cepas) de salmonelas na água e nos moluscos, verificando que 93,6% pertenciam aos sorogrupos A/D1, B e C2C3, os mais associados a infecções humanas. “São conhecidos mais de 2.500 sorotipos de Salmonella, sendo 1.478 apenas na subespécie I, que concentra os grupos patogênicos para animais de sangue quente”, diz. “O tempo de identificação dos principais sorogrupos foi reduzido de dois meses, em média, para quatro horas”.
A origem mais provável dos microorganismos são redes de esgoto clandestinas que deságuam nas regiões portuárias. “Os esgotos seriam contaminados por efluentes vindos da atividade antrópica no entorno dessas regiões, principalmente pela presença de possíveis criadouros animais”, ressalta Solange. “O controle microbiológico da água nos portos não é feito como nas praias, onde há maior contato da população, pois a água é utilizada somente para navegação”.
Lastro
Em Paranaguá, Santos e Recife, há maior risco de ocorrer o transporte das salmonelas por meio da água de lastro dos navios. “As embarcações ancoradas captam água nos portos de origem para se equilibrarem e iniciarem sua movimentação”, explica a pesquisadora. “Uma área com pouca presença de microorganismos, como a do porto de Itaguaí, pode ser contaminada pela água trazida no porão dos navios”.
A coleta de moluscos bivalves (ostras, mexilhões, mariscos, entre outros) envolveu espécies localizadas em bancos afastados da área portuária e comumente consumidas in natura pela população local. “Em Santos e Recife foi identificada contaminação por salmonelas, apesar dos moluscos estarem em áreas mais abrigadas”, conta Solange. A circulação das marés teria levado os microorganismos. “Nessas regiões, os moluscos também são comercializados pela população local, aumentado os riscos de contaminação”.
O estudo com as salmonelas começou a partir de uma pesquisa sobre a microbiota marinha existente nas áreas portuárias, realizada em 2002 e 2003. “Na ocasião, foi identificado um índice elevado de coliformes termotolerantes”, relata a biomédica. “Sempre que são encontrados esses tipos de coliformes, a legislação obriga que sejam feitas novas pesquisas para identificar a presença de microorganismos patogênicos”.
Solange defende um maior controle microbiológico da água do mar em regiões portuárias. “A pesquisa serve como um alerta para os órgãos de vigilância sanitária e epidemiológica”, afirma. “As marés podem levar os microorganismos para as praias e bancos naturais de proliferação, e a simples ingestão da água já traria riscos para os banhistas”.
Mais informações: (0XX11) 9261-9264, e-mail lessasol@usp.br, com Solange Lessa. Pesquisa orientada pela professora Irma Nelly Gutierrez Rivera
(Por Júlio Bernardes, Agência USP, 01/02/2008)