Como foi amplamente divulgado na ocasião, o licenciamento da Usina Hidrelétrica de Barra Grande, no rio Pelotas, divisa entre os estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul, baseou-se numa fraude no EIA/Rima do empreendimento. O documento simplesmente “esqueceu” de mencionar que a Usina destruiria fauna e flora de singular importância, inclusive remanescentes de Floresta com Araucária com populações de espécies ameaçadas de extinção.
O irreversível dano ambiental se consumou sob o beneplácito da Justiça, cujo entendimento foi o de que terceiro setor e academia denunciaram a fraude tarde demais, quando o muro da barragem já teria custado ao empreendedor 1,2 bilhões de reais.
Agora, uma hidrelétrica prevista no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) do Governo Federal, a de Pai Querê, também no rio Pelotas, preocupa ambientalistas – e qualquer pessoa de bom senso – por razões semelhantes. Primeiro, porque a usina, se viabilizada, vai novamente submeter a região a um impacto desastroso. Segundo, porque quem está mensurando esse impacto é a mesma Engevix envolvida nas irregularidades do EIA/Rima de Barra Grande.
É uma história triste que se repete, mas cujo desfecho pode ser bem diferente, já que, dessa vez, a Justiça não poderá alegar que a grita do terceiro setor e da academia em relação a Pai Querê demorou. “Um belo vale, quase um cânion, riquíssimo em biodiversidade, ficaria condenado. Pereceriam 3.940 hectares de florestas com araucária, o que equivaleria à morte de cerca de três milhões de árvores, sendo destas pelo menos 180 mil araucárias. Além disso, outras centenas de espécies da flora e fauna, várias ameaçadas, seriam afetadas”, antecipa o professor Paulo Brack, do Instituto de Biociências da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), em artigo enviado a AmbienteBrasil.
"As matas, sujeitas à inundação, são as últimas onde ocorre o queixada, Tayassu pecar, espécie criticamente ameaçada no RS. O mesmo risco sofrem o puma, a jaguatirica, o gavião-de-penacho, cada vez mais raros pelo avanço do pinus e da agricultura na região dos Campos de Cima da Serra”, informa ele, registrando ainda que, no que concerne a aves, 225 espécies já foram catalogadas na área.
Ainda segundo o professor, o endemismo de peixes de corredeiras é muito elevado e as águas paradas da represa afetariam, irreversivelmente, populações já atingidas pelo avanço dos impactos de outras hidrelétricas na bacia e pelo uso crescente de agrotóxicos associados a monoculturas.
E registra Paulo Brack: “A UHE de Pai Querê, com uma extensão de mais de 80 km, localiza-se justamente em plena Zona Núcleo da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica, patrimônio da Unesco”.
Os dados apresentados pelo Governo no dia 22 passado, dentro do monitoramento das obras previstas no PAC, revelaram que a Usina Pai Querê mudou da classificação vermelha (andamento preocupante) para amarela (em atenção). O motivo para a alteração, alegado pela ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, foi a retomada da análise dos estudos de licenciamento pelo Ibama, em novembro passado, e o encaminhamento da Avaliação Ambiental Integrada (AAI) da Bacia do Rio Uruguai, pelo Ministério do Meio Ambiente, em 28 de dezembro. A expectativa da ministra Dilma é que a licença-prévia para o empreendimento saia até 31 de março próximo.
Mas a AAI da Bacia do Rio Uruguai tampouco é vista pela comunidade ambientalista como um documento que, legitimamente, possa corroborar investimentos dessa natureza na região. Em setembro de 2006, AmbienteBrasil já registrava o descontentamento do terceiro setor em relação ao estudo, na matéria
ONGS gaúchas questionam Avaliação Ambiental Integrada – AAI – da bacia do rio Uruguai.
Na ocasião, o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), a ONG Ingá Estudos Ambientais e o Núcleo Amigos da Terra Brasil assinaram a chamada “Carta de Erechim” – cidade onde foram apresentados os primeiros resultados do estudo -, na qual oficializaram não reconhecer a validade do processo.
Alegaram, em primeiro lugar, que as empresas Andrade e Canellas, Bourscheid e Themag, responsáveis pela análise, “não têm isenção para dimensionar os impactos e definir diretrizes para a bacia do rio Uruguai, pois vêm trabalhando para as hidrelétricas, seja em Estudos de Impacto Ambiental ou na implantação de programas ambientais para as empresas do setor elétrico”.
A Carta de Erechim argumentou ainda que “grande parte das hidrelétricas incidem nas últimas áreas núcleo da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica na região, e em áreas prioritárias para a conservação pelo próprio Ibama, e ameaçam com o deslocamento de dezenas de milhares de famílias, produzindo-se assim energia de elevadíssimo custo ambiental (extinção de espécies de peixes e plantas) e injustificável custo social, principalmente a pequenos agricultores que são reconhecidos como modelo de sustentabilidade”.
(Por Mônica Pinto,
AmbienteBrasil, 31/01/2008)