Os cortes grandes no fornecimento de energia elétrica numa faixa larga do centro-sul da China, depois de nevascas invernais terem interrompido as entregas de carvão, expuseram a fragilidade das malhas de transporte na economia que apresenta o crescimento mais acelerado o mundo.
A neve e o gelo provocaram o caos em centros de transportes no momento em que até 200 milhões de trabalhadores migrantes e outras pessoas visitam suas famílias para a festa do Ano Novo lunar, na próxima semana. Além disso, dificultaram o tráfego de carregamentos de carvão nas artérias ferroviárias que alimentam as usinas elétricas do sudeste, o coração industrial da China e região de alta densidade demográfica.
Num sinal da preocupação do Partido Comunista com o ressentimento popular no momento em que se aproxima o feriado mais importante do país, altas autoridades, incluindo o primeiro-ministro Wen Jiabao, vêm visitando estações ferroviárias para assegurar aos passageiros frustrados que as autoridades estão trabalhando para solucionar os atrasos.
A mídia estatal informou que as multidões enormes que aguardam em algumas estações ferroviárias, sob temperaturas abaixo de zero, começaram a diminuir ontem, na medida em que a saída de trens para as Províncias centrais e do interior foi aumentando.
Mas a previsão é que os cortes na eletricidade continuem. Nas últimas semanas, o fornecimento sofreu interrupções em 17 Províncias, mais ou menos a metade do país. "Os problemas atuais relacionados ao mau tempo têm consequências importantes para o setor manufatureiro, logo, para a economia. Isso, sem falar na presença de grande número de pessoas insatisfeitas", disse Victor Shum, analista da consultoria Purvin & Getz, de Cingapura. "A questão do transporte e da distribuição de energia na China é muito séria."
De acordo com estatísticas do governo, a China extraiu cerca de 2,3 bilhões de toneladas métricas de carvão no ano passado, e a queima desse combustível fornece mais de 80% da eletricidade do país.
Nevascas e energia
Apesar dos riscos à saúde criados pela poluição atmosférica, a maioria dos analistas prevê que o consumo de carvão na China aumente por décadas ainda, se o crescimento econômico se mantiver acelerado. A maior parte do carvão é extraído nas Províncias ocidentais de Shaanxi e Shanxi e na região noroeste da Mongólia Interior. Mas muitos dos consumidores do carvão se aglomeram nas Províncias industrializadas do sudeste e centro do país, de modo que o produto precisa ser transportado pelo imenso mas sobrecarregado sistema ferroviário chinês.
Mais de 40% da capacidade do sistema ferroviário é dedicada ao transporte do carvão, e as autoridades vêm investindo em novas linhas e instalações de carga. Mas a China vem sofrendo cortes de eletricidade em centros industriais há mais de cinco anos, em função da demanda superior à oferta. O problema se agravou quando, nos últimos 15 dias, as nevascas fortes cortaram o suprimento energético às redes ferroviárias da China central que transportam a maior parte do carvão às usinas elétricas.
Embora o mau tempo tenha prejudicado o fornecimento de carvão, alguns analistas dizem que as políticas governamentais contribuíram para os cortes no fornecimento elétrico. Para conter a inflação em alta, as autoridades impuseram tetos às tarifas energéticas, num momento em que o preço do carvão vem subindo.
Analistas dizem que, sem o incentivo do lucro desejado, as companhias elétricas vêm hesitando em aumentar sua produção. "Se não houvesse ocorrido esse desentendimento, as companhias energéticas, especialmente em Guangdong, poderiam ter feito um esforço maior para importar carvão", disse o analista em Cingapura.
(Folha de São Paulo, 01/02/2008)