No dia 24 de setembro de 2007, um homem de bigode e óculos de arame fino subiu a um pódio preto em Nova York. Mais de 70 chefes de Estado estavam na platéia da câmara da Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas. Falando tranqüilamente em perfeito inglês, Vaclav Klaus, presidente da pequena República Tcheca, recebia a oportunidade de contar aos dignitários reunidos o que pensava sobre o atual estado do mundo. De acordo com Klaus, o efeito dos gases estufa é inexistente, nosso clima muda a cada 200 anos, somos impotentes para fazer algo sobre isso e certamente não podemos deter a mudança climática. Deve ter sido um dos pontos altos da vida desse político de Praga.
Quase não houve aplausos no fim de seu discurso de 15 minutos, mas Klaus não precisava de palmas. Ele havia dito o que pensava dos ambientalistas, dos burocratas e de boas pessoas como Al Gore. Klaus logo menciona que após seu discurso na ONU muitos chefes de Estado vieram até ele, deram tapinhas em suas costas e congratularam-no silenciosamente. Ele está convencido que foi o único pensador a ter ousado desafiar um mundo de correção política. Mas é sempre o assim com Klaus: só ele está certo, só ele é corajoso e todos os outros são covardes ou pouco brilhantes.
"Ele se vê como um gênio não reconhecido", escreveram os informantes do governo em seu arquivo no antigo regime comunista da Tchecoslováquia. Essa avaliação continua verdadeira até hoje, e ainda assim não o impediu de embarcar em uma carreira brilhante. Antes de ser eleito para o mais alto cargo do país, a presidência, Klaus foi ministro do gabinete, primeiro-ministro e presidente do parlamento. Agora, tem boas chances de ser eleito para um segundo mandato, e poderá olhar para seus 10 milhões de cidadãos das alturas do Castelo de Praga.
A fortaleza elaborada fica no alto da seção antiga da capital tcheca de Praga, em um recorte rochoso chamado Hradcany, ou Morro do Castelo. Ali reinava o imperador Charles IV no final da Idade Média. O romancista Franz Kafka escreveu seu romance "O Castelo" em sua sombra. Gerações de arquitetos e construtores deixaram sua marca na estrutura, uma combinação de muros góticos, colunas romanescas e paredes espelhadas barrocas. O atual mestre do castelo tem tantas facetas quanto a impressionante construção. Ele pode parecer arrogante, com seus lábios finos e seus ternos feitos sob medida, voz mansa e perfeito comando da etiqueta -e parecer afável e modesto no momento seguinte.
Ele se chocou com os líderes comunistas, mas também brigou com os dissidentes que apoiaram o primeiro presidente do país depois da queda da União Soviética, Vaclav Havel. Apesar de ser casado com uma eslovaca, ele se envolveu na partição da Tchecoslováquia em 1993. Professor de economia, Klaus é um estudo de contradições, intelectual e populista, tático hábil movido por ideologia.
Klaus é marginal entre os políticos do mundo e não apenas por sua posição na questão climática. Ele vitupera contra a União Européia, à qual seu país associou-se há cinco anos, chamando-a de monstruosidade autoritária e burocrática. Ele considera Vaclav Havel, seu predecessor e autor e ativista político reverenciado em torno do mundo, um moralista politicamente disléxico, meio esquerdista. Ainda assim, se o presidente tcheco fosse eleito pelo povo, Klaus, de 66 anos, poderia muito bem conseguir um segundo mandato. Mas, sob a constituição do país, a Câmara dos Deputados e o Senado nomearão em conjunto o presidente no dia 8 de fevereiro. "Ele vencerá. É um talento político excepcional", diz Jan Strasky, membro do Partido Democrata Cívico que conhece Klaus há 40 anos.
Klaus lançou a tradução alemã de seu mais recente livro, "Blue Planet in Green Chains" em Berlin em dezembro. É uma cruzada contra a posição ecológica atual. "A atitude dos ambientalistas em relação à natureza é similar à abordagem marxista das leis de economia, porque eles procuram substituir o desenvolvimento natural com um desenvolvimento centralizado, supostamente ótimo, planejado globalmente."
Os ambientalistas são atualmente seus principais rivais. Mas além de enfrentar os perigos de uma ditadura de ambientalistas, Klaus vê o mundo, e especialmente sua relativamente tranqüila República Tcheca, ameaçados por uma série de "ismos", inclusive o "social-democratismo", o "direitoshumanismo", o "feminismo", o "multiculturalismo" e muitos outros, de acordo com Klaus. O que todos esses "ismos" têm em comum é que elevam a dogmas metas como justiça social, direitos iguais para mulheres e integração européia, colocando-os acima da liberdade individual -como sempre fez o comunismo com suas doutrinas.
Seu antigo camarada, o gerente de investimento Ivan Pilip, tenta explicar a contradição entre a fama de fanático de Klaus e sua popularidade como presidente. "Klaus é um ideólogo liberal, mas ele está antes de tudo interessado em poder", diz Pilip. "Ele domina uma forma elegante de populismo. Ele expressa opiniões espetaculares da minoria, que chamam a atenção das pessoas. Mas ele nunca leva (essa posição) longe o suficiente para se isolar completamente."
De fato, o grande talento político do presidente tcheco parece estar na habilidade de manobrar o terreno estreito da contrariedade sem escorregar no abismo do sectarismo. Tome a UE, por exemplo. Apesar de criticar a aliança por sua inflexibilidade burocrática, ele evitou tomar o lado dos oponentes duros da UE. Esse equilíbrio permitiu que tirasse vantagem de muitos questionamentos tchecos sobre a gigantesca burocracia, mas sem frustrar as altas expectativas de prosperidade que muitos de seus cidadãos ainda assim associaram com a entrada no bloco.
Se há um homem que considera a contrariedade constante do presidente especialmente ofensiva, é seu predecessor em Hradcany, Vaclav Havel. A única coisa que os dois têm em comum é sua profunda aversão um ao outro. Para Klaus, que é pragmático e movido por poder, os dissidentes, seu rigor moral e especialmente o conflito hamletiano de Havel com o poder sempre foram suspeitos.
Até hoje, ele gosta de lançar dúvidas sobre a glória histórica dos ativistas de direitos civis. Depois de assumir o cargo, Klaus disse que não foram os membros da oposição que derrubaram o comunismo, mas os "tchecos normais" que, com seu jeito tranqüilo, ofereceram resistência passiva e minaram a base econômica do comunismo na Tchecoslováquia. Seus comentários provavelmente tocaram a população em geral. Não foram os dissidentes que embarcaram em ilustres carreiras depois da queda do comunismo, pensavam, enquanto os tchecos normais tiveram que temer por seus empregos?
Mas Klaus também começou como dissidente. Ele entrou para o movimento de oposição anti-comunista no final dos anos 60. Depois de os soviéticos enviarem seus tanques para Praga, Klaus perdeu seu emprego da Academia de Ciências, mas teve permissão de continuar seu trabalho como economista do banco nacional do país. Pensadores liberais como Friedrich August von Hayek são seus modelos até hoje.
Pouco depois da Revolução de Veludo de 1989, Klaus fundou o Partido Democrático Cívico (CDP), que emergiu vitorioso das eleições de 1992. Como primeiro-ministro, ele promoveu rápida transformação da economia planejada do país. Ele emitiu ações das empresas estatais para os cidadãos, esperando transformar os trabalhadores do país em uma nação de capitalistas minoritários, mas envolvidos. "Ele queria provar que sua teoria estava correta e que estava certo", explica Pilip.
A tentativa, contudo, fracassou. Apesar de a economia crescer, os bancos, que ainda não tinham sido privatizados, prontamente recompraram as ações. Então, em meados dos anos 90, o Estado novamente controlava a maior parte das empresas. O sistema permitiu que empresários corruptos enchessem seus bolsos, enquanto as estruturas corporativas desmoronadas permaneciam iguais.
A crise eventualmente alcançou o CDP, que ficou manchado com a corrupção. O rival de Klaus, Pilip, e outros pediram que renunciasse. Mas seus esforços para derrubar o líder do partido fracassaram. "Subestimamos o culto à personalidade em torno de Klaus", diz Pilip, que foi forçado a deixar o partido de Klaus na época. "Ele sempre consegue se recuperar politicamente."
Mesmo quando parecia ter alcançado um ponto baixo em sua carreira, há cinco anos, quando os membros de seu partido o rebaixaram para a posição inconseqüente de diretor honorário, Klaus perseverou. Para se tornar presidente, Klaus não teve pudores de fazer campanha por votos de esquerdas radicais, apesar de suas posições econômicas liberais. Depois de assumir o cargo, tirou do isolamento os comunistas da Tchecoslováquia, que tinham permanecido verdadeiros com suas raízes da era soviética, convidando seus principais políticos para o castelo de Lány, residência presidencial, para champanhe da Boêmia nos feriados importantes -sinal de respeito que teria sido impensável por seu predecessor, Vaclav Havel.
Para derrotar seu rival Jan Svejnar, que tem o apoio dos social-democratas, Klaus precisará de mais de uma dúzia de votos adicionais nas duas casas do Parlamento. Provavelmente reunirá esses votos entre os comunistas, apesar de profundas diferenças ideológicas. De acordo com seu ex-confidente Pilip, no fim, o poder é o que importa mais para Klaus.
(Por Jan Puhl, Der Spiegel, Tradução de Deborah Weinberg, UOL, 01/02/2008)